Regina Márcia Moura Tavares
O ano em curso marca uma efeméride significativa: os 500 anos de nascimento de Luís Vaz de Camões, o grande poeta português. A data de seu nascimento ainda é uma das zonas nebulosas em sua trajetória. Isabel Rio Novo, escritora portuguesa e autora da recente obra” Fortuna, Caso, Tempo e Sorte: Biografia de Luís Vaz de Camões” diz que num documento de 1550 o poeta tinha 25 anos; assim sendo, terá nascido entre 1524 e 1525.
Em Portugal, eventos, palestras, exposições e leituras de “Os Lusíadas” e de suas poesias líricas vêm acontecendo ao longo do ano e irão até 2026. Universidades, bibliotecas e academias literárias do mundo todo têm se engajado em reavivar a obra e a vida de Camões, buscando não só rememorar seu impacto, mas também estimular novos olhares e interpretações sobre seu legado.
No Rio de Janeiro, o Real Gabinete Português de Leitura promove o evento “Quinhentos Camões – o Poeta Reverberado”, que prevê a cada mês uma mesa-redonda com convidados do Brasil e exterior até junho de 2025. Já a Biblioteca Nacional sediou até outubro a exposição “A língua que se escreve sobre o mar – Camões 500 anos”.
Em outros países lusófonos, com Angola, Moçambique e Timor – Leste, também ocorrem eventos em homenagem ao poeta, destacando a herança cultural partilhada por esses povos através do uso da mesma língua.
“Os Lusíadas”, poema épico de 8.816 versos, narra a viagem marítima de Portugal até a Índia, entre 1497 e 1499, liderada pelo navegador Vasco da Gama. Esta obra é considerada um dos maiores feitos da literatura renascentista europeia, ao lado da “Divina Comédia” de Dante e a “Eneida” de Virgílio; nela, não apenas estão relatadas as aventuras marítimas dos portugueses, mas temas universais como a coragem, a fé, o amor, os desafios e as glórias de uma nação em expansão.
Em todo o mundo não faltam elogios à esta obra de Camões que em versos imortais sintetizou a identidade e a alma do povo português, ao mesmo tempo que projetou a língua e a cultura lusitana para além das fronteiras de Portugal. O prof. aposentado da FFLCH-USP, João Adolfo Hansen, o considera um dos maiores poetas que já existiram pela síntese que sua poesia faz de uma experiência aristocrática, de elementos da filosofia cristã elaborada, da cultura greco-romana, dentre outros.
Ao associar história e literatura o livro ganhou versões em outros idiomas, sendo traduzido para o inglês em 1655 e lido na Alemanha onde, segundo alguns autores, influenciou o surgimento do Romantismo no final do século XVIII. Na Rússia a primeira tradução foi feita do francês no fim do século XIX.
Além da epopeia, Camões escreveu poesias líricas e sonetos, onde aborda temas filosóficos e amorosos os quais refletem, muitas vezes, sua percepção da fugacidade da vida. As peças de teatro “Auto de Filodemo” e “Auto dos Anfitriões” são, também, atribuídas ao poeta e foram exibidas no final do século XVI.
Apesar da escassez de fontes, a pesquisadora portuguesa Isabel Rio Novo, autora da recém-lançada “Fortuna, caso, tempo e sorte: Biografia de Luís Vaz de Camões” (Contraponto, 2024), conta que Camões teve várias experiências no campo militar na Índia e na África, tendo servido o Império português por 17 anos. Após sobreviver a um naufrágio no delta do Rio Mekong, no Sudeste Asiático, Camões embarcou para Moçambique em 1567, onde viveu em condições precárias. Embora de origem nobre e bem relacionado, precisava trabalhar para sobreviver e foi numa missão na África que perdeu um de seus olhos num acidente com arma de fogo.
Com a ajuda de amigos o grande poeta voltou a Portugal em 1570 e finalizou “Os Lusíadas”, o qual foi publicado em 1572. Tal publicação rendeu-lhe uma pensão vitalícia pelos serviços prestados à pátria, mas principalmente em virtude de a epopeia ter sido dedicada ao então rei Dom Sebastião.
Luiz Vaz de Camões conheceu boa parte do Império português, mas nunca visitou o Brasil. Entretanto, segundo o professor da UFRJ, Marco Lucchesi, a presença de Camões entre os bons escritores brasileiros como Machado de Assis e Manuel Bandeira já estava consolidada no séc. XIX.
Não resta dúvida de que a Literatura é uma das áreas das múltiplas Culturas das sociedades humanas capaz de partilhar a multiplicidade, a originalidade e a grandeza das criações do Homo Sapiens com todos os seus semelhantes, sem preconceitos e com beleza.
Regina Márcia é antropóloga, profa. universitária aposentada, escritora, conferencista, membro da ACL, do IHGGC e demais entidades culturais
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