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Coronavírus pelo mundo: Vozes da resistência – VIII (Nicarágua e Israel)
Walkiria Chavarria, de máscara, em evento da imprensa nicaraguense (Foto Donaldo Hernandéz)

Coronavírus pelo mundo: Vozes da resistência – VIII (Nicarágua e Israel)

Por Fábio Gallacci
Especial para a Agência Social de Notícias
Campinas, 27 de maio de 2020
(Oitava reportagem da série com depoimentos de cidadãos moradores de vários países, sobre os impactos da pandemia.)

NICARÁGUA

Walkiria Chavarria – Manágua

(MUITAS CRÍTICAS ÀS AÇÕES DO GOVERNO EM RELAÇÃO À PANDEMIA. PROFISSIONAIS DE SAÚDE TRABALHAM SOB AMEAÇA. FAMILIARES RECEBEM POUCA INFORMAÇÃO.)

Dados de 27 de maio de 2020, 14 horas de Brasília

Dados de 27 de maio de 2020, 14 horas de Brasília

 

“Apenas algumas semanas atrás, o governo autorizou o uso de máscaras para o pessoal médico em hospitais públicos. Antes disso, organizações civis e médicas anônimas haviam relatado que o governo as proibia de usar esse tipo de proteção mínima para evitar ‘pânico’ entre a população.

Os profissionais de saúde do sistema público estão trabalhando sob a ameaça de serem demitidos se não seguirem as diretrizes do governo. Ninguém tem acesso a hospitais públicos, apenas médicos, pacientes e funcionários.

Esses prédios são mantidos vigiados por patrulhas policiais. Familiares de pacientes devem esperar do lado de fora do hospital e recebem poucas informações sobre a condição de seus entes queridos.

Em maio, Mario Mayorga, um radiologista, se tornou o primeiro médico a contrair a Covid-19 no país. Ele trabalha no AMOCSA, um centro hospitalar no departamento de Chinandega, no Oeste da Nicarágua. Ficou em estado grave e se recuperou. Segundo as queixas, uma das principais fontes de infecção é encontrada nesta região do país.

Em meio a esse contexto, epidemiologistas que não pertencem ao sistema público de saúde alertaram que a Nicarágua já está na fase de contágio comunitário, uma etapa extremamente perigosa na qual medidas de prevenção devem ser tomadas, mas o governo continua ignorando essas recomendações e promovendo a ‘normalidade’.

 

Relatos em redes sociais, documentados de forma anônima por cidadãos, dão conta de enterros clandestinos à noite

Relatos em redes sociais, documentados de forma anônima por cidadãos, dão conta de enterros clandestinos à noite

Enterros clandestinos à noite

Desde a semana passada, tem havido crescentes relatos nas redes sociais sobre casos de pessoas aparentemente mortas pelo Covid-19 que são enterradas de forma imediata e quase clandestinamente à noite pelas autoridades.

A isto foi adicionada uma de casos de desmaios e mortes súbitas nas vias públicas.

Já existem centenas de infectados e um número indeterminado de mortos. O governo continua a esconder muita informação sobre a pandemia e quer vender uma imagem falsa do país na “normalidade”.
Nesta semana (entre os dias 11 a 15 de maio), as mortes por covid-19 e o número de infectados aumentaram muito, mas o governo nega isso”. (Walkiria Chavarria foi infectada pelo novo coronavírus e se recupera em casa. Muitos profissionais de imprensa nicaraguenses contraíram a Covid-19 e alguns faleceram.)

 

Luiz Aberbuj Oliveira: alguns grupos resistiram no início, mas população em geral aderiu ao isolamento (Foto Luiz Aberbuj Oliveira)

Luiz Aberbuj Oliveira: alguns grupos resistiram no início, mas população em geral aderiu ao isolamento (Foto Luiz Aberbuj Oliveira)

ISRAEL

Luiz Aberbuj Oliveira – Ramat Gan

(POPULAÇÃO SEGUIU ORIENTAÇÕES SOBRE ISOLAMENTO. VIDA AOS POUCOS VOLTA AO NORMAL. NÂO TEM SENTIDO BANDEIRA DE ISRAEL EM PROTESTOS NO BRASIL.) 

Dados de 27 de maio de 2020, 14 horas de Brasília

Dados de 27 de maio de 2020, 14 horas de Brasília

“Moro em Ramat Gan, na região metropolitana de Tel Aviv. Eu vivo com minha namorada e estamos confinados quase 100% do tempo desde metade de março, quando nossos locais de trabalhos foram fechados. Nós saímos somente para comprar comida e tenho tido aulas online. Agora o cenário começa a voltar à normalidade aos poucos. A pequenos passos, o comércio vem voltando à atividade, mas muitos lugares públicos ainda estão fechados, inclusive a praia. Boa parte das pessoas tem trabalhado de casa, estudantes do ensino básico até universitários têm aulas virtuais e, mesmo os lugares essenciais (como supermercados e farmácias), funcionam com entrada limitada. A entrada é permitida somente com máscara e funcionários medem a temperatura das pessoas que entram uma a uma sem ultrapassar o limite de aglomeração. Multas tem sido a penalização a quem não cumpre com as medidas impostas. Há casos de pessoas sendo presas por descumprimento do isolamento e a orientação é não se distanciar mais do que 100 metros de casa se não for para necessidades essenciais (comprar comida, remédios ou ir ao médico).

Boa parte da população ainda está isolada e/ou evitando sair embora as ruas já estejam bem mais movimentadas e a rotina tem voltado ao normal. Porém, há alguns lugares onde o confinamento foi mais radical por causa do maior nível de contaminados. Boa parte dos lugares nessa situação são cidades/comunidades onde a maioria da população é árabe ou judeus ultra ortodoxos que são os dois grupos que experienciam maiores níveis de pobreza e, consequentemente, vulnerabilidade.

Negacionismo

No caso dos judeus ultraortodoxos houve um certo alvoroço com a decisão de isolamento e proibição de aglomerações com mais de 100 pessoas porque isso impediria práticas religiosas coletivas e encontros de estudo e oração nas sinagogas, o que gerou certa resistência (e bastante negacionismo) por parte de certas linhas que se manifestaram alegando que a medida foi discriminatória embora o governo tenha subsidiado esse setor de forma preferencial. Houve nesse meio tempo duas grandes festividades, Pessach (Páscoa judaica) e o dia da independência, que se caracterizam pelas comemorações coletivas e/ou públicas que foram afetadas em função do isolamento e durante esse período o controle foi mais rigoroso.

No início, ficamos sim um pouco assustados, porque não conhecíamos a real gravidade da situação e nem da doença/vírus em si, a primeira preocupação foi obviamente relacionada à nossa saúde e, posteriormente, à situação financeira que foi, com certeza, afetada pelo fechamento do comércio e com a paralisação em geral. Aqui temos o “Seguro Nacional” que o contratante paga para segurar seus funcionários em situações como essa, o que ajuda, mas não é a mesma coisa que o nosso salário normal. O grande debate que tem ocorrido nesses últimos tempos é em relação aos autônomos que, a princípio, não teriam direito a esse seguro então o governo está estudando medidas pra evitar a quebra de milhares de negócios que não vão conseguir superar a crise sozinhos.

Esperança

Esperança é sem dúvida o sentimento que surge mais forte porque queremos muito voltar para vida normal e nos livrarmos dessas preocupações. No início, as decisões do governo para estabelecer o isolamento podiam parecer exageradas, mas no decorrer do último mês e meio se mostraram efetivas e Israel foi um dos países que melhor lidou com o problema. Também temos bastante confiança no sistema de saúde que é um dos melhores do mundo. Há muita esperança de que a vacina contra o vírus saia daqui visto que já existem projetos avançados nessa área por aqui.

De forma geral, o israelense acatou as determinações de isolamento e as medidas que foram implementadas. Quem pode fazer seus afazeres de casa assim o faz. E mesmo pra quem trabalha fora as medidas são respeitadas e aplicadas em qualquer lugar com grupos maiores, o uso de máscaras, luvas, álcool gel e a prática do distanciamento social se difundiu bem.

Voluntariado

Há também bastante envolvimento social o que é algo bem característico de Israel. ONG`s e projetos sociais, apareceram para ajudar os mais necessitados, até eu mesmo comecei a fazer voluntariado em um projeto que cozinha e leva a comida até a casa de sobreviventes do holocausto, que já estão em uma idade avançada, estão isolados e são mais vulneráveis ao vírus, muitos deles também vivem em situação de pobreza e essa ajuda é fundamental. Eu diria que entendimento coletivo e a colaboração com o próximo foram uma reação natural da população. E quem não cumpriu as medidas de distanciamento e isolamento foi penalizado com multas pesadas, que até o dia 22/04 totalizavam 34 milhões de shekels (algo em torno de R$ 54 milhões) em casos mais extremos houve prisões por quebra do isolamento.

O coronavírus nos trouxe a necessidade de rever alguns conceitos

Aqui, o governo não hesitou em aplicar medidas de isolamento social e o combate ao vírus se tornou prioridade máxima em todos os âmbitos e mesmo com medidas drásticas, ainda assim temos quase 17 mil infectados e 234 mortes (dados de 04/05). Eu pessoalmente acho uma gigantesca falta de responsabilidade essa postura do presidente (Jair Bolsonaro, de negar a gravidade da pandemia). Não tem nada de histeria nem é uma pequena gripe, pessoas estão morrendo, não só idosos, não só pessoas com doenças preexistentes.

O presidente escolheu um discurso negacionista que vai contra o consenso das maiores autoridades da área da saúde no mundo, contra as políticas implantadas em países que estão lidando de forma bem mais efetiva contra o vírus. Ele está sem dúvidas levando o Brasil a uma situação de calamidade pública.

Pequenos gestos salvam vidas

Se protejam, saiam de casa somente para o que for extremamente necessário e quem precisar ainda assim ir trabalhar, tente manter o distanciamento, usem máscaras, lavem bem as mãos. São pequenas mudanças nos hábitos diários que podem salvar vidas. Não esperem chegar a alguém próximo para se preocupar.

Penso que a maior lição é de que ninguém vive sozinho. Às vezes, pode parecer que nossas ações atingem somente a nós mesmos, mas não podemos esquecer das consequências dos nossos atos para com o todo. O corona nos trouxe a necessidade de rever alguns conceitos, que vão desde a aspectos político-sociais e econômicos, higiene e vigilância sanitária, relação com a natureza e o meio ambiente, relações da vida urbana e principalmente o papel de cada um na sociedade. Estamos vivendo história.

 

FRASE

“Eu vi que ocorreram alguns protestos no Brasil contra a política do isolamento nos quais foram vistas bandeiras de Israel, erguidas como símbolo político. Isso não faz sentido algum! Israel foi um dos primeiros a países a aplicar o isolamento social e um dos mais rigorosos. Em todo momento o governo demonstrou preocupação com a saúde das pessoas, fez esforços para reduzir o número de infectados e, no geral, tudo foi acatado e respeitado pela população. Deixem Israel fora disso porque esse fenômeno não tem a menor coerência.” (Luiz Aberbuj Oliveira)

 

Com foto de João Paulo Ramos

Com foto de João Paulo Ramos

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.