José Pedro Soares Martins
Na manhã desta sexta-feira, dia 4 de setembro, foi protocolado na Prefeitura de Campinas o pedido de início de processo de tombamento do sítio histórico da Vila Industrial, bairro fundamental para a preservação da memória e do patrimônio cultural e ambiental do município. O pedido foi feito pela arquiteta Ana Villanueva e pelo advogado Elias Wilson Pereira da Silva, em conjunto com os 1,247 cidadãos que participaram de abaixo-assinado solicitando o tombamento.
O abaixo-assinado e o pedido formal de tombamento são consequência da forte mobilização motivada pela pavimentação com asfalto da rua João Teodoro, na Vila Industrial, originalmente coberta com paralelepípedos. A pavimentação da via pública, na manhã do dia 24 de agosto, foi noticiada em primeira mão (aqui) pela Agência Social de Notícias.
O temor pelo avanço da descaracterização do bairro levou a arquiteta Ana Villanueva, que é moradora da Vila, a ter a iniciativa de criar o abaixo-assinado na plataforma Change, na Internet. Em poucos dias o abaixo-assinado recebeu o apoio de 1.247 pessoas, que agora integram o pedido formal de tombamento, feito junto ao Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), atualmente presidido pelo secretário municipal de Cultura, Ney Carrasco.
O pedido de tombamento
Acompanhado de farta documentação, iconográfica e textual, o pedido de tombamento nota que já existem bens tombados na Vila Industrial e alguns processos específicos de tombamento, em termos de patrimônio material (como a Igreja de São José e Casa Paroquial) e imaterial (como o Teatro José de Castro Mendes, tombado pelo seu uso para manifestações artísticas).
O que os signatários estão pedindo é, então, o tombamento de todo sítio histórico, ampliando o conceito do tombamento do patrimônio material e imaterial e incluindo por exemplo as ruas de paralelepípedo, conjuntos de imóveis e praças. De modo específico, solicitam o tombamento dos sítios históricos onde estão localizadas as antigas casas de operários das companhias Paulista e Mogiana de ferrovias, que deram origem à Vila Industrial e estão relativamente preservadas, em razão dos obstáculos naturais criados pela presença dos trilhos.
Os signatários também pedem a restrição de gabarito de construção em alguns pontos, para contribuir na proteção ou visibilidade dos bens que já são ou serão tombados, como no caso da Igreja de São José, que é um marco na paisagem da área onde está localizada. Os signatários do pedido de tombamento argumentam com o direito à paisagem, como citado por grandes nomes como os geógrafos Milton Santos e Aziz Ab´Saber.
O documento cita a respeito, como exemplo, o tombamento dos bairros Pacaembu e Perdizes, em São Paulo, pela Resolução 42/92 do Condephaat, o órgão estadual de proteção do patrimônio histórico e cultural. A justificativa para o tombamento desses bairros foi a seguinte: “Considerando as extraordinárias finalidades ambientais e paisagísticas decorrentes de implantação do bairro do Pacaembu nas encostas do vale do ribeirão de mesmo nome; considerando a excelência do traçado urbano e topografia que o caracterizam, decorrentes do loteamento empreendido pela Companhia City de acordo com os princípios básicos da “gardencity” inglesa; considerando a significativa taxa de densidade arbórea e alta porcentagem de solos permeáveis capazes de garantir climas urbanos mais amenos para a cidade como um todo”. Outros exemplos clássicos de tombamento de sítios históricos são os de Ouro Preto e outras cidades do Ciclo do Ouro em Minas Gerais e o centro histórico de Paraty (MG).
Plano Diretor reforça pedido de tombamento
O pedido de tombamento liderado pela arquiteta Ana Villanueva e o advogado Elias Wilson Pereira da Silva nota ainda que a preservação de sítios históricos em Campinas foi prevista no novo Plano Diretor do município, de 2018, com a criação das Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPECs).
O artigo 108 do Plano Diretor, apresentado pela Prefeitura, discutido em audiências públicas e aprovado pela Câmara Municipal, prevê que as ZEPECs são criadas “como instrumento urbanístico que visa identificar e fortalecer tanto as porções do território destinadas à preservação, valorização e salvaguarda dos bens e atividades culturais, quanto os espaços e estruturas que dão suporte a esses bens e ao patrimônio imaterial”.
O artigo 109, por sua vez, estipula que para o enquadramento como ZEPEC “as porções do território deverão conter imóveis ou áreas tombadas ou protegidas por legislação municipal, estadual ou federal, por meio dos seguintes instrumentos legais: I – tombamento; II – inventário do patrimônio cultural; III – registro do patrimônio imaterial”.
O artigo 111 destaca que as ZEPECs podem se caracterizar, por exemplo, por “sítios e logradouros com características ambientais, naturais ou antrópicas, tais como parques, jardins, praças e formações naturais significativas bem como seu entorno”.
Atendendo a esses princípios, o Plano Diretor contemplou, no artigo 114,a criação de ZEPECs justamente na Vila Industrial e também de Barão Geraldo, Centro, avenida John Boyd Dunlop e APA de Campinas, onde estão os distritos de Sousas e Joaquim Egídio.
Importância também ambiental
O pedido formal de tombamento do sítio histórico da Vila Industrial nota também que, além da importância histórica, o bairro apresenta uma relevância ambiental estratégica para uma ampla região da cidade. O documento cita o geógrafo Marcos Roberto dos Reis, morador na Vila Industrial, e sua observação sobre o fato de que os trilhos das companhias Paulista e Mogiana foram instalados em uma área de topo, que é divisor de águas.
A estações da Paulista e Mogiana foram instaladas em uma região a partir da qual as águas pluviais escorrem, no sentido Centro, para o córrego Serafim (avenida Orosimbo Maia) e ribeirão Anhumas (avenida José de Sousa Campinas, a Norte-Sul), e no outro sentido para o córrego Piçarrão, justamente no lado da Vila Industrial. A impermeabilização das vias públicas e a obstrução e canais de drenagem, por construções inadequadas, resultariam em sérios problemas ambientais na região, como enchentes e até o aparecimento de voçorocas, como aquela que já ocorre na Vila Industrial.
Dessa forma, o tombamento do sítio histórico da Vila Industrial também terá um efeito benéfico em termos ambientais, reforça o pedido oficial de tombamento, igualmente encaminhado à Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural (CSPC), órgão técnico de apoio ao Condepacc.