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Célio Turino fala sobre Marina Silva e a “velha política”, Campinas e a Cultura Viva “na encruzilhada”
Célio Turino, no MIS-Campinas: a consciência do significado do convite do papa Francisco (fotos José Pedro Martins)

Célio Turino fala sobre Marina Silva e a “velha política”, Campinas e a Cultura Viva “na encruzilhada”

Célio Turino parte nesta semana para mais uma viagem internacional, para Córdoba, na Argentina, onde estará lançando o seu livro “Puntos de Cultura – Cultura viva en movimiento” em espanhol. Ele está cada vez mais animado com a projeção na América Latina do conceito de Cultura Viva, que ele ajudou a consolidar quando, no Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil, foi o pilar de sustentação do projeto que levou à criação de uma rede nacional de Pontos de Cultura, “de comunidades indígenas a quilombolas e cinemas na rua”. Ascenção lá fora, encruzilhada aqui dentro, no país onde a Cultura Viva nasceu, lamenta Turino, que depois de deixar o Ministério ajudou Marina Silva a articular a Rede, de onde desembarcou quando a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente acabou “também se envolvendo no emaranhado da velha política” ao decidir apoiar a candidatura de Aécio Neves (PSDB) no segundo turno da campanha eleitoral.

Pessoas, é disso que se trata, e esse é o foco do Cultura Viva, um dos mais importantes, se não for o mais relevante, projetos nessa área nas últimas décadas no Brasil e que teve Célio como o grande maestro, o realizador, o principal motor. A rede de Pontos de Cultura, que chegou a 3.500 por todo país, e atingiu mais de 8 milhões de pessoas. Mobilizou afetos, despertou esperanças, gerou inquietação.

E essa história de sucesso começa em Campinas, como mais um exemplo do potencial da cidade que, no entanto, vive há anos momentos tristes. Mas Célio ainda acredita em mudanças, pelo que os Pontos de Cultura mostraram e continuam fazendo, pelo movimento gigantesco de Junho de 2013, pela irradiação que a Cultura Viva alcançou em outros países. Uma Campinas viva, latejando de desejos, neste encontro em cinco atos com Célio Turino.

PRIMEIRO ATO – DAS OFICINAS DA IMA À SECRETARIA DE CULTURA

Célio entra para a Prefeitura de Campinas, em 1977, contratado por José Roberto Magalhães Teixeira, o Grama, vice-prefeito e na época secretário municipal de Cultura. Na Prefeitura, entrou como gráfico e, nessa condição, com os equipamentos que existiam na Informática de Municípios Associados – IMA, recebeu de Grama a tarefa de imprimir um folheto com a programação da Cultura na cidade. Este folheto foi um portal, rito de passagem, para um novo mundo.

O jovem Turino se encantou e procurou saber mais, aprender, sobre o que estava sendo impresso. Em 1979 entrou no curso de História da Unicamp, onde, claro, aumentou a sua inquietação.

A cidade era outra, os espaços de convivência estavam em aberto, sessões de cinema às dez da noite nas diversas salas que ainda funcionavam a todo vapor no centro, os bares, as praças e ruas. “Dá tristeza ver agora o centro praticamente sem viva alma às nove da noite, dá uma agonia”, compara.

Formado no início da década de 1980, visão crítica do mundo aguçada e em amadurecimento, a participação em vários movimentos e manifestações no contexto da redemocratização do país, inclusive em greves na prefeitura na gestão de quem o contratou, Grama. Depois de atuar no PC do B, foi natural o ingresso no PT, caminho de muitos de sua geração.

Em 1988, o líder petroleiro Jacó Bittar disputava a Prefeitura pelo Partido dos Trabalhadores. Aparecia com dois, três por centro das intenções de voto. O favorito disparado era Vanderlei Simionato, vice de Grama. Com as técnicas que aprendeu como gráfico, Célio fez uma proposta que acabou ajudando a mudar o rumo das coisas.

Ele sugeriu que os membros do PT, inclusive Bittar, passassem a confeccionar as camisetas e outros materiais de campanha, na frente da Catedral, a poucos metros do reluzente comitê de Simionato no prédio do antigo hotel Terminus, na avenida Francisco Glicério. Ficou notória a diferença de recursos materiais entre uma e outra campanha, algo como o conhecido lema “tostão contra o milhão”.

