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COM “FORRÓCULOS”, ESTRELA DALVA FESTEJA SANTA LUZIA E LUIZ GONZAGA NESTE DOMINGO
Evento será daqui a pouco, 16 horas (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho /Divulgação)

COM “FORRÓCULOS”, ESTRELA DALVA FESTEJA SANTA LUZIA E LUIZ GONZAGA NESTE DOMINGO

O evento, que vai aos poucos se tornando tradição em Campinas, brinda o final do ano com celebração à Santa Luzia e Luiz Gonzaga. O festejo às culturas e comidas nordestinas acontece hoje, no Bar do Manoel, servindo baião de dois com cangote de carneiro e moqueca vegana de legumes, a partir das 16h, num desejo de melhores olhares para o Nordeste, e de melhor enxergarmos o mundo como um todo, os direitos humanos e a cidadania. O forró também “come solto”, e fica por conta da banda democrática comunitária “Os Cobras do Nordeste”, formada por migrantes nordestinos do bairro, estudantes e artistas de Campinas.

Há quem chame o nascimento de Luiz Gonzaga de o milagre de Santa Luzia. A santa tem a ver com a luz. E à visão. Uma cuidadora da vista, dos olhos das pessoas. Pensando assim, Gonzagão bem pode ter sido, em sua vida, uma obra milagrosa da Luzia. Luiz interveio no país – e no mundo – fazendo que o Nordeste Brasileiro fosse visto. Ouvido, botado a reparo. E que se fizesse sentido.

E talvez seja isto. A grande dificuldade do mundo é a de ver. De repente, não haja nenhuma verdade. Mas sim, ângulos, aproximações, distâncias. Pontos de vista. Foco e desfoque. Amplitude de campo. Acuidade visual. E manchas, sujeiras, coisas que embaçam. Saramago já ensaiou muito bem sobre a cegueira. Sivuca, refletiu que enxergar de fato, ou não, tem a ver com o coração. A antropologia discute sobre a cultura humana, como fornecendo “lentes”, às quais contatamos os fatos, dando a eles, seus “reais” significados. Na prática, seria mais simples: há quem veja miséria humana na falta de dinheiro; e quem a sinta na ausência de caráter, escrúpulos ou dignidade.

No fundo, nós vemos o que queremos ver. Ou o que querem que vejamos. Como os equinos com as tapas que lhe impõem. E ver também tem, a ver, com luz e sombra. Às vezes alguma coisa, ou alguém, acaba por botar luz em uma escuridão. E assim aumentam-se as chances pra enxergarmos. Luzia, com Luiz, vai ver, iluminaram assim o Nordeste, pras vistas alheias. Dores, tristezas, beleza e maravilha. Uma secura e uma fertilidade imensas. Algo inóspito, muito hospitaleiro. Contradições, humanidades. Gonzagão – e depois Gonzaguinha, de um outro modo, ou ponto de vista – com sua obra e vida tocou isso: a humanidade. Nossas contradições, nossa complexidade. Cada pessoa e lugar uma parte, igual diferente, do mundo.

No cardápio, baião de dois com cangote de carneiro e moqueca vegana de legumes (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho/Divulgação)

No cardápio, baião de dois com cangote de carneiro e moqueca vegana de legumes (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho/Divulgação)

Nessa perspectiva, de milagre, também podemos chamar o que vem acontecendo aqui. Zona Leste de Campinas. Imediações do Parque São Quirino. A constelação de pessoas que, por 2018, passou a se reconhecer como “Encruzilhada Estrela Dalva”. Um centro comunitário de cultura, que a partir de um bar, vem ganhando toda uma comunidade para si mesma, num trabalho forte de empoderamento, por autonomia, partilha de protagonismos, corresponsabilidade, fruição e criação artística, convivência com ativismo cultural, além de transformações, sociais, individuais, humanas.

