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Pose: Uma luta que ainda não acabou
Elenco de Pose (Foto Divulgação)

Pose: Uma luta que ainda não acabou

Por Eduardo Gregori, de Lisboa
Desliguei a TV sem poder ver os últimos segundos de um dos episódios da nova temporada de Pose, série com temática LGBT+ que estreou seu segundo ano no fim de 2019 no canal FX, está disponível para assinantes da HBO e desembarca na plataforma de streaming Netflix no final deste mês.
Talvez, as lágrimas que insistiriam em brotar nos meus olhos tenham a ver com uma saudade gigantesca do final da década de 1980 e começo dos anos 1990, quando Madonna explodia nas rádios com seu hit Vogue e quando o movimento LGBT+ daquela época chamado apenas de Movimento Gay, era unido.
Afinal, tínhamos lutas em comum, entre o preconceito, a epidemia do HIV que matou milhões e uma verdadeira guerra para conquistarmos direitos civis. Naquela época o movimento usava a terceira pessoa do plural: Nós! Hoje, o culto ao egocentrismo e ao protagonismo converteram o que era nós na primeira pessoa do singular: eu! Muito triste.
Pose usa como pano de fundo os bailes LGBTs+ realizados na periferia de Nova York, nos quais, por pelo menos uma noite, era possível ser uma estrela, ter fama na comunidade e pertencer a uma casta, como uma família na qual todos se ajudam e arrasam na pista. Se a primeira temporada focou mais na rivalidade entre estas famílias e nas competições nos bailes, a segunda mergulha vertiginosamente na luta contra o HIV, pelos direitos civis e na força da união de pessoas, mesmo com tantas diferenças que possam existir sob a mesma bandeira do arco-íris.
Se nos anos 1980 os homossexuais morriam de Aids, nos 1990 eles têm alguma esperança no AZT, primeiro medicamento criado para combater o vírus HIV. Pose trata do medo que os soropositivos têm em toma-lo. Uns por temerem os efeitos colaterais que naquela época evidenciavam quem estava se submetendo à terapia: tom mais escuro da pele e lipodistrofia severa eram alguns destes efeitos. E a série discute questões de que quem não se sentia digno de tomar a medicação e lutar contra a morte, remontando uma séria discussão sobre como o HIV foi designado de câncer gay e uma doença criada em laboratório para eliminar homossexuais. E como essa culpa foi colocada na cabeça dos gays pela sociedade.
Pose também tem momentos mais leves, como o sonho de Angel (Indya Moore) uma transexual do Bronx que sonha em ser modelo. E também presta uma homenagem a Jose Gutierez Xtravaganza, um dos muitos jovens que nos anos 1980 dançavam Vogue e que foi visto por Madonna, que o convidou para participar de sua turnê Blond Ambition, percorrendo o mundo em 1990. José aparece na série dando um master class de vogue e também como jurado dos bailes.
Mas, a maior lição da segunda temporada de Pose é mostrar que, apesar de qualquer conflito que possa existir entre seres humanos, é em momentos de luta e, principalmente nas derrotas, que todos precisam se unir. Elektra (Dominique Jackson), a transexual mais exuberante e poderosa dos bailes, e que na primeira temporada reconcilia-se com sua “filha” Blanca (MJ Rodriguez), abandona a casa simples de Blanca para voltar a ter uma vida de luxo, mesmo que para isso tenha que se prostituir. E é em um de seus programas que ela se vê tramada e sem saída. É justamente para casa de Blanca que ela foge para pedir socorro. Blanca não pensa duas vezes em ajuda-la.
Outro episódio tocante é sobre a morte de uma transexual. Aqui o tom é de militância, utilizado para mostrar que as transexuais continuam como as principais vítimas de crimes contra a população LGBT+. Além disso, a personagem morta volta como o subconsciente de algumas pessoas que estão no velório. Os diálogos, marcados por pitadas de drama e um certo humor, têm como propósito mostrar que é preciso respeitar o outro. Uma direta para a comunidade LGBT+, que muitas vezes briga entre si por não entender o que aperta o calo do outro. A cena mais tocante é quando a transexual fala com os pais e passa a limpo a sua relação conturbada com eles.
Pose não é apenas para o público LGBT+. É uma grande oportunidade para heterossexuais observarem este universo de uma posição privilegiada e tentar entender as lutas, os costumes, os medos, as fragilidades e as conquistas. Apesar de ser uma ficção, o roteiro serve como um fiel registro histórico. Não deixe de assistir!

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal