Por José Pedro Martins
A Copa do Mundo de 2014 ratificou o poder cultural do futebol, que tem a capacidade de expor todo o brilho, o potencial, a criatividade do Brasil, assim como todas as suas mazelas, as suas injustiças e iniquidades. Se o chamado legado da Copa será muito menor do que o prometido inicialmente, se a palavra corrupção não poderá ser erradicada do vocabulário da competição, se muitos direitos de cidadania e preceitos legais foram desconsiderados na preparação e durante o evento, por outro lado o torneio não foi, nem de longe, sob vários aspectos, o caos que muitos setores pintaram, parte da imprensa entre eles. Sim, o Brasil pode promover um grande evento, sim, o futebol tem o potencial de fomentar o turismo, ao mesmo tempo que, sim, temos muitos outros campos onde o país precisa ser campeão com mais urgência. O pontapé inicial, por Juliano Pinto, que “vestia” o exoesqueleto BRA-Santos Dumont, projetado pelo neurocientista Miguel Nicolelis, foi a senha: sim, o Brasil pode fazer e ser muito mais do que nos gramados de futebol.
Campinas tem sido, neste contexto, emblemática. A cidade não recebeu nenhum jogo da Copa, mas tem sido um espaço privilegiado para observar e reiterar a importância cultural do futebol para o povo brasileiro. As duas seleções que Campinas hospedou, as de Portugal e da Nigéria, simbolizam as próprias raízes culturais nacionais. E foi com muito orgulho e carinho que o campineiro recebeu os irmãos lusitanos e africanos. Os treinos abertos, sobretudo os de Portugal, foram acompanhados por milhares. A comunidade portuguesa na cidade se mobilizou e realizou várias ações, que ajudaram a fortalecer laços históricos. A presença da seleção nigeriana, por sua vez, motivou muitas atividades no âmbito da cultura afro-brasileira, como as sediadas na Fazenda Roseira.
A participação de Campinas na Copa rendeu outro fruto importante: o hotel The Royal Palm Plaza, que abrigou Cristiano Ronaldo e companheiros, foi o palco de um fórum de sustentabilidade, no qual foi anunciado um acordo entre a Universidade de Aveiro, a Prefeitura de Campinas, a PUC-Campinas e o IAB-Campinas, visando uma possível cooperação pela requalificação do centro da cidade. Um gol de placa, se os propósitos do acordo forem de fato concretizados.
A relevância cultural do futebol tem sido ressaltada em vários espaços, em diversas latitudes de Campinas. Um dos espaços de maior concentração popular, durante os jogos do Brasil, tem sido a Estação Cultura “Antônio da Costa Santos”, estruturada na estação central da Companhia Paulista de Ferrovias. A plataforma de embarque e desembarque, ponto de encontro de tanta gente durante mais de um século, tornado local de reafirmação da identidade, de festa, de celebração da vida.
O futebol, a Copa, têm contribuído para a própria ressignificação do território urbano campineiro. Quatro esculturas gigantes, representando bolas e chuteiras, foram colocadas em pontos de grande importância simbólica, onde foram pintadas por uma equipe com a curadoria de Iracema Salgado e coordenada por Paulo Cheida Sans, professor do Curso de Artes Visuais da PUC-Campinas e curador do Museu Olho Latino.
Uma chuteira foi plantada no gramado do Museu de Arte Contemporânea de Campinas e da Biblioteca Municipal, a outra, no Balão do Castelo, marco arquitetônico do sistema de abastecimento de água, que aliás passa por momentos críticos em toda região. Uma bola ficou em exposição na frente do Centro de Convivência Cultural, no Cambuí, a outra, na avenida Ayrton Senna, entre os estádios da Ponte Preta e do Guarani, dois ícones locais. A equipe coordenada por Paulo Cheida Sans foi composta por Alex Costa, Diogo Cristo Coró, Gabriel Neftali , Fabiano Carriero, Jediel Oliveira, Larissa Leite, Leonardo Camargo, Matheus Reis e Tiago Rego. As obras foram viabilizadas pela parceria entre governo de São Paulo e Secretaria Municipal de Cultura e Departamento de Turismo, dentro do projeto SP Parade.
O futebol-arte, que fez a marca do futebol brasileiro, não tem sido visto nos gramados durante a Copa de 2014 da FIFA. Mas, em Campinas como em todo país, o futebol tem colaborado para ressaltar equipamentos e tradições culturais. Com todas as distorções e deformações, o futebol continua tocando o coração da cultura brasileira.