Por Eduardo Gregori
Conheci pessoalmente Gloria Gaynor nos anos 2000, mas ela já cantava I am What I am há pelo 20 e pouco anos. A música virou uma espécie de hino LGBT de luta contra o preconceito.
Em 1984, quando esta música foi lançada, eu era um adolescente vivendo na roça grande que era Belo Horizonte. Me sentia deslocado naquela cidade, um lugar muito careta. Eu não era um tipo comum. Gostava de pintar a cara de branco, usar brincos, sobretudos pretos, mesmo sob um sol de 40 graus. Comprava sapatos que só em São Paulo tinha, espelhos nos bicos e uma base de borracha alta.
Andar assim em BH nos anos 1980 era como ser um extraterrestre. Mas eu não era só. Conheci muitos assim. Éramos como mariposas em busca de luz pra brilhar até o sol raiar numa pista de dança. Íamos na Le Club, no bairro da Savassi, no Barbud’s, bar gay na Avenida Augusto de Lima, ou no Trincheira, onde a cena rock belorizontina fervilhava.
Mamãe enlouquecia em casa me esperando e eu chegava quase ao amanhecer. Enlouquecia também com meu visual, pois eu sempre carregava nas tintas. Pintava as roupas de roxo, cortava o cabelo como os Titãs e passava maquiagem como Boy George. Meu pai quando descobriu, preferiu ver o diabo, só pra resumir.
Mas paguei um preço alto pela minha atitute. Nunca namorei na minha terra natal. As pessoas me viam como alternativo demais. Numa das minhas viagens ao Rio, fui mais comportadinho e não é que comecei a namorar?
Fui pedido em namoro e aceitei, mas tinha uma condição: ser mais “normal”. Com os hormônios sapecando dentro de um jovem, decidi aceitar. O máximo que consegui nos 7 anos que me relacionei, foi deixar meu cabelo crescer até os ombros.
Depois veio a vida adulta e tudo o que ela representa. Não é legal ir pedir emprego com uma melancia na cabeça, né? Então fingi que era “normalzinho”e fui trabalhar. Dava um toque aqui e acolá, uma cor berrante aqui e outra lá, um brinco maior aqui e outro lá. Enfim, fui maneirando, equilibrando o que esperavam de mim e o que eu guardava debaixo daquele disfarce.
Aí veio a meia idade. Bem, estou quase com 50 anos, e achei que já era tarde para ser quem eu queria ser. Mas aí fui trabalhar em uma empresa que valoriza o seu trabalho e não como você se veste. Meninos de saia, meninas de cabelo azul, um velho de couro, uma senhora riponga.
Olhei em volta e uma antiga chama reascendeu. Viver em um país seguro, sem crimes contra LGBT faz a gente pensar em sair do casulo, mesmo que pareça tarde.
Resolvi dar passos e ver como as pessoas se comportavam a me ver. Fui aumentando os aros dos brincos até chegar no modelo que eu queria e agreguei neles crucifixos, um coisa Madonna, que foi moda nos anos 1980, mas que voltou com força na Europa gay. E ninguém reparou e se reparou nada falou. Pintei uma unha de preto e mais uma e outra. Quando vi, todas estavam pintadas.
No barco, uma criança comentou com a mãe: “Olha mamãe, o moço tá com as unhas pintadas”. Virei-me para trás e perguntei se estava feio e ela: “Tá lindo”. Crianças não mentem, então acreditei. Saio de bicicleta pela rua, vou malhar, vou no supermercado e parece que não tenho esmalte nas mãos. Ninguém parece se importar.
Planejo um próximo passo: vou comprar um kilt. Mas isso só no próximo verão porque não dá para usar saia no inverno. E não vou parar por aqui.
Mas o que Lisboa mais me fascina e que posso andar de mãos dadas, abraçar e até beijar meu marido onde quer que estejamos. Não vou dizer que não existam pessoas que não gostem de casais homossexuais, mas aqui há respeito, acima de tudo.
Aqui, depois de longos 50 anos, posso ser quem eu nasci pra ser. Nada comum, nada normal, mas muito feliz por me reencontrar.