Por José Pedro Martins
No início da década de 1990, quando a sociedade brasileira ainda respirava a euforia da redemocratização e da Constituição Cidadã de 1988, Campinas teve o primeiro Ponto de Cultura do país, estruturado em espaço da Subprefeitura do Distrito de Joaquim Egídio. Entre 1 e 4 de julho de 2017, quando o Brasil passa por uma das mais sérias crises políticas de sua história, com o presidente da República denunciado pela Procuradoria Geral por corrupção passiva, Campinas volta a ser o território livre de reflexão sobre o futuro dos Pontos de Cultura em todo continente, com a realização do Encontro Cultura Viva nas Cidades da América Latina. A extensa e intensa programação do Encontro terá atividades em vários Pontos de Cultura e outros espaços em Campinas.
Convidados de vários países e de mais de 40 cidades brasileiras participarão do Encontro, que terá o propósito de impulsionar uma rede municipalista pela Cultura Viva no Brasil e em toda América Latina. A proposta é de construção, ou no caso brasileiro de reconstrução, dos Pontos de Cultura a partir dos municípios, considerando que o Ministério da Cultura (Minc), por exemplo, está em avançado processo de desgaste e decomposição, depois de ter sido até extinto e recriado pelo governo Temer. A criação da rede está prevista para a terça-feira, dia 4 de julho, com a aprovação da Carta de Compromisso de Campinas, na Sala Toninhos da Estação Cultura, a partir das 14 horas.
Entre os participantes, estarão o comunicador popular argentino Eduardo Balán, fundador do Movimento “Pueblo Hace Cultura” e da Plataforma Puente Cultura Viva Comunitária; da ensaísta, ativista e educadora Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e ex-Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura; Milagros Lorier, da Red de Cultura Viva Comunitária Uruguay; e Jairo Castrillón, um dos formuladores da Lei e da Política de Cultura Viva Comunitária de Medellín, na Colômbia, cidade e país que se tornaram referência no tema. A Casa de Cultura Tainã, de Campinas, por sua vez, e que mantém projetos de agricultura orgânica a software livre, é sempre citada como um Ponto de Cultura exemplar em gestão compartilhada para todo o continente.
O Encontro em Campinas, de acordo com a proposta de uma construção colaborativa típica do movimento Cultura Viva, é uma realização do Ponto de Cultura NINA e Laboratório de Políticas Culturais, em parceria com Pontos de Cultura Crispim Menino Levado, Caminhos, Urucungos, Areté, Rede Usina Geradora, Comunidade Jongo Dito Ribeiro, Ibaô e Casa de Cultura Tainã, Coletivo de Salvaguarda da Capoeira de Campinas, Banzé Cultural, Coletivo Socializando Saberes, Laboratório de Produção Cultural da Estação Cultura e Laboratório do Bem Viver. Parceria também com a Agência de Notícias das Favelas (ANF), com apoio do Programa IberCultura Viva, da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Tem o apoio do Edital de Redes IberCultura Viva.
O resgate é mais do que necessário e urgente. Durante os oito anos do governo de Luis Inácio Lula da Silva, e principalmente na época em que Gilberto Gil esteve à frente do Minc, o Brasil chegou a ter mais de 3.500 Pontos de Cultura, com incidência em mais de 8 milhões de pessoas e abrangendo orquestras de violinos na favela da Mangueira, no Rio de Janeiro, a quilombolas e povos indígenas do Xingu. “Cultura é fluxo e fluxo é vida”, este era o lema da rede de Cultura Viva montada a partir dos Pontos de Cultura, sob a coordenação do mesmo Célio Turino que deixou sua assinatura no Ponto original de Joaquim Egídio em Campinas.
Os Pontos de Cultura começaram a ser esvaziados no governo de Dilma Rousseff e a política da Cultura Viva foi completamente abandonada no governo Temer. Agora, no cenário de incertezas e perplexidades, o Encontro de Campinas pretende ser um ponto de inflexão, pela recuperação do vigor dos Pontos de Cultura e da rede da Cultura Viva, em uma perspectiva cada vez mais municipalista.
Campinas também foi a escolhida para sediar o evento, por ser pioneira na criação de uma lei municipal da Cultura Viva, em atendimento à lei nacional. Falta, entretanto, a regulamentação da lei municipal, que prevê entre outros itens o estabelecimento de termos de compromisso cultural e um cadastro dos Pontos de Cultura.
Após o Encontro em Campinas, grande parte dos participantes também estará no Encontro Latino-Americano de Comunicação Comunitária, no Rio de Janeiro, até o dia 9 de julho. Os dois eventos são preparatórios ao III Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária, a ser realizado no Equador, de 20 a 26 de novembro de 2017.
