Por José Pedro Soares Martins
Com o recrudescimento da pandemia, de forma associada ao fim do auxílio-emergencial por parte do governo federal, piorou a situação econômica de milhares de famílias de baixa renda, moradoras em áreas mais vulneráveis à Covid-19 em Campinas. O cenário inquietante levou a Fundação FEAC a estruturar uma nova fase da campanha Mobiliza Campinas, que será lançada nos próximos dias, voltada para a arrecadação de recursos destinados à segurança alimentar nesses bolsões de vulnerabilidade.
“É uma resposta da FEAC à situação muito preocupante dessas famílias. Vamos buscar recursos próprios e de parceiros, como aconteceu na primeira fase da campanha”, afirma o superintendente socioeducativo da Fundação FEAC, Jair Resende. Segundo ele, estão sendo consolidados os últimos preparativos para o lançamento da Mobiliza Campinas II e nos próximos dias será anunciado o formato adotado, com informações sobre como é possível colaborar.
Em 2020, mais de 6.300 famílias em situação de vulnerabilidade social foram beneficiadas pelo Mobiliza Campinas. As famílias foram identificadas com o apoio de 65 organizações da sociedade civil que atuam nas regiões mais vulneráveis socialmente e também à Covid-19.
Considerando a necessidade de diminuir os riscos de contaminação e buscando garantir a autonomia das pessoas na escolha dos seus alimentos, foram distribuídos cartões de alimentação que podiam ser usados no comércio local. Os cartões foram distribuídos com o suporte e monitoramento das organizações parceiras.
Estudo da FEAC antecipou áreas mais vulneráveis – O trabalho de identificação das famílias mais vulneráveis foi facilitado pelo estudo que a Fundação FEAC realizou e lançou logo no início da pandemia, em março de 2020. Foi o “Mapeamento das populações mais vulneráveis ao coronavírus e as áreas de risco em Campinas“.
Como explica o superintendente Jair Resende, foram utilizados os dados do Censo 2010 para a identificação das áreas mais vulneráveis, considerando três dimensões ou indicadores: 1. Densidade demográfica, na medida em que um território com grande concentração de pessoas facilita a propagação do SARS-CoV-2; 2. População com 60 nos ou mais, por ser essa faixa etária a mais suscetível à Covid-19; e 3. Saneamento básico, considerando que a existência de rede de água e esgoto é essencial para as necessárias medidas de higiene.
Grande parte das ações da primeira fase da campanha Mobiliza Campinas foi concentrada para famílias localizadas nesses territórios de vulnerabilidade. E de fato os números da evolução da pandemia confirmaram que áreas identificadas no levantamento da Fundação FEAC estiveram entre as de maior letalidade e coeficiente de mortalidade para Covid-19 no ano de 2020.
Foi o que revelou o Boletim Epidemiológico 31 sobre a Covid-19, divulgado a 30 de dezembro pela Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. Segundo o boletim, entre as áreas de maior letalidade ao longo de 2020, estas tinham sido apontadas no Mapeamento promovido pela Fundação FEAC: Parque Floresta (letalidade de 2,8% no ano e de 7,7% entre 23 de novembro e 23 de dezembro), DICs (DIC III – coeficiente de mortalidade de 148,9 por 100 mil habitantes e letalidade de 3,1% no ano, DIC VI – coeficiente de 171,3/100 mil e letalidade de 4,7% no ano), Campo Belo (coeficiente de 117/100 mil e letalidade de 4,4% no ano) Região Central (coeficiente de 152,5/100 mil e letalidade de 3,8%) e Florence (coeficiente de 135,9/100 mil e letalidade de 2,9%). A área correspondente ao Centro de Saúde do Centro teve o maior número de óbitos por Covid-19 em 2020 por unidade de saúde: 115.
O mapeamento promovido pela Fundação FEAC inspirou a realização de trabalho semelhante, por pesquisadores do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. O Mapeamento de Áreas de Risco Coronavírus Campinas (SP) considerou dados do Censo do IBGE de 2010 e imagens de satélite para analisar novas áreas que surgiram no município desde aquele ano, ou áreas que se modificaram desde então.
O trabalho do Grupo de Pesquisa Nepo/Unicamp Diversidade da Periferia considerou os indicadores: Densidade Demográfica, Assentamentos Precários e Favelas, Pessoas com mais de 60 anos, Média de Moradores por Domicílio, Número de Banheiros por Habitantes e Responsáveis pela Casa com Renda de Meio a Um Salário Mínimo. O Mapeamento promovido por pesquisadores do Nepo/Unicamp apontou áreas de vulnerabilidade onde igualmente ocorreram altos coeficientes de mortalidade e letalidade, segundo os dados da Secretaria Municipal de Saúde.
Cenário preocupante para as organizações sociais – O superintendente socioeducativo da Fundação FEAC, Jair Resende, nota que é igualmente preocupante a situação das próprias organizações sociais que atendem as populações mais vulneráveis em termos socioeconômicos em Campinas.
“As organizações sofreram o impacto da pandemia, tiveram importante redução de recursos”, diz Resende. Ele observa que muitas atividades que eram realizadas pelas organizações para auxiliar em sua manutenção, como festas e bazares, não puderam funcionar em 2020 em razão das restrições impostas pela pandemia. Também houve redução de recursos repassados pelo poder público.
As dificuldades derivadas da pandemia já haviam sido detectadas em outro estudo promovido pela Fundação FEAC, sobre “O Impacto da Pandemia nas Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Campinas”. Para a coleta de informações foi utilizado um questionário, encaminhado via online entre os dias 16 e 19 de junho de 2020 para presidentes e gestores das OSC, com perguntas abertas e fechadas em sua maioria de múltipla escolha, com vários assuntos. Foram coletadas e analisadas as respostas de 66 organizações, entre 71 para as quais a Fundação FEAC enviou os questionários.
Sobre o funcionamento das OSC durante a pandemia, 61% delas informaram a ocorrência de atendimentos e contatos parciais e pontuais com seu público, 21% apenas com atendimentos remotos e somente 6% indicando que não estavam prestando nenhum tipo de atendimento. Ou seja, a imensa maioria das organizações manteve contato com seus públicos, ainda que parcialmente, de forma pontual ou remota.
A distribuição de alimentos e remédios foi a atividade principal durante a pandemia para a imensa maioria das organizações entrevistadas: 77% informaram que executaram essa ação. “Muitas organizações fizeram esse trabalho, que normalmente não realizam, em fundação das urgências determinadas pela pandemia”, comenta o superintendente Jair Resende. Ele assinala que a distribuição de alimentos ocorreu na comunidade onde a OSC está inserida, mesmo que a família não seja atendida normalmente pela organização.
A pesquisa também revelou que as doações individuais diminuíram para 52% das OSC, enquanto para 55% das organizações a captação de recursos próprios, como bazares, eventos, aluguéis, também teve drástica redução. Um panorama muito preocupante, para as famílias atendidas e para as próprias organizações sociais de Campinas. Pesquisas realizadas pela Fundação FEAC e órgãos como o Nepo têm sido fundamentais para o monitoramento e indicação de caminhos para o enfrentamento da pandemia. (Publicado originalmente no portal Ecosocial Campinas).