Por Fábio Gallacci
Especial para a Agência Social de Notícias
Campinas, 21 de maio de 2020
(Quarta reportagem da série com depoimentos de cidadãos moradores de vários países, sobre os impactos da pandemia.)
ESPANHA
Marta Franck – Barcelona
(OUTRO PAÍS QUE SOFREU MUITO NOS PRIMEIROS MESES DA PANDEMIA E AGORA VIVE A PRIMEIRA FASE DE ABERTURA. AS MEDIDAS DO GOVERNO NAS ÁREAS SOCIAL E ECONÔMICA. A IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO CONFIÁVEL.)
“Moro em Barcelona com meu marido e minha filha Julia, de 3 anos. Estamos em casa desde o dia 13 de março. A situação segue complicada, subindo o número de contágios e mortes.
O momento é de angústia, sem saber muito bem o que vai acontecer. Mas está sendo um momento de reflexão também, de questionar as prioridades da nossa vida, pensar no próximo, valorizar pequenas coisas. Embora sejam momentos difíceis, estamos tendo a oportunidade de viver coisas que não podemos com a correria do dia a dia, principalmente com as crianças.
Aqui as pessoas parecem ser cada vez mais conscientes e solidárias, além, claro, atentas às medidas do governo em relação ao confinamento. Muitas multas foram dadas nesses dias, mas a grande maioria das pessoas está respeitando e ficando em casa.
Palmas para o pessoal da saúde
Temos muitas coisas que estão sendo veiculadas na internet ou em forma de lives: são shows de magia, músicos, yoga, aulas para os pequenos e grandes. O que não falha são as palmas – sempre às 20 horas – para o pessoal sanitário, pra todas as pessoas que seguem trabalhando nessa época difícil. Cada vez saem mais pessoas na sacada para aplaudir e os aplausos cada vez duram mais. Imagino que seja por estarmos cada vez mais agradecidos.
Nós moramos a uma quadra dos meus sogros e do meu cunhado. Mesmo assim, não estamos nos vendo. Todos entendem agora como é minha relação com a minha família, por exemplo, já que sou a única que mora na Espanha.
São muitas videochamadas, muito WhatsApp, vídeos, mensagens de texto e de voz. Já passamos por dois aniversários nesse confinamento: vídeo em grupo e cada um com o seu bolo em casa!! Entendemos que é difícil, mas que é para um bem comum… As crianças e os idosos são os que mais sentem essa distância, mas com carinho e muita conversa, conseguimos que todos fiquem bem.
Comparem a capacidade de tratamento em hospitais x população em cada lugar afetado com a realidade brasileira
Trabalho no departamento de compras de uma empresa com mais de 50 lojas que vende, além de livros, jogos, tecnologia, etc… Quando começou o confinamento, estávamos com home office. Agora estamos com os contratos suspensos temporalmente.
A diferença do Brasil é que aqui temos o apoio do governo para que as empresas não quebrem, mas sem que o trabalhador saia tão prejudicado. O governo está assumindo 70% dos salários e as pessoas seguem cotizando tanto para aposentadoria quanto para férias. Grande parte do país está nessa situação. Existe uma forte política social para superar o confinamento e, quando isso acabar, recuperar a economia.
Nosso dia a dia agora é fazer com que nossa filha gaste a energia e não sofra tanto com esse tempo dentro de casa. Enquanto trabalhava, minha rotina era dividir a atenção entre família e emprego, agora é 100% do tempo dedicado à filha. Não é fácil, mas fazemos o melhor que podemos.
Isolamento vertical
Existe a linha que defende o isolamento vertical. Eu indico que as pessoas leiam o atual posicionamento do governo da Itália, onde pedem perdão pela primeira postura tomada para esta crise. Admitem que mais pessoas morreram por isso, reconhecem o erro e pedem que as pessoas sejam agora cientes do que isso pode levar.
Por outro lado, aqui na Espanha, 32% das pessoas internadas pelo coronavírus tem menos de 50 anos. Isso demonstra que, embora tenhamos menos risco, não significa que não necessitemos internação. O sistema de saúde do Brasil já tem muitas dificuldades sem uma crise, por isso é importante evitar o máximo de contágios.
