Por Marco Antonio dos Santos e Sergio Razera
Diz o ditado que aprendemos com nossos erros. Porém, se observarmos atentamente a história da humanidade, notaremos que tal afirmação não é verdadeira. É fato que muitos de nossos avanços foram conquistados a partir da constatação de uma necessidade – e daí origina-se outro ditado, que afirma que a “necessidade faz as coisas acontecerem”. Porém, analisando a relação entre o homem e o meio ambiente, e, ainda, mais especificamente, a civilização moderna e os recursos hídricos/naturais, notaremos que, há vários séculos, estamos errando no que tange ao uso consciente e sustentável de nossos recursos.
As comemorações do Dia Mundial da Água sempre abrem espaço para reflexões e apresentação de dados, mas o que propomos discutir aqui é a falta de ações práticas em larga escala, as quais colocariam temas como “água”, “crise hídrica” e “meio ambiente” entre as pautas prioritárias da humanidade no século 21.
Acompanhamos de perto a estiagem de 2014 e os assustadores resultados causados por ela, sobretudo, no abastecimento de água e, consequentemente, no impacto no cotidiano da população e, também, das indústrias. Se repetida anualmente, tal crise hídrica certamente causaria o colapso nas cidades e empresas de nossas Bacias, abrindo espaço para o caos.
O ocorrido há dois anos e meio foi apenas um exemplo do que pode acometer nossa civilização caso não tomemos medidas urgentes – e aprendamos a lição. Em sua história, o homem viveu ao longo de séculos retirando da natureza o necessário para sua subsistência. A urbanização e o consequente desenvolvimento industrial desequilibraram essa relação, acelerando o extrativismo de recursos e transformando nossos bens naturais (entre eles, a água) em meras matérias-primas para o crescimento tecnológico.
Porém, o tempo encarregou-se de provar que, diferentemente do que se pensava, os recursos naturais não são inesgotáveis. A natureza trabalha em equilíbrio perfeito, e a existência humana é apenas parte desse ecossistema.
A devastação ambiental, já alarmada em diversos eventos internacionais, se expande. No sentido oposto da máxima de aprender com nossos erros, assistimos, preocupados, a grandes nações, como os EUA, virarem as costas para os tratados ambientais, ignorarem relatórios que afirmam alterações em nosso clima e queda nos níveis das principais bacias hidrográficas do mundo.
Urge que a humanidade aprenda, a partir do esforço individual, mas também do trabalho de organizações sérias e competentes, a reequilibrar sua relação com o meio ambiente e seus recursos. Não há tempo a perder, e os números comprovam isso. Tudo vale a pena – desde pequenas ações, como o uso consciente da água nas residências, até exemplos “macro”, como o investimento em tecnologias que permitam o reaproveitamento dos recursos hídricos em larga escala e a despoluição de nossos rios.
No Brasil, há ações bem-sucedidas que ilustram a preocupação em reverter esse alarmante quadro, como, por exemplo, a Ação Eco Cuencas, que abrange quatro países da América do Sul (Brasil, Peru, Colômbia e Equador) que analisa, avalia e sugere ações para sistemas de gestão dos recursos hídricos, objetivando, entre outros aspectos, assegurar o abastecimento hídrico ideal para o futuro através de mecanismos redistributivos, como cobrança pelo uso da água ou o pagamento pela proteção da cobertura vegetal que contribui para manter a oferta de água, em qualidade e quantidade, para a sociedade, criação dos Fundos de Água, entre outros. O projeto também prevê a análise, assimilação e adaptação de boas práticas usadas na Europa no âmbito de gestão de bacias para aplicação na América Latina e Caribe.
Trata-se, aqui, de aprender com o que está dando certo e colocar ações efetivas em prática. Nesses termos, a Agência das Bacias PCJ, como “braço executivo” dos Comitês PCJ, também vem trabalhando para fazer sua parte, através de financiamento de ações que envolvem, até o momento, investimentos da ordem de mais de R$ 500 milhões em mais de 610 programas que abrangem projetos para tratamento de esgoto, controle de perdas, reflorestamento, educação ambiental, e outras ações institucionais necessárias ao andamento do sistema integrado de gerenciamento de recursos hídricos.
Firmamos, ainda, convênios com entidades do exterior como o Office International de L´Eau, que por meio de um programa da Comissão Europeia (o WaterClima), tem repassado recursos para estudos, discussões e implementação de um projeto piloto nas Bacias PCJ, o qual aponta alternativas e propõe metodologias para planejamento e aporte de recursos para investimento em projetos que visam a mitigação de problemas relacionados às mudanças climáticas. Assinado em dezembro de 2014, a conclusão do projeto está prevista para dezembro de 2017 com vistas a apresentação de resultados no Fórum Mundial da Água, que será realizado em Brasília em março de 2018.
Mais recentemente, em 2016, através de apoio e parceria juntamente com os Comitês PCJ e Sanasa (Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento), demos um passo que ilustra como podemos usar tecnologia para salvar nossos recursos hídricos por meio da unidade-piloto de reúso de água em Campinas. O desafio de transformar o esgoto doméstico em água potável está, aos poucos, se tornando realidade no interior de São Paulo. O experimento, inédito no país, fica na EPAR (Estação Produtora de Água de Reuso) Capivari II.
Se, para nossos antepassados, o petróleo e outras fontes de energia foram objetos de desejo e foco para o crescimento econômico industrial, não receio em afirmar que, a partir deste século, será a água o recurso mais valioso – porém, neste caso, não estaremos falando em desenvolvimento, mas, sim, na sobrevivência de nosso planeta. Esta é a reflexão que julgamos mais urgente, entre todas as outras que eventualmente surgirão, em virtude do Dia Mundial da Água.
Marco Antonio dos Santos é Presidente em exercício dos Comitês PCJ
Sergio Razera é Diretor-presidente da Fundação Agência das Bacias PCJ