Um país devastado por um genocídio. Uma superpotência com serviço fortemente direcionado para atender crianças com deficiência. Um país latino-americano em que o conceito de família acolhedora está em construção. O III Colóquio Internacional sobre Acolhimento Familiar, que terminou nesta quarta-feira, 17 de dezembro, em Campinas, exibiu um painel com realidades diversas, com diferentes modelos, mas com um objetivo comum: a proteção de crianças com alto risco social.
Ruanda passa por uma situação extrema. O país ainda procura fechar as cicatrizes abertas pelo genocídio de 1994, que deixou 1 milhão de mortos, levou 3 milhões ao exílio e resultou em 300 mil órfãos. Quase toda a estrutura do país foi destruída. Neste contexto, o acolhimento de crianças em situação de risco, sem laços parentais, representa um dilema gigantesco.
“O conceito de família acolhedora é muito novo em Ruanda e em toda a África. É muito grande o desafio no sentido de que as comunidades procurem se organizar para dar a atenção e o cuidado necessários para essas crianças com laços familiares rompidos”, afirmou o psicólogo Chaste Uwihoreye, que representou a organização Uyisenga Ni Imanzi no Colóquio de Campinas. A organização cuida de crianças órfãs, uma imensidão em país com menos de 12 milhões de habitantes. Segundo ele, 3 mil crianças estão hoje abrigadas em instituições, e 20 mil nasceram em consequência de violência sexual.
O drama de Ruanda é enorme, mas o país está em franco processo de reconstrução. A atuação da sociedade civil é muito forte. Recentemente, o Fórum Econômico Mundial divulgou o seu Índice Global de Desigualdade de Gênero, que mede o tamanho das desigualdades de gênero e monitora o seu progresso ao longo do tempo. Segundo o Índice, Ruanda ocupa o sétimo lugar em igualdade de gênero no planeta, com um indicador de 0.7854. O Brasil, por exemplo, está em 71º lugar, com uma marca de 0.694, atrás de 13 países da América Latina e Caribe.
Situação diferente vive a Rússia, superpotência com 142 milhões de habitantes e país com maior extensão territorial. Segundo Lyudmila Sorokina, da organização Partnership for Every Child, de São Petersburgo, muitos serviços de acolhimento de crianças afastados de laços parentais são institucionais.
Um foco importante, segundo ela, está em cuidar das crianças com deficiência. “São feitos muitos esforços para um atendimento adequado a essas crianças, enquanto a família original busca se reorganizar”, disse a representante russa no Colóquio de Campinas. Segundo Lyudmila, 130 mil crianças estão abrigadas em instituições na Rússia, e metade delas são portadoras de deficiência.
Do outro lado do mundo, o conceito de família acolhedora está em edificação no Paraguai. Uma das pioneiras é a enfermeira Maria Ines Oviedo, que também este em Campinas nestes dias, participando do III Colóquio Internacional sobre Acolhimento Familiar. Mãe de cinco filhos, ela começou a acolher uma criança com uma síndrome muito rara, a Síndrome de “Prader Wylly”, em 2009. Era um bebê de três meses, que depois viria a falecer.
Mas Ines continuou, e já foram outras nove crianças acolhidas em sua casa. “Cada criança tem a sua personalidade, cada caso é um caso, faço tudo com o maior amor e cuidado, e meus filhos sempre me apoiaram”, contou a representante paraguaia.
Ela espera que o seu país “tenha cada vez mais conhecimento e experiência sobre a importância do acolhimento familiar”. Ines relata que a única queixa dos filhos é no momento da volta da criança acolhida ao seu lar original. “Meus filhos sempre querem que eu adote a criança, mas eles realmente sabem que é temporário”, completou.
Diferentes culturas e panoramas sociais e políticos, jeitos diversos de tratar o acolhimento de crianças com laços familiares rompidos ou fragilizados. Mas, de fato, o sentimento padrão, de respeito e solidariedade.
O III Colóquio Internacional sobre Acolhimento Familiar foi uma realização da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social da Prefeitura de Campinas, juntamente com a Associação Brasileira Terra dos Homens, a Rede Internacional Family For Every Child, a Kindernothilfe, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência de República. O Colóquio contou com a parceria da Fundação FEAC, da Associação de Educação do Homem de Amanhã (AEHDA) – Guardinha e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Muitas outras organizações, públicas e da sociedade civil, contribuíram para a realização do evento. (Por José Pedro Martins)
Foi muito boa a cobertura de vocês a este grandioso evento.