Por Regina Márcia M. Tavares
Há mais de 20 anos, na reunião Intergovernamental Sobre Política Cultural Para O Desenvolvimento, em Estocolmo, a UNESCO recomendou aos países fazerem da Política Cultural um dos elementos chave do desenvolvimento, promovendo a criatividade e a participação na vida cultural, reforçando, assegurando e ampliando a política de proteção ao patrimônio cultural, informando sobre a diversidade cultural e linguística dentro das comunidades e na sociedade como um todo e, finalmente, disponibilizando mais recursos técnicos e financeiros para o desenvolvimento da Cultura.
Num momento em que se está em busca de um nome para a Secretaria da Cultura do atual governo municipal, penso ser útil discorrer, mesmo que superficialmente, sobre conceitos fundamentais para uma consistente Ação Cultural seja num país, num estado, num município, numa metrópole.
A Cultura, em seu sentido socioantropológico é o conjunto dos modos de fazer, sentir e pensar que cada população cria e que orienta seus comportamentos ao longo de gerações. Constitui-se numa elaborada rede de significados para o enfrentamento da sobrevivência física e social de um agrupamento humano, num determinado habitat.
Ao contrário do que se pensa comumente, a Cultura não é um produto exclusivo das elites econômicas ou do saber de uma dada camada da sociedade e, muito menos, somente as expressões artísticas de uma sociedade; ela é um todo complexo produzido pela coletividade o qual se expressa nos valores que orientam os comportamentos, a economia, o direito, a religiosidade, a própria arte, assim como outros aspectos da vida social, apresentando-se diferente em sociedades geograficamente diferentes, em extratos sociais diversos.
A Cultura permeia toda a existência humana e é ela que, de formas variadas e em todas as direções consolida, como num caleidoscópio, a vida inteligente do Homem, sua capacidade de estabelecer relações, de transferir experiências, de construir sempre um novo futuro. Através da escola os indivíduos têm contato com recortes específicos da cultura de uma sociedade, mas não com ela em sua totalidade. O restante do conteúdo cultural de uma dada sociedade chega ao indivíduo através do espaço familiar, dos grupos de amizade, das atividades lúdicas, das artes em geral, dos “mass mídia”.
O Patrimônio Cultural de uma dada sociedade é algo dinâmico e variável pela própria natureza do processo que o produz e preservá-lo não deve significar jamais “engessá-lo” ou “congelá-lo”; porém, oferecer oportunidades e espaços onde o processo da produção cultural seja percebido, analisado, compreendido, transformando-se em referencial necessário ao próprio reconhecimento da identidade pessoal e coletiva, bem como sustentação para a Criatividade necessária ao advento do futuro.
Se as sociedades mundiais já partilham de um acervo comum de conquistas tecnológicas, e estão criando uma c,omunidade cultural planetária, tal acontecimento não é suficiente para torná-las idênticas; cada qual deverá manter suas características próprias determinadas pelos caminhos evolutivos que trilhou, sendo exatamente essa diferença que a fará atraente e potencialmente capaz de desenvolvimento endógeno.
Tem-se, pois, que a Criatividade humana é a condição “sine qua non” para a continuidade da espécie, através dos séculos e milênios. Porém, o gênio criador do “Homo Sapiens Sapiens” necessita permanentemente ser estimulado para que possa dar respostas adequadas às necessidades que emergem no seu fazer histórico, pois é sempre diante da necessidade, da solicitação iminente que o pensamento humano avança além das fronteiras conhecidas.
A Política Cultural a ser desenvolvida por um governo deverá ser, sempre, um conjunto de medidas que possam garantir a progressiva realização das potencialidades dos membros da coletividade, dentro de um processo de desenvolvimento, priorizando a preservação do patrimônio e memória culturais, a defesa da identidade cultural, a democratização do acesso a valores culturais e a criação de condições para a estimulação da Criatividade no seio da população. Ao Estado não compete, absolutamente, produzir Cultura, mas criar incentivos e condições que viabilizem a preservação das múltiplas facetas daquela produzida pelos vários segmentos sociais em seu interior. Ao Estado compete o papel de facilitador e articulador político para que a produção própria do seio da sociedade possa expandir-se.
Parece-me importante lembrar que o responsável pela condução de uma Política Cultural deverá buscar um diálogo permanente com as pastas da Educação, da Saúde, do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio, para que os conteúdos culturais múltiplos da sociedade sejam devidamente evidenciados, priorizados e resguardados. Tal colocação justifica-se pelo fato de estar muito ao gosto das elites dirigentes somente a valorização e a preservação do que chamaríamos de “belos”, “exóticos”, “raros”, “artísticos” exemplares da ação humana, assim como a promoção insistente e indiscriminada das expressões culturais que já estão no mercado, reforçadas pela mídia eletrônica e a imprensa, como os espetáculos que uniformizam o gosto e a sensibilidade de milhões de cidadãos.
Finalmente, será sempre enriquecedor para o condutor de uma Política Cultural Governamental oportunizar debates nacionais, regionais, locais, envolvendo Universidades, Centros Culturais, Museus, Associações comunitárias, de classe e outros, com vista à incorporação de conhecimentos já produzidos e a melhoria do seu próprio desempenho.
Regina Márcia Moura Tavares é antropóloga, professora universitária aposentada, consultora acadêmica internacional, membro da ACL, do IHGGC e de inúmeras associações culturais nacionais e internacionais.