No ano em que completa seis décadas, a Fundação FEAC está mudando seu modelo de atuação para aumentar o impacto positivo nas populações mais vulneráveis de Campinas. A reformulação mantém o apoio a mais de 100 projetos no município, mas inclui também ênfase em melhorar a gestão das organizações da sociedade civil (OSC), fazer parcerias com mais setores e trabalhar no desenvolvimento dos territórios mais vulneráveis da cidade. A previsão para 2024 é destinar R$ 37 milhões a iniciativas sociais — um salto de 20% em relação a 2023.
A atuação passa a ter protagonismo ainda maior dos grupos beneficiados e a buscar mais intensamente a colaboração de outras organizações, governos, empresas e universidades. A ideia é, assim, poder implantar ações inovadoras que contribuam para melhorar o bem-estar de quem mora em Campinas e sirvam de exemplo para outros lugares. As áreas prioritárias são crianças, adolescentes, jovens e famílias em situação de vulnerabilidade.
“Estamos iniciando um novo capítulo na história da FEAC. Nossa pretensão é gerar mudanças concretas, fazer inovações em pequena escala que possam virar políticas públicas e se tornarem modelos para serem feitos em grande escala”, diz o presidente do Conselho Curador da FEAC, Renato Nahas. “Campinas representa o melhor e o pior do Brasil. Tem universidades e empresas de ponta, mas tem desnutrição. Nossa missão é implantar aqui projetos bem-sucedidos que inspirem outros territórios.”
O que mudou?
Todas as ações da FEAC vão mirar um norte, uma meta clara: garantir bem-estar equitativo em Campinas, inspirando outros lugares. Esse direcionamento consolida mudanças que vêm sendo desenhadas há mais de cinco anos. A primeira grande mudança começou em 2018, com a transição da filantropia básica, baseada na doação institucional de recursos, para o financiamento de projetos, com monitoramento e medição de impacto, numa lógica de investimento social privado. A partir de então, elas passaram a ter apresentar um plano detalhando ações a serem executadas, metas e investimentos necessários, explica o superintendente
socioeducativo da FEAC, Jair Resende.
Agora, a FEAC passa a ter “uma visão clara de transformação”, destaca Resende. O apoio a projetos se mantém, mas de modo mais direcionado e coeso. O objetivo é gerar mudanças profundas e desenvolvimento efetivo para as áreas carentes de Campinas. “Projetos de forma isolada não fazem essa mudança”, afirma o superintendente socioeducativo.
Os três eixos do novo modelo
A meta de assegurar bem-estar de modo equitativo, admitem as lideranças da FEAC, é ambiciosa. “Quando você se dá um norte com essa ambição, joga a barra lá no alto. É um norte e ao mesmo tempo é um sonho”, diz a coordenadora do Comitê Socioeducativo, Françoise Trapenard. Nesse quadro, a FEAC tem sobretudo um papel aglutinador. “Sozinhos, não temos como abraçar um norte desse tamanho”, afirma.
A FEAC avalia que, para melhorar o bem-estar das comunidades de modo equitativo, é crucial contar com as organizações da sociedade civil e fortalecê-las, e esse é o foco do eixo 1. Elas conhecem muito bem o público que atendem, mas precisam trabalhar com eficiência e gerar impacto. “É preciso investir em capacitação, ter plano estratégico, plano de comunicação, profissionais com formação adequada”, exemplifica Jair Resende. “Sem isso, é difícil que elas cumpram sua missão.”
Para isso, poderão receber apoio da FEAC em frentes como profissionalização e melhoria da gestão; impulso a novas organizações, como coletivos, grupos comunitários, lideranças de bairro e pequenas OSCs; fortalecimento de empreendedores sociais; mensuração de resultados, e consolidação e disseminação de
metodologias.
A transformação significativa de uma comunidade precisa envolver vários setores. O eixo 2, Colaboração Intersetorial, busca justamente enfatizar a necessidade de juntá- los de forma coordenada. “A força da FEAC é sua capacidade de agregar, de trazer agentes públicos, Prefeitura, concessionárias de serviços, rede de autarquias – enfim, vários atores para ajudar a resolver questões que dependem muitas vezes de ações
que não seriam possíveis apenas com a rede que está instalada num determinado território”, diz Françoise Trapenard.
A parceria pode se dar junto a governos, a fim de aumentar a capacidade de influenciar políticas públicas, ações e destinação de recursos para projetos de desenvolvimento territorial; empresas, por meio de apoio financeiro a projetos ou parcerias; academia, para contribuição em diagnósticos, mapeamentos, estudos,
construção de indicadores e registro de metodologias que deram certo, e sociedade civil, com a mobilização para causas sociais, participação em comissões e conselhos municipais, ocupação de espaços de planejamento e decisão.
O fortalecimento das organizações da sociedade civil e a ampliação e intensificação das parcerias serão preferencialmente voltados para o apoio sistemático e articulado a regiões específicas – é o que se chama, no setor, de desenvolvimento territorial, objetivo do eixo 3. O aporte a projetos temáticos continua, mas o objetivo é ter uma visão abrangente das dificuldades de cada área para poder melhorar os indicadores dos locais mais vulneráveis de Campinas em áreas como educação, mobilidade, urbanismo, saúde e segurança.
“A gente tem que ser capaz de mostrar que, sim, é possível romper o ciclo da vulnerabilidade agindo de forma sistemática e intencional, juntando diversos atores, usando as forças dos territórios, porque neles não há só debilidades”, afirma Françoise Trapenard. “De território em território, vamos pouco a pouco promover o bem-estar na cidade de Campinas.”
A atuação neste eixo vai envolver, entre outros pontos, entender o território (por meio de consultorias, estudos técnicos, processos participativos e mapeamento de equipamentos, serviços públicos, organizações, redes sociais e lideranças), além de conectar entidades e iniciativas locais para que os serviços se complementem e atendam de forma mais ampla as necessidades de cada região.
O objetivo é transformar junto com as comunidades, por meio da criação de espaços de participação para identificar carências e soluções, e para gerir e executar projetos. “Um dos maiores equívocos é chegar a um território vulnerável e achar que sabe do que eles precisam. O que você tem de fazer é construir junto com a população, para ela se apropriar daquilo”, afirma Renato Nahas. “A transformação vem daí: ouvir as
pessoas, identificar prioridades junto com a comunidade para que participem do processo e articular para que tenham acesso aos serviços públicos.”
A FEAC vai começar ainda neste ano a implantar um projeto inovador e de longo prazo: elaborar um plano de desenvolvimento sustentável em uma região específica da cidade. “Outros territórios não serão abandonados, vamos continuar atuando neles, mas queremos criar um case”, diz Nahas.