Por José Pedro S.Martins
Para a Anistia Internacional, foi um retrocesso a edição da Lei Federal Nº 13.491/2017, assinada pelo ex-presidente Michel Temer em 13 de outubro de 2017, estabelecendo que violações de direitos humanos, inclusive homicídio ou tentativa de homicídio, cometidas por militares contra civis seriam julgadas por tribunais militares. “Esta lei viola o direito a um julgamento justo, uma vez que os tribunais militares no Brasil não oferecem garantia de independência judicial”, acrescenta o relatório da Anistia Internacional de 2017-2018.
Mais um indício de que audiências justas para acusados de crime ainda estão distantes de fato no Brasil é a permanência de tortura em muitos casos. De fato, apesar das muitas recomendações das Nações Unidas e outras organizações internacionais nos últimos anos, a tortura continuou sendo praticada como instrumento para obtenção de confissão, de acordo com documentos como a pesquisa “Julgando a tortura: análise de jurisprudência nos Tribunais de Justiça do Brasil (2005-2010)”, feita em parceria entre Conectas Direitos Humanos, Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP), Pastoral Carcerária, Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT Brasil) (aqui).
Como Flávia Piovesan destacou no Prefácio do documento, que teve sua primeira edição em janeiro de 2015, o universo da pesquisa abrangeu 455 acórdãos proferidos pelos Tribunais de Justiça do Brasil, no período de 2005 a 2010. “Os 455 casos selecionados envolveram 800 vítimas, sendo que 2/3 correspondem ao perfil “homem”, “homem suspeito” e “crianças” – com relação às crianças, em geral, o crime de tortura ocorreu no ambiente doméstico. No que se refere aos acusados de crimes de tortura, o relatório aponta que agentes públicos representaram 61% dos casos, seguidos de agentes privados com 37%. Os dados colhidos demonstram que as residências e os locais de contenção constituem as localidades predominantes, correspondendo a 64% dos locais onde a tortura é praticada. A análise dos 455 acórdãos ainda é capaz de revelar a motivação da tortura: quando perpetrada por agente público, é especialmente utilizada como meio de obtenção de confissão ou informação; quando perpetrada por agente privado, é especialmente utilizada como forma de castigo”, declara Flávia Piovesan, professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e várias outras instituições, como Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), e visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000) e de outras instituições internacionais. Também foi membro da Força Tarefa de Alto Nível das Nações Unidas para a implementação do direito ao desenvolvimento.
(10º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 10º dia do mês de janeiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 10: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele)