Por Eduardo Gregori
Novo disco de Zeca Baleiro homenageia grandes nomes da composição contemporânea portuguesa
Em um documentário perdido lá pelos anos 1980, o músico Charly Garcia, um dos mais relevantes na trajetória do rock argentino disse: “Ele é um dos nossos. Mergulhou na nossa música e aprendeu a falar como nós.” O artista se referia à Herbert Vianna, líder dos Paralamas do Sucesso e um dos brasileiros mais respeitados na cena musical do país vizinho.
Se o líder dos Paralamas pavimentou uma ponte sólida entre Brasil e a distante (apesar da proximidade territorial) música urbana da Argentina e ainda a estendeu para outros rincões da América Latina, quarenta anos depois outras pontes que cruzaram o Atlântico em direção à Europa e também no sentido inverso, continuam a conectar, e de maneira irreversível a nossa cultura tropical ao mundo. Um dos mais árduos trabalhadores na sustentação dos pilares da ligação entre Brasil e Portugal é Zeca Baleiro.
O artista maranhense tem uma história com Portugal que já dura mais de vinte anos, quando uniu ainda mais os dois países com seu projeto Navegar É Preciso, encontro que promoveu em São Paulo em 1999 com o músico Pedro Abrunhosa, seu primeiro parceiro luso de palco.
Desde então, Zeca, assim como Herbert Vianna, se jogou de cabeça em outra cultura. O maranhense mergulhou fundo em um mar desconhecido e que no consciente coletivo dos brasileiros é habitado apenas por Amália Rodrigues e Roberto Leal. Mar este feito apenas de fado e do vira, de lamento e de dor. Em Portugal Zeca buliu com Sérgio Godinho e Jorge Palma, verdadeiros poetas do cancioneiro luso e músicos amados por sua gente. Com eles subiu em muitos palcos portugueses, entre eles uma participação no Rock In Rio Lisboa. E nestas idas e vindas a Portugal foi semeando sua arte e suas sementes, que há muito floresceram, lhe trouxeram reconhecimento do público como um dos mais queridos artistas brasileiros da atualidade.
Incansável, Zeca não se deixou intimidar pela pandemia do Novo Coronavírus, pelo lockdown e nem pelo isolamento social. O momento parece fonte de inspiração na construção de um irretocável repertório e de uma carreira já muito bem consolidada. O músico acaba de lançar Canções d’Além-mar, seu décimo quarto álbum de estúdio e que chega pelo selo Saravá Discos em formato digital. Neste trabalho, Zeca faz uma belíssima e justa homenagem a músicos antológicos de Portugal como Rui Veloso, Jorge Palma, António Variações, Vitorino e José Cid, entre outros.
Com a agenda tomada de compromissos que vão de colabs com outros artistas em lives e campanhas pra angariar verbas para músicos em dificuldade, entre outras causas, Zeca encontrou um tempo para conversar com a Agência Social de Notícias.
ASN – Qual foi o critério para escolher as músicas de Canções d’Além Mar?
Zeca Baleiro – Reuni no álbum canções que gosto de cantar ou nas quais vi possibilidade de uma releitura interessante. A ideia era aproximar essas canções do meu universo sonoro. O critério, como sempre em meus trabalhos, foi afetivo mesmo. Aqui estão canções portuguesas de que gosto muito. Coisas de artistas essenciais como Sérgio Godinho, Fausto, Jorge Palma e Pedro Abrunhosa.
Entre as faixas está a Canção do Engate, um clássico do pop português dos anos 1980. Você gosta particularmente de António Variações? Teve a oportunidade de assistir ao filme-biografia sobre ele lançado ano passado?
Ainda não vi o filme. Eu estava em Portugal no início dos anos 2000, quando foram lançados em cd os discos do Variações e quis logo comprar, por curiosidade. Logo depois veio esse hype em torno dele – tributos, regravações, docs e agora o filme. É um autor muito particular, tem canções incríveis e bastante originais, poéticas.
Quando você planejou o disco, pensou na possibilidade de que o público brasileiro poderia pensar que se tratasse de um álbum de fado?
Esse risco existe sempre, até porque o público brasileiro conhece fado e Roberto Leal só, né? Mas há uma produção moderna e desconhecida por aqui. Fomos quase didáticos no material de divulgação, ao explicar a natureza do disco, falando dos compositores e do processo de escolha do repertório.
Além dos compositores portugueses que você conhece de longa data, o que você ouve atualmente da música portuguesa?
Da geração mais recente, conheço Salvador Sobral, Capitão Fausto, Virgem Suta, Thiago Bittencourt, Samuel Uria, nomes muito interessantes. Ficaram de fora do álbum por uma questão “numérica” mesmo, não cabia rs. Mas ouço sempre os cantautores essenciais, da década de 60 em diante, são geniais.