“Pretendemos mostrar como os Pontos de Cultura são importantes para a melhoria das comunidades em termos de educação, saúde, meio ambiente”, observa Marcelo das Histórias, do Coletivo NINA, um dos organizadores do Encontro em Campinas. “Os Pontos de Cultura são uma tecnologia social de gestão compartilhada que nasceu a partir de Campinas e acreditamos que o Encontro será decisivo para a evolução de uma rede latino-americana com perspectiva municipalista”, diz Marcelo, que se diz muito otimista com a regulamentação da lei municipal da Cultura Viva, consagrando a assinatura de Campinas na história do movimento.
Programação completa do Encontro Cultura Viva nas Cidades da América Latina:
01/07- Sábado
9h – Chegança – Percurso Cultura Viva Pisa na Tradição – Local: Casa de Cultura Fazenda Roseira – Endereço: Rua Domingos Haddad, 1 – Residencial Parque da Fazenda – Os participantes irão vivenciar uma troca de saberes com a Comunidade Jongo Dito Ribeiro que faz a gestão compartilhada da Casa de Cultura Fazenda Roseira com a Prefeitura de Campinas, em torno da identidade negra a partir da cultura de matriz africana e do jongo para realização de ações e políticas públicas de fortalecimento da ancestralidade na formação política e cultural da comunidade negra por meio fazeres e saberes na cidade (* as mulheres devem ir de saia para jongar)
11h: Roda de Encontros no Encontro: (Foto de pessoas cultura viva se conhecendo) – Local: Casa de Cultura Fazenda Roseira – Cada participante irá contar sua origem, sua trajetória, sua atuação nos campos da Cultura Viva Comunitária em suas cidades e o que vem ofertar para a construção desse Encontro e seus desdobramentos.
12h – Almoço Cultural da Comunidade Jongo Dito Ribeiro – Local: Casa de Cultura Fazenda Roseira – Será servido o almoço feito pela própria comunidade que está recebendo a atividade e colaborando com a produção colaborativa do encontro. Assim, cada participante irá colaborar com R$15,00 por pessoa para garantir a alimentação de todas as pessoas.
14h – Percurso Cultura Viva no Ponto De Cultura e Memória Ibaô – Local: Ponto de Cultura Ibaô – Endereço: Rua Ema, 170 – Vila Bela (Vila Padre Manoel da Nóbrega)
Uma vivência com Mestre David com Afoxé Ibaô Inã ati Omi, fundado em 2009 e tem como patronos os Orixás Xangô e Oxum. Nasceu sob os cuidados espirituais de Mãe Iberecy e os integrantes são da Casa de Axé, aberto a todas as pessoas que desejam vivenciar a tradição de origem Nagô – que representa: o Poder da Palavra, a Paz e a resistência cultural dos afroascendentes de diversos povos africanos, constituídos sob o “AXÉ” em terras brasileiras.
16h: Atos da Memória Viva – O sentido da memória é a transformação do presente – Local: Casa de Cultura Tainã – Endereço: Rua Inhambu, 645 – Vila Bela (Vila Padre Manoel de Nóbrega) – Uma vivência teatral com o Grupo Comunitário Teatro Fora dos Trilhos da Rede e Ponto de Cultura Usina Geradora, que apresentará narrativas sobre a fundação da cidade de Campinas por meio de encenações, brincadeiras, danças e músicas que refletem problematizam fragmentos do passado e também reflexões sobre as disputas do presente.
17h: Roda Temática – Sementes, Tradição e (R)Existência da Cultura Viva – Local: Casa de Cultura Tainã – Em Campinas, surgem as experiências seminais dos Pontos de Cultura no Brasil, que inspiraram e floresceram em outros países. Retornando ao ponto de partida, essa roda de conversa põe em perspectiva a cosmovisão afro brasileira a as conexões a partir de cada país representado atualidade e o futuro da Cultura Viva na América Latina.-
19h: Jantar Cultural – Local: Casa de Cultura Tainã – Será servido o jantar feito pela própria comunidade que está recebendo a atividade e colaborando com a produção colaborativa do encontro. Assim cada participante irá colaborar com R$15,00 por pessoa para garantir a alimentação de todas as pessoas.
Percurso Cultura Viva na Casa de Cultura Tainã
Exibição de documentário sobre os 25 Anos da Casa de Cultura Tainã e apresentação da Rede Mocambos.
20h: Roda de Tambores África para as Américas – Local: Casa de Cultura Tainã
Vivência e diálogos com tambores seus toques e origens. Da África para as Américas e os países da América Latina.
02/07 – Domingo
Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 – Vila Industrial
10h: Roda de Conversa: Cultura Viva Comunitária: histórico, identidades e atualidade – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 – Vila Industrial – O que é Cultura? Porque Viva? Porque Comunitária? Uma análise das palavras geradoras que configuram este conceito e um percurso histórico sobre como o Programa Cultura Viva surgido no Brasil inspirou e animou a América Latina.
13h: Almoço Cultural – Local: Ponto de Cultura Caminhos – Endereço: Rua João Alves 228 – Jardim Adelaide – Hortolândia – Almoço feito pela própria comunidade que está recebendo a atividade e colaborando com a produção colaborativa do encontro. Assim cada participante irá colaborar com R$15,00 por pessoa para garantir a alimentação de todas as pessoas.