O efeito simbólico foi importante. Bittar teve uma ascenção fulminante na reta final, sendo eleito no cenário da revolta contra o massacre em Volta Redonda, onde três operários da Companhia Siderúrgica Nacional foram mortos, a 9 de novembro de 1988, após a invasão da fábrica pelo Exército.

Célio Turino agora no núcleo do poder, primeiro como secretário de governo, tendo enfrentado “pepinos” como locautes no transporte coletivo, entre outros. “Aprendi muito sobre o transporte coletivo nesta época”, recorda. O secretário de Cultura era Marco Aurélio Garcia, que depois teria fama nacional como assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais de Lula e Dilma.

Em 1990 Marco Aurélio sai e Turino assume a secretaria. Uma de suas primeiras e principais medidas, retomar o conceito de Ponto de Cultura que tinha sido inaugurado no final do governo anterior, de Grama, quando o secretário da pasta era o antropólogo e professor da Unicamp, Antônio Augusto Arantes Neto. “Aprendi muito com ele”, reconhece Célio.

O primeiro Ponto de Cultura foi em Joaquim Egídio, na subprefeitura. Com Marco Aurélio Garcia, o projeto mudou de nome, para Casa da Cultura, mantido por Turino quando este assumiu a Secretaria Municipal de Cultura. O governo de Jacó Bittar foi marcado por muitas disputas internas, o prefeito terminou o mandato no PDT.

Célio também deixaria o PT, voltando em 1994 ao PC do B, e trabalhou no governo de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, dirigindo o Departamento de Programas de Lazer. Mais uma experiência importantíssima, para o passo seguinte, no Ministério da Cultura do governo Lula.

Com toda essa trajetória, não se esquece do primeiro empregador. E se emociona, muito, quando se lembra de ter visto José Roberto Magalhães Teixeira na fila do Hospital de Clínicas da Unicamp, para ser atendido quando se pronunciava o câncer. “Ele era prefeito de Campinas e estava ali, se tratando em hospital público. Sem partidarismos, não posso deixar de lembrar. Esse tipo de postura, sabe, é que precisamos, que faz falta e que o povo que foi às ruas em junho pede”, afirma, o olhar fixo em algum ponto da memória, na visão de Grama pouco tempo antes de sua morte.

SEGUNDO ATO  – A EXPLOSÃO DOS PONTOS DE CULTURA

A oportunidade para o resgate do conceito de Ponto de Cultura, nascido em Campinas, se deu quando Célio Turino foi convidado por Gilberto Gil para assumir a Secretaria da Cidadania Cultural. O posto estava vago, o presidente Lula estava interessado em ver o Ministério colocar em prática o programa Base de Apoio à Cultura (BAC). Era uma espécie de rede de centros culturais. Cada um dele custaria cerca de R$ 2 milhões na época. Maquetes foram montadas, terrenos foram prospectados e avaliados.

Mas Célio tinha outra visão. Por uma coincidência cósmica, o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) era ninguém menos que… Antônio Augusto Arantes Neto, o mesmo secretário de Cultura de Campinas quando nasceu o conceito de Pontos de Cultura. Turino o procurou e disse que pensava em resgatar o conceito. E acabou convencendo o ministro Gil e o governo a seguir esta trilha: no lugar de investimento em estrutura física, que demandaria muito dinheiro para a manutenção, o investimento em pessoas, em coletivos de pessoas fazendo uma cultura viva, fumegante de paixão e sonhos de transformação.

Gil apoiou e foi entusiasmado defensor, sob o lema “Cultura é fluxo e fluxo é vida”. No primeiro ano do programa, 800 projetos inscritos, e o Minc acabou aumentando de previstos 100 para 260 selecionados. O foco na criatividade, no potencial humano, na beleza e prazer de parir o novo. O primeiro ponto de cultura selecionado foi o de um trabalho conjunto de universitários, indígenas e sem-terra em Arcoverde, agreste pernambucano, no espaço de uma estação ferroviária desativada.

De R$ 5 milhões em 2004 o orçamento para os Pontos de Cultura subiu via emenda parlamentar para R$ 65 milhões em 2005, tal o sucesso fulminante da iniciativa. Em 2006 já foram 2500 projetos inscritos. A rede do Cultura Viva chegou a 3.500 pontos de cultura em todo território brasileiro em 2009, em 1100 municípios, com incidência em mais de 8 milhões de pessoas e geração de 30 mil postos de trabalho, segundo estudo do IPEA.