É hora de deixar de ser egoísta, pensar mais além da própria realidade
O que eu recomendo é que as pessoas pesquisem o que aconteceu nos países onde o vírus está mais avançado, quais as consequências de cada decisão, comparem números e evolução dos casos. Todos temos acesso à informação. Agora mesmo temos tempo suficiente para pesquisar. Comparem a capacidade de tratamento em hospitais x população em cada lugar afetado com a realidade brasileira. Escutem os especialistas que dizem que o Brasil tem muitos mais casos que os publicados oficialmente! Enfim, se informem e pensem com toda a informação que consigam.
Ficamos em casa
Diria para as pessoas pensarem no conjunto. Na minha casa, nenhum de nós é do grupo de risco. Mas sabemos que podemos ser portadores do vírus para pessoas que são. Por isso, ficamos em casa, por mais difícil que seja. É hora de deixar de ser egoísta, pensar mais além da própria realidade. Vamos dar valor às pequenas coisas, ajudar ao próximo.
Procurar os pequenos comércios que ainda funcionam é algo positivo. Compre a fruta e a verdura daquele que segue fazendo um esforço para não quebrar a empresa, por exemplo. Receba a compra do motoboy respeitando a distância de segurança, mas agradeça muito pelo trabalho que ele está fazendo nesse momento tão difícil para todos.
Acho que a lição é exatamente esta: aprender com tempos difíceis para criar um mundo melhor, menos egoísta, com todos se colocando na pele do outro.
Primeira ação depois da pandemia
Certamente, sair com a minha filha para que ela possa correr muito ao sol e, claro, aproveitar com a família. Quem sabe um pique-nique? Mas enquanto isso não passa, fiquem em casa, por favor!
Moçambique
Cesaltina Muchanga
(EXEMPLO DE SITUAÇÃO NA ÁFRICA, CONTINENTE DO QUAL A MÍDIA OCIDENTAL POUCO FALA. MUITAS FAMÍLIAS PASSANDO FOME E ALTO DESEMPREGO. MUITAS INCERTEZAS QUANTO AO FUTURO.)
“Eu moro em Moçambique, um país que fica no sul da África. Estamos nesse momento contando com 91 casos infectados por coronavírus. As pessoas ainda estão confinadas. Esse – maio – é o segundo mês que estamos confinados, em estado de emergência. Eu moro com a minha mãe, meu pai, seis irmãos e três sobrinhos.
Nesse momento estamos passando por momentos muito difíceis porque há muitas famílias passando fome, muita gente ficando sem emprego. É uma situação complicada. Um dia temos esperança e fé, no outro vem o medo. Ficamos nos perguntando quando isso vai terminar. Antes, o país já passava por uma situação difícil e como vai superar esse situação? No meio disso tudo, estamos em oração pedindo para que o mundo inteiro possa ultrapassar esse momento.
Estamos tomando todas as medidas de prevenção. Todo mundo sai de casa com máscara. Em todos cantos tem onde lavar a mão com água e sabão. Não tem sido fácil, principalmente na questão de distanciamento social, porque muitas famílias precisam estar em mercados informais para vender produtos e ganhar dinheiro pra ter o que comer. Mas todo mundo já tem a noção do perigo.
O país já passava por uma situação difícil e como vai superar esse situação?
É uma rotina muito complicada porque as pessoas estão habituadas a sempre sair de casa em busca do seu sustento. Até para as crianças está sendo difícil, mas é o que temos a fazer no momento.
Saudade de um abraço
Eu não acho uma ideia boa (negar a ideia de que o isolamento social é importante) porque pelo que tenho acompanhado o Brasil é um dos países que conta com o maior número de casos de coronavírus no mundo. Primeiro devemos cuidar da saúde que o resto pode ficar para o dia seguinte.
Vamos nos cuidar para que possamos nos reencontrar amanhã
Eu deixaria uma mensagem de que que tudo a Deus pertence, que vamos dividir o tempo com todos que amamos, dar abraços, amar enquanto podemos. Vamos cuidando um do outro.
Quando tudo isso acabar, primeiro eu vou me ajoelhar e agradecer a Deus. Já faço isso sempre, mas farei ainda mais. Também quero dar abraços em todos. Estou sentindo falta dos abraços. Vamos nos cuidar para que possamos nos reencontrar amanhã. E não perder a fé. Esses momentos difíceis vão passar.