Capa » Comportamento » Coronavírus pelo mundo: Vozes da resistência – II (Itália e Japão)
Coronavírus pelo mundo: Vozes da resistência – II (Itália e Japão)
Massimiliano e as filhas: música em casa na quarentena (Foto Massimiliano)

Coronavírus pelo mundo: Vozes da resistência – II (Itália e Japão)

Por Fábio Gallacci

Especial para a Agência Social de Notícias

Campinas, 19 de maio de 2020

(Segunda reportagem da série com depoimentos de cidadãos moradores de vários países, sobre os impactos da pandemia.)

Itália

Massimiliano – Região do Piemonte

(SEGUNDO PAÍS, DEPOIS DA CHINA, A SENTIR COM MAIOR GRAVIDADE OS EFEITOS DO NOVO CORONAVÍRUS. PÂNICO NA REGIÃO NORTE, NO ENTORNO DE MILÃO E TURIM. O CONFINAMENTO. AS MANIFESTAÇÕES DE SOLIDARIEDADE. A MÚSICA CONTRA O MEDO.)

Dados de 19 de maio de 2020, 11 horas de Brasília

Dados de 19 de maio de 2020, 11 horas de Brasília

“Moro no Norte da Itália, na região do Piemonte, uma das regiões mais afetadas pela Covid-19. Minha família é composta por quatro pessoas: eu, minha esposa e duas filhas – de 13 e 8 anos. Ficamos confinados em casa, como toda a Itália, em um bloqueio por três semanas. Tudo está fechado, com exceção de hospitais, farmácias, supermercados, deixar sua casa somente é permitido para obter alimentos, medicamentos ou se você realizar trabalhos necessários ao país. Somente uma pessoa por vez pode deixar a família. As verificações da polícia são frequentes, com bloqueios nas estradas. Em caso de detenção, você deve justificar o motivo da saída através de um formulário. Se o que você declarou for falso, será denunciado. Se você é uma pessoa em quarentena e está longe de casa, há prisão.

A primeira coisa que você faz quando acorda de manhã é verificar se há febre

Minha vida está completamente de cabeça para baixo, tudo o que era normal – a vida cotidiana – não existe mais. Não tenho contato com outras pessoas, desconfio de todos. Quando raramente encontro uma pessoa, tento manter uma distância segura. Mesmo na família, tomamos todo o cuidado. Se eu sair para o trabalho, antes de entrar em casa, fico nu, imediatamente tomo um banho quente e desinfeto tudo o que saiu comigo: telefones, chaves de carro, carteira. Acho que o sentimento predominante é a angústia. A primeira coisa que você faz quando acorda de manhã é verificar se há febre. Caso isso aconteça, você deve se limitar a um quarto e tentar não ter nenhum relacionamento com sua família.

Bondade e música nas varandas

Pode parecer absurdo para você, mas a reação que mais vi em meus concidadãos foi a bondade, a paciência e o envolvimento em todos os níveis de solidariedade. De alguma forma, queremos nos sentir unidos, mesmo que separados, e aqui as músicas nasceram das varandas, o hino nacional nas ruas, pessoas que fazem shows reais nas varandas da casa. Nossos heróis nesse momento são os médicos e enfermeiros que, às vezes, perdem a vida com o trabalho. Mas também todas as pessoas que, apesar de tudo, precisam trabalhar. Não é difícil encontrar placas de agradecimento, mesmo nos sacos de lixo, em favor dos coletores de lixo.

Massimiliano: nossos heróis são os médicos e os enfermeiros (Foto Massimiliano)

Massimiliano: nossos heróis são os médicos e os enfermeiros (Foto Massimiliano)

Família isolada

Não mantemos contato com o resto da família há mais de um mês, com meus pais e sogros, embora moremos a poucos quilômetros de distância. Só nos comunicamos diariamente via smartphone com videochamada. Para as pessoas mais velhas, isso é um choque. Não ver seus filhos e, especialmente, seus netos.