Universitários dialogando com a cultura griô, orquestra de violinos na favela da Mangueira (RJ), mídia livre, quilombolas trabalhando com cultura digital, pontinhos de cultura para crianças, uma teia enorme de desejos, de encantos e corações a mil. Turino se orgulha de todos, mas não pode deixar de lembrar a emoção de ter assinado um dos convênios com o cacique Aritana, do Xingu. Mais emoção em alta densidade.

Um êxito impressionante, uma resposta imediata, amorosa e grandiosa à proposta de valorização do seres e dos saberes. Não por acaso, durante a curta estadia à frente do IPHAN, Antônio Augusto Arantes Neto foi incansável defensor do conceito de patrimônio cultural imaterial, e a partir daí houve valorização crescente dessa modalidades de fazeres culturais. Mais duas notáveis contribuições de Campinas para o Brasil, mais um exemplo do potencial incrível desta cidade.

Razões do sucesso dos Pontos de Cultura. Várias, mas um na essência, interpreta o seu grande maestro: “A política pública no Brasil geralmente é feita com base na ideia da carência. A Cultura Viva e os Pontos de Cultura são fundamentados na ideia da potência, na valorização do que o ser humano tem de melhor, do seu potencial, e com uso de investimento reduzido”.

TERCEIRO ATO – CRISE DA CULTURA VIVA NO BRASIL, FLORESCIMENTO EM TODA AMÉRICA LATINA

Turino deixou o Ministério da Cultura em 2010. O programa Cultura Viva e as redes de Ponto de Cultura entraram em crise e declínio a partir de 2011, no governo de Dilma Roussef. Para Célio, a burocracia inerente à máquina estatal reagiu e tomou conta, como acontece historicamente em vários segmentos.

“A política pública com poesia não cabe em powerpoint, em planilha excel”, diz Célio. O programa foi perdendo vigor, com o paradoxo de que justamente neste momento cresce rapidamente o respaldo ao conceito na América Latina. Em quatro países o Cultura Viva já opera de forma institucionalizada: Argentina, Peru, Colômbia e Costa Rica. Em outros onze o conceito avança rapidamente. Sempre a ideia da rede, do coletivo, da ação horizontalizada, o potencial humano no centro da agenda da cultura, a valorização da diversidade. O I Congresso Latinoamericano da Cultura Viva Comunitária foi em maio de 2013 em La Paz.

Um desses países fascina em especial a Célio Turino, a Colômbia, tão machucada pelo narcotráfico, pela violência exacerbada, há não muito tempo atrás. Um emblema é Medellín, onde o cartel de Pablo Escobar dominava e onde as guerrilhas também dominavam parte do território. Cerca de 30% do município, apenas, eram mais ou menos controlados pelo Estado.

Mas a metamorfose foi substantiva na última década. Em 2oo3, venceu as eleições para prefeito o matemático Sergio Fajardo Valderrama, de um grupo independente que havia perdido a disputa quatro anos antes. Entre 2004 e 2007, a reviravolta, continuada na gestão seguinte, de Alonso Salazar, do mesmo grupo político.

Três medidas chamaram a atenção de Célio Turino e para ele foram decisivas na radical transformação de Medellín. O orçamento municipal destinado à cultura subiu imediatamente, de 0,7% para 5% do total. Outra ação: no primeiro dia de governo, o prefeito convocou doze escritórios de arquitetura para elaborar projetos gratuitos para a cidade, transformando escolas municipais em regiões de alta vulnerabilidade. “Foram feitos projetos maravilhosos, mudaram a visão da educação pública”, comenta Célio. E a terceira medida: uma área verde, mais ou menos semelhante ao Bosque dos Jequitibás de Campinas, que tinha acesso restrito para a população, foi aberto e em um ano a frequência aumentou de 30 mil para 500 mil pessoas.

Depois vieram outras ações, como abertura de várias bibliotecas e brinquedotecas. E a melhoria superlativa do transporte público. O resultado: o povo sempre nas ruas, nas praças, fazendo esportes, artes. “No centro da cidade, no setor bancário, durante o almoço as pessoas tiram os sapatos e ficam com os pés descalços dentro da água. São pequenas delicadezas que transformam a vida e a cultura de uma cidade”, resume Célio, os olhos brilhando cada vez mais.  Emoção que transborda e motiva à ação.