Portugal tem uma veia de pop e de rock que passa despercebida pelo público brasileiro, com bandas de expressão internacional como os Xutos e Pontapés, Amor Electro, David Fonseca, entre outros. Você tem a oportunidade de acompanhar a produção musical portuguesa além do círculo de músicos que você conhece mais de perto?
Sim, sim. Ouvi bastante Xutos e David, cheguei a experimentar algumas músicas nos ensaios com a banda. Mas queria um disco enxuto, 11 canções apenas, por isso tive que excluir nomes. Senão viraria uma antologia rs.
Há algum ou alguns músicos portugueses que te inspirem mais?
Gosto muito de Fausto, Vitorino, Sérgio Godinho e Jorge Palma, acho brilhantes.
E porque não falar de fado? Você gosta? Mariza e Carminho, duas das maiores fadistas da atualidade, te dizem algo musicalmente? Há algum outro (a) fadista que você goste e possa citar?
Havia uns discos de Amália Rodrigues na casa dos meus pais e coletâneas de fados. Eu adorava ouvir. Amália era uma força da natureza, voz e feeling incomparáveis. Seu talento é tão imenso que até hoje sua sombra paira sobre toda a música portuguesa. Conheço Mariza e Carminho, duas vozes fabulosas, gosto muito. Sim, há nomes bem interessantes na nova cena do fado: Ana Moura, Camané, Raquel Tavares, Mafalda Arnault, Sara Correia…
Em seu último disco Madame X, Madonna, que vive em Lisboa, bebeu do fado e do funaná de Cabo Verde. Você ouviu este trabalho? Tem alguma opinião sobre ele?
Infelizmente não. Faz algum tempo que perdi a Madonna de vista (risos). Mas fiquei curioso, vou pesquisar.
Parcerias entre artistas portugueses e brasileiros vêm se intensificando, como a de Marisa Monte e Carminho, Blaya e Anitta, entre outras. Você tem em seu horizonte outros projetos com artistas lusos?
Sim, sempre. Já dividi palco e estúdio com vários artistas e bandas portugueses: Godinho, Palma, Abrunhosa, Teresa Salgueiro, Pedro Joia, Clã, Ala dos Namorados, e sempre me interessam novas colaborações.
Em tempo de pandemia, como se deu o processo de gravação, produção e lançamento de Canções d’Além Mar?
O álbum já estava todo gravado, só a mixagem foi feita durante a quarentena. Tenho feito lives caseiras no meu instagram para divulgar o álbum, sempre com participações de alguns compositores e músicos portugueses. Já participaram Pedro Abrunhosa, João Gil, Sergio Godinho, Rui Veloso, Pedro Joia e Manuel Paulo. Tenho dado entrevistas online a jornais, rádios e tvs de lá e aguardando o fim dessa loucura para fazermos uma tour portuguesa.
Como foi ou está sendo repercussão deste trabalho em Portugal? e no Brasil?
Tenho tido um bom termômetro pelas redes sociais. O álbum é um acontecimento pra eles, porque nunca dantes um músico brasileiro dedicou um disco inteiro a esse repertório. Muita gente – de lá e de cá – escreve dando suas impressões, está sendo curioso acompanhar. O público elege suas preferidas, isso é bacana. Os próprios compositores têm postado coisas como “genial apropriação da minha música”, como escreveu Sérgio Godinho no seu Instagram, o que me deixa muito honrado.
Você é um artista de muito sucesso em Portugal, pensa em excursionar com este trabalho por aqui?
Antes da pandemia, a ideia era lançá-lo em cd e vinil, e eu tinha planos de ir a Portugal fazer o trabalho de divulgação pessoalmente. Com esse quadro, resolvemos lançar por ora apenas nas plataformas digitais. Mas assim que for possível, irei até Portugal para fazer o concerto de lançamento.
Portugal ama a música brasileira. Na sua opinião, porque este amor não é tão correspondido pelo Brasil?
Acho lamentável que a gente conheça pouco ou nada da produção musical contemporânea portuguesa aqui. Acho que faltou investimento das gravadoras portuguesas aqui e mais circulação dos artistas também. Talvez o brasileiro médio tenha uma certa dificuldade em entender o português de Portugal, não sei, mas talvez isso explique um pouco essa lacuna. Agora temos o Antonio Zambujo e a Carminho fazendo colaborações com músicos brasileiros, o que me parece promissor.
Quando você pensa em Portugal, o que é que te vem à cabeça?
Cara, muita coisa boa – música, vinhos, poesia, boa comida, prosa boa. Mas o que adoro mesmo é a doceria portuguesa. Sublime!
Assista ao single Às Vezes Amor
Serviço
Zeca Baleiro – Canções d’Além-mar
Onde comprar: https://ps.onerpm.com/cancoesdalemmar