Música

Sou músico, mas apenas por hobby. É claro que sinto falta do meu grupo e das pessoas próximas a mim. Agora, toco com minhas filhas e gosto de ensinar-lhes música. Trabalho como projetista técnico em uma empresa multinacional de eletricidade. Meu trabalho é a distribuição de eletricidade. Em residências e infraestruturas hospitalares, ela é vital nesse momento. Muitos de nós trabalham em casa e outros em turnos alternados. Mesmo em nossa empresa, lidamos apenas com emergências.

Médicos e enfermeiros valem mais do que jogadores de futebol

Em casa

Minha vida neste período ocorre principalmente em casa, minha esposa e eu trabalhamos de maneira remota em home office. Minha filha mais velha, de 13 anos, estuda online. Já para a de 8 anos, o dever de casa vem pelo WhatsApp. Às 18h, acompanhamos o noticiário que informa diariamente o número de curados, novos infectados e mortos. Fazemos compras on-line à noite, coletamos no carro do lado de fora da loja, a fim de reduzir os contatos com outras pessoas.

Massimiliano: trabalho em home office e educação à distância (Foto Massimiliano)

Massimiliano: trabalho em home office e educação à distância (Foto Massimiliano)

Bolsonaro contrário ao isolamento

O seu presidente está cometendo um grande erro, mas eu posso entender porque foi o que todos fizeram inicialmente. O caminho começa diminuindo o problema para salvaguardar a economia. Aqui também começou assim, no entanto, a Itália tentou reagir desde os primeiros casos, colocando em quarentena e bloqueando toda a nação. Os países europeus nos olharam um pouco incrédulos e limitaram-se a fechar as fronteiras (todos pensam que em seu território isso não pode acontecer porque estão de alguma forma mais preparados que os outros), mas logo fica claro para todos o que está acontecendo. Eu acho que seu presidente vai mudar de ideia, o contágio se move de forma rápida e exponencialmente.

O Brasil deve proteger seus habitantes, em todos os estados afetados pela Covid-19. Apenas o isolamento social contrasta com o avanço do vírus. Todos os dias a indiferença é paga com mais infectados. A cada iniciativa tomada, o sucesso é verificado após cerca de 10 a 15 dias, o que faz você entender porque é importante agir rapidamente.

Lição

Acredito que todos teremos uma grande lição dessa pandemia, talvez comecemos a nos considerar mais humanos e nos respeitarmos mais como povos. Aprendemos, em nosso prejuízo, que a saúde pública é algo muito importante, que médicos e enfermeiros valem mais do que jogadores de futebol.

O que eu pessoalmente gostaria de encontrar e abraçar todas as pessoas que conheço, voltar à minha vida normal, jantar e conversar livremente com alguém.

Uma das coisas que mais me faz sofrer é saber que os idosos morrem sozinhos

Reflexão

O coronavírus afeta a todos indistintamente, os jovens agem como um elo com a infecção, mas as pessoas que mais sofrem mortalidade são os idosos. Uma das coisas que mais me faz sofrer é saber que essas pessoas morrem no hospital ou em casa sozinhas, ninguém além da equipe médica pode se aproximar. Em seu último ato de vida, elas se vêem sozinhas e assustadas sem o conforto de sua família”.

Silvana, de Omegna: tristeza, esperança e fé (Foto Silvana)

Silvana, de Omegna: tristeza, esperança e fé (Foto Silvana)

Silvana – Omegna

“Eu moro em Omegna. Estamos confinados em casa. Saímos apenas para fazer compras e outras coisas necessárias. Moro sozinha, as crianças me trazem as compras, elas não querem que eu saia. Tristeza, esperança e fé. Enfrentamos isso de uma maneira civilizada, sem pensar que isso pode acontecer conosco. Eu tenho contato com meus filhos quando eles me levam para fazer compras e com amigos e parentes pelo WhatsApp. Eu sou aposentada. Em casa, eu limpo, leio, faço palavras cruzadas, assisto TV, saio para o pátio para molhar as flores e volto para a casa. Quando tudo acabar, aprenderemos a amar mais um ao outro”.

Maria (nome fictício) – Piemonte

“Moro no Piemonte, uma região do Norte da Itália, com o meu filho. Aqui a situação é bastante grave, há muitos infectados, não há leitos nos hospitais, estamos sem máscaras, aventais e equipamentos médicos como respiradores nunca são suficientes. As pessoas são confinadas em casa, mas no início da quarentena nem todos respeitaram a regra.

