Quentão, paçoca, pipoca e compromisso com a humanidade. O Arraiá do Corsini, que terá sua primeira edição neste sábado, dia 24 de junho, na Fazenda das Cabras, no distrito de Joaquim Egídio, promoverá inovações nas Festas Juninas em Campinas. Entre 15 e 22 horas, a fazenda histórica, herdeira do Ciclo do Café, será o palco das tradicionais quadrilhas e de comercialização dos quitutes da época, mas também de um leilão de parede de obras de arte, apresentações musicais e outras atividades. Tudo em um ambiente desenhado por arquitetos, decoradores e outros profissionais reunidos há três anos no Corsini Solidário. A iniciativa marca a mobilização da sociedade civil pela manutenção de uma das obras sociais que mais simbolizam a vocação solidária da cidade e que está profundamente ameaçada pela crise econômica e política no país.
Com três décadas de atuação, o Centro Corsini é, de fato, uma das entidades que sintetizam a capacidade histórica de Campinas em dar resposta, de forma inovadora, a grandes desafios contemporâneos (ver abaixo). Há cerca de dois anos, a organização que lidava na prevenção e tratamento de vítimas de HIV-AIDS mudou a sua missão, mas manteve o DNA de espaço nobre de defesa da cidadania e cuidado com os mais vulneráveis. Justamente neste período, cresceu e se consolidou a atuação do Corsini Solidário. É um grupo de arquitetos, decoradores e artistas plásticos que se uniram para promover eventos que contribuíssem com a manutenção da obra social, agora um abrigo de alta complexidade, onde permanecem crianças vítimas de diferentes síndromes, de abandono e várias modalidades de violência. As crianças, portanto, mais desamparadas e excluídas do convívio social.
Através do corpo de voluntários do Corsini Solidário já foram promovidos três eventos de Cassoulet, na Fazenda Cachoeirinha. Agora o grupo assumiu o projeto de realizar a primeira edição do Arraiá do Corsini, na Fazenda das Cabras. E tudo vem sendo feito em alto estilo. Serão mais de 25 barracas, uma para cada componente de uma típica Festa Junina, mas também para receber atividades inovadoras como um leilão de obras de arte (pinturas e fotografias) que movimentou toda a classe artística de Campinas e região, sob a coordenação de Lucia Freitas.
O presidente do Corsini, Luis Roberto Antunes, observa que são vários patrocinadores envolvidos e contatados pelo grupo de mais de 60 voluntários. “A intenção é que não haja gastos com nenhum item, para que toda a renda seja destinada ao Corsini”, afirma Antunes, ele mesmo um exemplo de engajamento voluntário para a continuidade da obra social por muitos anos liderada pela médica Silvia Bellucci, falecida de câncer em 2012.
Os convites para participação na grande festa custam R$ 50,00 e estão à venda antecipadamente em quatro locais: no próprio Corsini (fone 2101.0101), no escritório de Lucia Freitas Casa e Design (3252.5484), na Artefacto (3397.3200) e na Forma Final (3325.7350). Vários restaurantes se engajaram na causa, doando alimentos, assim como fabricantes de bebidas e frigoríficos. Empresas do ramo publicitário e de impressão também se envolveram, para a confecção de material de divulgação e sinalização nas vias de acesso à Fazenda das Cabras.
Um enorme esforço, portanto, para que o primeiro Arraiá do Corsini seja inesquecível. Um evento para renovar em alto padrão a vocação solidária de Campinas, em uma era de individualismo e propagação de valores que contrariam o sentido da comunidade humana. Um sinal de esperança em tempos conturbados. (Por José Pedro Martins)
CENTRO CORSINI É CORAÇÃO ABERTO E CIDADANIA PULSANTE
O Centro Corsini tem escrito uma das mais belas páginas da história de vocação solidária em Campinas. Sua gênese está no grupo de médicos e outros profissionais que se mobilizaram de forma pioneira, na órbita da Unicamp, para compreender e dar respostas ao grande enigma que a emergência da AIDS significou nos anos 1980.
No princípio houve muito preconceito e incompreensão, mas logo este perfil mudou, pela ação de um grupo liderado pelo médico Antônio Carlos Corsini, professor nos Departamentos de Microbiologia e Imunologia da Universidade. A equipe se encarregou de difundir informações precisas sobre a doença e de estimular novos procedimentos sociais em relação aos portadores do vírus HIV.
Em setembro de 1982, Corsini participava de um curso de Imunologia em Lausanne, Suíça, quando contraiu uma grave doença. Retornou ao Brasil em janeiro de 1982 e, mesmo doente, continuou se dedicando aos trabalhos com a AIDS. Ele faleceria em 29 de janeiro de 1984. Três anos depois, a 20 de janeiro de 1987, um grupo de estudiosos que haviam sido orientados pelo professor da Unicamp fundou o Centro de Controle e Investigação Imunológica “Dr.Antônio Carlos Corsini”, em homenagem ao pioneiro da compreensão da AIDS em Campinas.
Como acontecia com outras instituições pioneiras na área da saúde na cidade, o Centro Corsini também alcançaria o status de referência internacional na área de AIDS. Sob a direção da médica Sílvia Bellucci, o Corsini passaria a prestar completo atendimento a portadores do HIV, no âmbito da infectologia, imunologia, psiquiatria e tratamento dentário. A instituição se dedicaria, do mesmo modo, a promover várias campanhas de esclarecimento sobre a doença, em termos da prevenção e do combate aos preconceitos, inclusive com a estruturação de um DISK-AIDS.
