Foi uma verdadeira blitzkrieg, o termo alemão para “guerra-relâmpago”. Uma ação conjunta dos partidos que apoiam o governo alemão, na noite desta quinta-feira, 6 de novembro, garantiu a continuidade por mais cinco anos do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, apesar do empenho e dos protestos do Partido Os Verdes, que recebeu o apoio de A Esquerda. Os Verdes haviam entrado com moção no Bundestag, o parlamento alemão, pelo cancelamento do Acordo Nuclear de 1975. Assim, poucos dias depois de uma nova eleição presidencial no Brasil, permanece um dos grandes símbolos do regime militar.
Em menos de meia hora a coalizão formada pela União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler Angela Merkel, e Partido Social Democrata (SPD) votou e derrubou a moção de Os Verdes, que pedia o cancelamento do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. CDU e SPD se comprometeram, de qualquer forma, a analisar o texto do Acordo, visando eventuais reformas e atualizações.
No debate sobre a matéria, o cancelamento do Acordo foi defendido pelos deputados Sylvia Kotting-Uhl, de Os Verdes, e Hubertus Zdebel, de A Esquerda, alegando que a sua manutenção não tem sintonia com a nova política energética alemã, que prevê o fechamento das usinas nucleares no país.
Já a manutenção do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi defendida pelo deputado Andreas Lämmel, com o argumento de que o cancelamento colocaria em xeque a cooperação entre os dois países em outras áreas. As deputadas Nina Scheer e Hiltrud Lotze, do SPD, também votaram pela manutenção do Acordo, mas ressaltaram que é importante uma revisão do texto, assegurando que a tecnologia nuclear não seja utilizada com finalidade militar.
Moção – O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi firmado em 1975, com a validade de 15 anos, podendo ser prorrogado por mais cinco, se uma das partes não se manifestar com um ano de antecedência. Ele já foi prorrogado por cinco vezes e o Partido Os Verdes alemão tentava agora o seu cancelamento, um ano antes de poder ser novamente prorrogado.
No texto em que solicitava o cancelamento, o Partido Os Verdes alemão afirmava que a manutenção do Acordo não contribui com a segurança das usinas nucleares de Angra 1 e 2. Do mesmo modo, sustentava que o Brasil não tem ratificado o protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica.
O Partido Verde do Brasil também se pronunciou, em apoio à iniciativa dos Verdes alemães. ‘A bancada do Partido Verde no Congresso Nacional vem reiteradamente condenando o uso da energia nuclear, devido a seus riscos elevadíssimos para a saúde humana e do meio ambiente. Hoje, essa matriz energética é indesejável em termos socioambientais, éticos e políticos”, diz nota assinada pelos deputados José Luiz de França Penna e Sarney Filho, respectivamente presidente nacional e líder do PV.
O comunicado lembrava que, em abril de 2011, “a Bancada Verde entregou ao embaixador da Alemanha uma carta destinada ao seu governo, pedindo a suspensão das garantias para as obras da usina de Angra 3, diante da grande insegurança nuclear do empreendimento. No ano passado, o Partido fez um apelo, por meio da embaixada no Brasil, para que o acordo não fosse renovado. Em março de 2014, entregamos ao Presidente do Senado Federal uma moção de repúdio ao acordo e lançamos um manifesto à sociedade alemã contra a renovação”, destacam os líderes do PV brasileiro.
A nota acrescentava informando que a Bancada do Partido Verde estaria encaminhando ofícios à Primeira Ministra Angela Merkel e ao Presidente da Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), Norbert Lammert, “pronunciando-se, assim, oficialmente pelo fim do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha”.
Acordo polêmico – O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi firmado em 1975, no governo do general Ernesto Geisel. A primeira usina nuclear brasileira, Angra 1, não integrou o Acordo – foi construída pela norteamericana Westinghouse. Angra 1 foi adquirida em 1969, época da ditadura militar e do “milagre brasileiro”.
O Acordo gerou muita controvérsia em escala internacional. Havia a desconfiança de que o Brasil poderia estar aspirando ao seleto clube dos fabricantes de armas atômicas. O Acordo virou tema de campanha presidencial nos Estados Unidos, envolvendo o presidente Gerald Ford e o candidato democrata, que seria eleito, Jimmy Carter, que prometeu lutar contra sua concretização. Mas o Acordo acabou sendo fechado, com a previsão de construção de oito usinas até 1990, incluindo a prospecção, exploração e comercialização de urânio (20% seriam destinados à Alemanha).
Entre outros itens, o Acordo previa o fornecimento de uma usina de enriquecimento de urânio pelo Centro de Pesquisas Nucleares de Karlsruhe (GFK). Muitas cláusulas do Acordo Brasil-Alemanha permaneceriam secretas, mas apesar de todo investimento foi concluída apenas uma das oito usinas previstas, a de Angra 2, que entrou em operação experimental somente a 21 de julho de 2000, dez anos depois de concluído o prazo que havia sido estipulado para a construção de oito plantas nucleares. E o custo foi muito maior do que o previsto: cerca de R$ 10 bilhões, R$ 7 bilhões dos quais em juros.
Enquanto isso a Marinha começava a desenvolver o Programa Nuclear Paralelo. E também era iniciada a construção de Angra 3, ainda em curso.
Em novembro de 2004 o governo alemão encaminhou proposta ao governo brasileiro de substituir o Acordo de 1975 por outro, relativo ao estímulo a energias renováveis e conservação energética. O governo de Luis Inácio Lula da Silva na época anunciou apoio à proposta alemã, mas na prática a alteração não aconteceu. Esta é a íntegra da nota oficial do governo alemão, datada de 5 de novembro de 2004:
“1.O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha se tornou obsoleto há muitos anos. Por outro lado foi desenvolvida uma perspectiva de cooperação mais profunda em outras áreas no setor de energia. 2. A Alemanha propõe com insistência a substituição do Acordo de 1975 por um acordo de cooperação na área de energia (considerando especialmente energias renováveis) e propõe que as negociações para este novo acordo sejam iniciadas imediatamente. Nesse contexto, deverão ser consideradas as competências de ambos os parceiros, por exemplo nas áreas de redução de consumo de energia, eficiência energética e redução de emissões. 3. A evolução deste Acordo para uma cooperação bilateral na área de energia tem por objetivo contribuir para aprofundar a parceria estratégica entre ambos os países. O Brasil é um parceiro muito importante para a Alemanha, especialmente na área de energia. A Alemanha se compromete, junto com o Brasil, a promover internacionalmente políticas energéticas sustentáveis”.
A oportunidade histórica para o cancelamento do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, um dos símbolos do regime militar, estava dada. A sua substituição por outra forma de cooperação ainda depende dos dois governos e suas sociedades. (Por José Pedro Martins)