Essas ações também ganham a comunidade pro mundo. A trazem pro mapa. Como Luiz com o Nordeste. Atuam na desfronteirização do encontro. À mundialização do mundo, como na humanização da gente. Um labor por direitos humanos e por cidadania, que respeita a singularidade e a sabença de cada “aldeia”, ao mesmo tempo em que inaugura o livre direito da visita, da mixagem, de ir e vir por antropofagias, venturas e fusões. Fazer de qualquer distância uma ponte caminhável, um abraço possível, garantir o fluxo livre entre os lados, e a queda dos muros, quando esses oprimem.

Destinos cruzados na avenida Lafayete de Arruda Camargo (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho/Divulgação)

Destinos cruzados na avenida Lafayete de Arruda Camargo (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho/Divulgação)

Encruzilhada porque tudo nasceu num cruzamento, da Avenida Lafayete de Arruda Camargo. E também pela convergência e à multiplicidade de caminhos. O lugar onde destinos se cruzam, escolhas são feitas. E os rumos de uma história, podem mudar. Esse lugar fica ali, botando um padê constante – pra alimentar, dar sustento; iluminando como uma vela, o caminho de quem passa ali, qual era feito com as pessoas escravizadas, correndo pela liberdade no passado. O farol gira, luzindo tudo à volta, servindo de guia. O mundo gira, trazendo tudo à tona, ao tempo certo. E assim esse centro, periférico, tem sabido girar junto. Já passou assim, por muitos outros espaços. Campinas, São Paulo, Brasil. E fora. Já incorporou em si muita coisa estranha, hoje familiar e afetuosa.

Mas sempre a firmar suas raízes. Tudo ali nasceu do Nordeste. Da imigração nordestina nesse interior, do tanto de água que passou por debaixo dessa ponte. E por isso, os anos todos veem seus trabalhos sendo fechados, para abertura de novos, com um forró pra Santa Luzia. O encontro é simples, muito simples. Músicos de todos os níveis, do perueiro escolar pernambucano que toca sanfona, à estudante de música da universidade pública e o maestro brasileiro negro saído da periferia, que hoje rege uma orquestra conceituada fora do país. Todas se juntam no mesmo chão, debaixo do mesmo céu, com essa Dalva como guia, aos trajetos que, ali, todo dia, são firmados.

A baixa gastronomia nordestina, nada gourmet, presente. Saborosa, forte e abundante. A reverência a quem veio antes, a esperança com quem ainda vem vindo. E o dançar de mãos dadas, cada um do seu jeito. Porque essa festa também representa isto: o sincretismo. Parece, que quando estamos vendo amplo, com lentes limpas, damos conta do quanto cada pessoa representa uma verdade distinta. Acreditar ou não na santa, curtir ou não forró, torcer ou não pro mesmo time, nada disso importa muito. A única questão é: amor ou desamor? Se nos protegemos desse desamor, nada que vier será ruim. Dá pra respeitar a fé de alguém, sabendo que, o simples fato de nos juntarmos, voluntariamente, para festejar um ano, agradecer à vida, dançá-la e tocá-la em frente, com ainda tudo isso, sob um signo de querermos ver melhor, pode ser justamente o colírio que precisamos.

Colocar os forróculos, para ver com muita alegria (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho / Divulgação)

Colocar os forróculos, para ver com muita alegria (Fotos Sabrina Sanfelice e Rafa Carvalho / Divulgação)

Vendo bem: nosso milagre mesmo, a gente é que tem que fazer. Toda ajuda é bem-vinda. Todo amor. Vai ver, que chegou o dia, dos santos – e santas – de casa. E sobre o título, vale lembrar que forró vem da expressão em inglês “for all”, cunhada por estrangeiros, que significa “para todas”, considerando que as festas, de canto, dança e música envolviam todas as pessoas das comunidades, pelo nordeste. Assim, bora botar um “forróculos”, ver com muita alegria, a igualdade de valor e importância que cada pessoa tem. E cantar, tocar e dançar, como se ainda houvesse amanhã.

Serviço:

Um Forró Pra Santa Luzia

Hoje, a partir das 16h, no Bar do Manoel – Estrela Dalva

Av. Lafayete Arruda Camargo, 767. Parque São Quirino / Tel: (19) 3296-4912

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.

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