14h: Percurso Cultura Viva No Ponto de Caminhos: protagonismo e empreendedorismo das mulheres negras – Local: Ponto de Cultura Caminhos – Vivência no terreiro Ylê Asé Omo Oyá Bagan Odé Ibôo e seus projetos culturais e de empreendedorismo social: grupo de dança afro Oju Oba, griffe de roupas afro Criolê, Bloco de Afoxé Oya Obirin Ode, Projeto Tabuleiro Ancestrale e Flor de Dendê
16h: Roda de Conversa: Ancestralidade, Direitos Culturais e Economia Viva – Local: Ponto de Cultura Caminhos – A Cultura Viva articula a memória ancestral e a inovação tecnológica e social na produção de modos de vida solidários e equilibrados. Esta roda põe em jogo as contribuições dos processos vivos de formação cultural para a descolonização da economia, da educação e dos direitos culturais em suas diferentes instâncias.
19h: Jantar Cultural – Local: Ponto de Cultura Caminhos – Será servido o jantar feito pela própria comunidade que está recebendo a atividade e colaborando com a produção colaborativa do encontro. Assim cada participante irá colaborar com R$15,00 por pessoa para garantir a alimentação de todas as pessoas.
03/07, segunda-feira -
Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura
8h30: Sessão audiovisual – apresentação de curtas metragens da Rede Cultura Viva Comunitária
10h: Roda de Conversa: Cultura Viva entre Institucionalidade e Sociedade: desafios e impasses da gestão compartilhada – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Milagros Lorier (Uruguai), Mário Rodriguez (Bolívia), Pedro Vasconcellos (Brasil). Políticas públicas e a construção de redes e movimentos na sociedade: Estado-Rede, autonomia, desafios de uma construção na intersecção entre governo e sociedade.
12h: Almoço Cultural – Local: Adega Flor de Lis – Endereço: Rua Antonio Manuel 84 – Vila Industrial – Será servido o almoço feito por um parceiro do Ponto de Cultura NINA que está colaborando com a produção do encontro. Assim, cada participante irá colaborar com R$15,00 por pessoa para garantir a alimentação de todas as pessoas.
13h: Roda de Conversa: as pessoas em primeiro lugar na Cultura Organizacional: com Daniela Monteiro e convidados – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Para compreender a inter-relação da Tríade Cultura organizacional, Processos e Pessoas, e seu papel no conjunto das instituições da América Latina e como estas influenciam na Sociedade do Conhecimento.
13h: Oficina da Tiririca de Campinas – Local: Sala da Salvaguarda da Capoeira de Campinas – Estação Cultura – A Tiririca é conhecida como a capoeira paulista, manifestação que vem das ruas, onde os negros se encontravam e batucavam em caixa de engraxate, lata de graxa com escova de dentes. Cantando samba jogavam a tiririca: era pernada daqui, era pernada de lá.
15h: Roda de Conversa: Cultura Viva Comunitária, uma narrativa latino – americana: com Eduardo Balán (Argentina), Mario Rodriguez (Bolivia), Nelson Ullauri (Equador), Celio Turino (Brasil) – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – A trajetória deste “fantasma vestido de palhaço” que percorre a América Latina: a Cultura Viva Comunitária e sua trajetória em diferentes cidades, países, governos, movimentos, fóruns e organismos internacionais.
17h30: Concentração e Cortejo Batidas e Pontos – Local: Câmara Municipal de Campinas – Endereço: Avenida da Saudade, 1004 – Ponte Preta – Manifestação dos Pontos de Cultura, artistas, articuladores, grupos culturais e artísticos de Campinas e região, que ritualizarão o início do debate na “Casa do Povo”, também conhecida como Câmara de Vereadores.
19h: Debate público: A transformação criativa das cidades pela Cultura Viva – Local: Câmara Municipal de Campinas – Endereço: Avenida da Saudade, 1004 – Ponte Preta – Célio Turino, Ivana Bentes, Gustavo Petta, Jairo Castrillon, Cida Falabella, Renato Almada. Mestre Marquinhos Simplicio, Alessandra Ribeiro – Mediação: Gustavo Petta e Alexandre Santini – Experiências locais e bem sucedidas de Cultura Viva e Pontos de Cultura nas cidades do Brasil e da América Latina.
04/07, Terça Feira
10h: – Por uma Rede Latinoamericana de Universidades pela Cultura Viva Comunitária – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 – Vila Industrial
13h: Almoço Cultural
14h: Tecendo Redes e Sistematização da Carta de Compromissos de Campinas – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura
17h: Intervalo – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 – Vila Industrial
18h: Roda celebrativa de encerramento – Local: Sala dos Toninhos – Estação Cultura – Endereço: Rua Francisco Teodoro, 1050 – Vila Industrial