Em uma situação como essa, você se sente privado da liberdade de movimento. É um prisioneiro em sua casa. Os sentimentos que predominam em mim são o medo de sermos infectados porque cada pessoa desenvolve a doença de maneira pessoal, algumas de forma leve e outras de forma mais pesada. A esperança é que tudo isso termine o mais rápido possível. Às vezes, parece que vivemos em um pesadelo

Quando tudo acabar, talvez com essa má experiência, aprenderemos a respeitar mais a natureza

Cada pessoa é um mundo em si, cada um tem suas próprias ideias e cada um enfrenta a ameaça à sua maneira. Infelizmente, existem pessoas que ainda não a percebem e saem de casa como se nada tivesse acontecido enquanto outros, por medo, tentam não sair mesmo que precisem. Muitos se reúnem nas redes sociais, talvez para se sentirem mais próximos e unidos ou talvez para ter coragem. Muitos se encontram cada um na sua varanda, brincam, cantam ou acendem as luzes. Enfrentamos esse mal com medo de ser infectado, mas com esperança e confiança de que tudo isso passará rapidamente.

No período de quarentena, trabalho e volto imediatamente para casa, com todos os medos que se pode ter ao trabalhar em um local público, sempre em contato com as pessoas. A rotina em casa é suportável. Quando tenho tempo livre eu pinto, me relaxa e desvia minha mente dos problemas.

Amigos do Brasil, fiquem em casa para encontrar a sua liberdade o mais rápido possível

Gripezinha?

Na verdade, isso não é uma “gripezinha” porque, aqui na Itália, muitas milhares de pessoas morrem por esse vírus. Não sei dizer se o que seu presidente diz está certo ou não porque ainda estamos com frio e o vírus ele se espalha rapidamente nessas temperaturas, enquanto no Brasil é quente e a velocidade de propagação nesse tipo de ambiente é desconhecida. Nós, italianos, encerramos todas as atividades não essenciais, mas infelizmente o fizemos pouco a pouco, dando ao vírus a oportunidade de se espalhar. Na minha opinião, tudo deve ser fechado imediatamente para evitar uma infecção alta. As aglomerações de pessoas devem ser evitadas ao máximo possível e a distância de segurança é algo fundamental.

Liberdade

Quando tudo acabar, talvez com essa má experiência, aprenderemos a respeitar mais a natureza e certamente entenderemos quanta liberdade de movimento temos. Acredito que também apreciaremos mais a proximidade com o próximo, a socialização. A primeira coisa que farei quando tudo tiver passado será um agradável passeio pelas montanhas com meu companheiro e dar um grande abraço na minha filha, que agora está longe. Ao final, deixo um recado: amigos do Brasil, fiquem em casa para encontrar a sua liberdade o mais rápido possível”.

Flávio e família: "Vivemos uma sensação de incerteza, mas com fé de que dias melhores virão" (Foto Flávio Miyai)

Flávio e família: “Vivemos uma sensação de incerteza, mas com fé de que dias melhores virão” (Foto Flávio Miyai)

JAPÃO

Flávio Miyai – Komatsu

(QUARENTENA ONDE EXPLODIU O NÚMERO DE INFECTADOS. INCERTEZAS. MOMENTO DE REPENSAR VALORES.)

Dados de 19 de maio de 2020, 11 horas de Brasília

Dados de 19 de maio de 2020, 11 horas de Brasília

“Moro na região de Hokuriku, província de Ishikawa, na cidade de Komatsu. A quarentena foi decretada em algumas províncias onde o número de infectados aumentou bastante. Vivemos uma sensação de incerteza, mas com fé de que dias melhores virão. O japonês é muito fechado e é preciso cautela nas decisões.

Talvez essa pandemia serviu para analisarmos e repensar valores e prioridades na vida. Mantenhamos a serenidade, não adianta criar pânico. Não é só a covid-19 que mata. Zelem pelos seus, façam sua parte, respeitem o próximo e vida que segue. Quando tudo volta ao normal, quero fazer um churrasco”.

Com foto de João Paulo Ramos

Com foto de João Paulo Ramos

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.