Em julho de 1996, o Centro Corsini apresentou cinco de seus trabalhos na 11a Conferência Internacional de AIDS, realizada no Canadá. Era a confirmação do reconhecimento internacional ao esforço da organização de Campinas. Entre os projetos apresentados estava o de treinamento de dentistas para o tratamento de aidéticos e o Colmeia, de prevenção da AIDS junto a mulheres pobres da periferia de Campinas.
O Colmeia alcançou projeção nacional e internacional, entre outros motivos porque demonstrou sua eficácia em um momento de radicais transformações no perfil da contaminação com o vírus HIV. Quando o Colmeia foi iniciado, em 1992, a contaminação de mulheres com o vírus ainda não era alarmante. Em 1991, para cada 15 homens infectados havia um caso de mulher identificada com o vírus. Nos anos seguintes a proporção foi caindo e, em 2000, já havia um caso de mulher contaminada para cada dois casos no sexo masculino, dado que acentuava a vulnerabilidade cada vez maior entre o sexo feminino e a importância de iniciativas como o Projeto Colmeia.
As projeções do Corsini são de que mais de 100 mil pessoas foram beneficiadas com as ações multiplicadoras de esclarecimento sobre DST-AIDS proporcionadas pelo Colmeia em seus primeiros 10 anos de atuação. Além das mulheres, integrantes em número crescente dos chamados grupos de risco, o Centro Corsini passou a se dedicar às crianças vítimas da AIDS. Em 1994 foi inaugurada a Unidade de Apoio Infantil (UAI) da instituição, que também deflagraria, no final de 1997, um amplo trabalho dedicado a atender os órfãos da AIDS em Campinas. Na época, estimativas do Projeto Mundial para Órfãos, financiado pela Fundação John Snow, vinculada à Universidade de Harvard, indicaram a existência em Campinas de pelo menos três mil crianças órfãs da AIDS.
A proliferação da AIDS continuaria, então, deixando um rastro de dor em Campinas nos anos 80 e 90, mas organizações como o Centro Corsini representaram sem dúvida uma sólida esperança para os portadores do HIV. A entidade também passou a promover o Corsini Itinerante, mobilizando diversos recursos sociais, em várias regiões de Campinas, em eventos constando de testes gratuitos de AIDS, distribuição de preservativos e palestras.
Em janeiro de 2002, mais precisamente no dia 19, a presidente do Corsini, Silvia Bellucci, anunciou o início das obras das instalações próprias da Unidade de Apoio Infantil (UAI), destinada a receber crianças e adolescentes, dos dois sexos, portadoras do vírus HIV. O novo espaço seria construído em uma área no Parque Taquaral de 3,2 mil metros quadrados, cedida pelo Rotary Club de Campinas Leste e Prefeitura Municipal. Com a estrutura própria o número de vagas na UAI, que funcionava em prédio alugado no parque São Quirino, ampliaria de 14 para 48. Os estudos iniciais do projeto tiveram a participação do arquiteto Antonio da Costa Santos, o prefeito de Campinas assassinado a 10 de setembro de 2001. Em homenagem a Santos a rua de acesso às casas da nova UAI receberia o nome de Rua da Pipa, o símbolo da campanha eleitoral do ex-prefeito.
Silvia Bellucci morreu de câncer, no dia 30 de dezembro de 2012. Um grupo de voluntários assumiu a tarefa de dar continuidade à obra social, com o próprio cirurgião dentista Luis Antunes, sucessor da médica na presidência. “Temos consciência de que é uma fase de transição, para que depois outras pessoas assumam a direção, mas é parte de nossa obrigação de cidadão”, afirma Antunes, no consultório de onde nos últimos dias participou ativamente, pelo whatsapp ou telefone, dos preparativos para o Arraiá do Corsini.
Antunes lembra que há dois anos, por vários fatores conjunturais, o Corsini mudou sua missão. Agora a entidade é um abrigo que presta serviços de proteção de alta complexidade. Em atendimento à legislação em vigor, o abrigo tem a capacidade máxima de receber 20 crianças, vítimas das mais diferentes síndromes, de violência doméstica e de abandono. Os encaminhamentos passam pelo Juizado da Infância e Juventude. São mais de 50 profissionais e mais de 30 voluntários, para que o abrigo possa prestar, de modo multidisciplinar, a melhor assistência possível em termos médicos, ambulatoriais e psicológicos.
Com o seu perfil, o abrigo do Corsini, que manteve o nome UAI (Unidade de Atendimento Infantil), é único no gênero na Região Metropolitana de Campinas. Os custos de manutenção são muito altos e, segundo o presidente Luis Antunes, as receitas vêm caindo muito, como consequência direta da crise econômica e política em curso. Mais da metade das contribuições individuais foi cortada e grande parte da receita vinda de contribuição empresarial também declinou.
Daí a importância de grandes eventos, como o Cassoulet e, agora, o Arraiá do Corsini, para compor as receitas que, ainda assim, permanecerão instáveis. Segundo o presidente Antunes, a sustentabilidade da instituição ainda está distante e depende de muita mobilização social e de recursos mais robustos e consolidados do poder público.
A missão mudou, mas a assinatura genética, de que o Corsini “nasceu para cuidar das pessoas”, permanece. Um território que guarda com carinho a esperança na humanidade, mas que continua demandando um olhar muito cuidadoso da cidade e região . (Por José Pedro Martins)