Para Célio, Cultura Viva está hoje "em uma encruzilhada" no Brasil

Para Célio, Cultura Viva está hoje “em uma encruzilhada” no Brasil

QUARTO ATO – O POVO NA RUA, A VOLTA PARA A CAMPINAS QUE PODE SER TRANSFORMADA

A Cultura Viva é a vida que não pode ser domada. Muito significativo que boa parte da juventude que foi às ruas ao Brasil em junho de 2013 estava ligada a algum Ponto de Cultura ou tem alguma ação semelhante, tendo as redes sociais como uma mídia poderosa e mobilizadora, horizontal, descentralizada. E também não deixa de ser emblemático que um dos motivos para essa mobilização inesperada, espontânea e gigantesca tenha sido a crítica ao afastamento das suas origens do partido que está no poder, no mesmo momento em que a burocratização abafou e atingiu o Cultura Viva e os Pontos de Cultura.

“Há muito mal uso do dinheiro público, as pessoas se sentem humilhadas passando três, quatro horas em transporte público de má qualidade. É claro que em algum momento a situação iria explodir”, avalia.

A volta a Campinas, neste momento crítico do país. Em 2011, ele deixou o PC do B e passou a colaborar com Marina Silva na articulação da Rede.

Ele acha que a sua cidade também pode passar por uma bela transformação, com base em sua enorme riqueza humana, em seu potencial incomensurável. E a mudança, na sua opinião, deveria começar pelo centro, pela alma da cidade. “O centro está cada vez mais esvaziado, saíram as faculdades, saiu muita coisa importante. Valorizar os espaços públicos, temos cinemas no centro que poderiam ser recuperados e renovados. E vários outros locais para a cultura viva, cidadã”, diz, justificando a sua crítica ao projeto de construir um teatro no Parque Ecológico Mons.Salim, o que manteria o esvaziamento, o declínio do centro.

A Cultura Viva e os Pontos de Cultura já mostraram o potencial humano da criação, da busca permanente do novo, como Campinas já fez em vários momentos da história. Célio Turino acredita que a cidade pode voltar a brilhar de criatividade, gentileza, respeito e fraternidade.

QUINTO ATO: DIVISOR DE ÁGUAS EM 2014

De certo modo os Pontos de Cultura anteviram o que aconteceria, a partir de ações horizontalizadas, descentralizadas, e com o empoderamento cidadão. O resultado foi o Junho de 2013.

Em 2014, começou o ano ao lado de Marina Silva, na articulação da Rede. Aí houve a inviabilização da Rede e o ingresso de Marina no PSB, para se candidatar inicialmente a vice-presidente. Veio o acidente com avião de Eduardo Campos e a ex-senadora é a candidatura natural, com grande possibilidade de vitória, como demonstraram as primeiras pesquisas após a tragédia.

Mas veio o esvaziamento da candidatura Marina que, no segundo turno, apoiou Aécio Neves (PSDB), mas Célio Turino e outras lideranças da Rede não acompanharam a decisão. Ele explica: “Considerava que é chegado o momento de o Brasil romper com a dicotomia PT/PSDB, Marina representaria esta alternativa, porém, ao se definir no segundo turno por um dos lados, acabou também se envolvendo no emaranhado da velha política, que tão mal faz ao país”.

Turino sinaliza, então, a sua futura trajetória: “Por isso preferi sair da Rede e sigo em busca de uma alternativa avançada, popular e horizontal, algo como está acontecendo na Europa, com novos partidos democráticos e de esquerda, como o PODEMOS na Espanha ou Syriza na Grécia. No momento me dedico à construção de uma alternativa assim”, afirma.

Com relação à Cultura Viva, aos Pontos de Cultura, continua entusiasmado com a projeção internacional do conceito: “Enquanto o programa foi sendo desmontado no país em que a ideia surgiu, ele avança pela América Latina e agora Europa, meu livro (“Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima”) está editado em vários países e idiomas e vários governos implantam esta política pública, que, com custo unitário muito pequeno (R$ 5 mil/mês) beneficia muita gente em formação, produção e difusão cultural nas comunidades, desde a selva peruana, até a terra mapuche no sul do Chile, assim como nos andes, na América Central ou nos pampas, há Pontos de Cultura espalhados por aí”.

A mesma esperança é atenuada em relação ao que acontecerá com os Pontos de Cultura no Brasil.  “No Brasil? vivendo uma encruzilhada, houve um desmonte do programa Cultura Viva nos últimos 4 anos e espero que o governo Dilma, em seu segundo mandato, o retome, mas ainda estou aguardando sinalizações concretas”, conclui.

Sempre o mesmo tom de voz, baixo, sereno, mas também sempre a santa indignação. (Por José Pedro Martins)

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