Por Tiago Gonçalves
A bordo de um veículo off-road cor-de-sol, dois malabaristas para lá de irreverentes resolveram circular por todos os cantos de Campinas, em dez espetáculos. No porta-malas deste veículo, movido a aventura e a diversão garantida, a dupla carrega alguns atributos essenciais para a cena teatral: talento, diversidade nas artes circenses e íntima interação com o público. Aliás, todas essas características são fundamentais para a turnê do espetáculo Circulando por Campinas, assinada pela premiada Cia. Los Circo Los. Os espetáculos de estreia serão realizados sábado (18/7), às 13h40, na Estação Cultura, e domingo (19/7), às 11h, na Lagoa do Taquaral (Portão 1).
Criado a partir da estética do teatro de rua, Circulando por Campinas propõe algumas combinações entre três virtuoses das artes circenses: malabarismo, acrobacia e a comicidade dos palhaços de picadeiro. Da primeira habilidade, a plateia conferirá com olhos atentos malabares de contato (bola de cristal), com claves e bolinhas (tradicionais da lona), além de um instigante número com facas. Por sinal, essa investigação tem sido o norte da pesquisa desenvolvida pelos artistas Rodrigo Mallet e Vitor Poltronieri desde a fundação da trupe, em 2004.
A fim de intensificar as tintas de comicidade da montagem, a dupla convidou o palhaço Esio Magalhães, integrante do Barracão Teatro e intérprete de Zabobrim, para contribuir com a dramaturgia, bem como assinar a direção do espetáculo. “Busquei trabalhar a comicidade principalmente na relação entre os dois, o que é muito característico nos antagonismos das duplas cômicas. Enquanto um é menor, o outro é maior, enquanto um é mais da ordem, o outro se apresenta mais excêntrico. Trata-se realmente de uma relação arquetípica, que dá muito jogo entre as personagens e também na relação dos dois com a plateia. Nesse espetáculo, a comicidade é um acontecimento surpreendente”, explica Esio.
A plateia não está esquecida durante o espetáculo. Pelo contrário, até para reafirmar a estética dinâmica e participativa da teatralidade da rua, o público se torna ator principal em determinados momentos da trama. “Os espectadores são fundamentais. Além de serem cúmplices dos jogos propostos pelos atores, eles são partes integrantes do espetáculo, tanto participando efetivamente de algumas cenas quanto influenciando as personagens nas tomadas de decisões. A montagem é muito interativa”, explica Vitor Poltronieri.
Apesar de ser o carimbo cronológico de passaporte pelas sensações saboreadas pelo público, como o suspense, a comédia, o romance e o encanto; a presença de três malas na cena tem um significado simbólico durante a trama. “Elas são o nosso cenário que está em diálogo com a rua. Além de pontuarem o início, o meio e o fim do espetáculo, esses objetos de tamanhos diferentes resumem a trajetória de nossas vidas. Até porque, ao passar dos anos, nossa bagagem de conhecimento e de vivência vai sempre aumentando, tal como as malas desses dois malabaristas”, destaca Mallet.
O enredo
Ao centro de uma roda, os espectadores são instigados pela presença de três malas. Detalhe: cada uma de um tamanho distinto. De repente, dois malabaristas interrompem a observação do Respeitável Público. Dito e feito: o jogo entre os artistas e a plateia está construído. Tudo, é claro, sob a estética desafiadora e afiada do teatro de rua. “Tal como o malabarismo, a rua tem uma característica muito forte: a imprevisibilidade. Gostamos do que acontece sem estar programado. Nós interagimos com isso, além desse ponto ajudar com que o espetáculo cresça em qualidade e em duração”.
Na cola dessa dupla, que exala a graciosidade dos tradicionais narizes pintados do picadeiro, a plateia vive instantes de queixo caído (virtuose com oito claves), de romance (número com a plateia ao som The Total Eclipse of the Heart) e de tensão (número arriscado com facas). “Todas as manobras feitas têm uma evolução rítmica e refletem o próprio jogo entre os personagens, além de serem motivos para cada vez mais entendermos as lógicas de cada um deles. Mesmo com a excelência na arte do malabarismo, o jogo cômico entre os atores faz com que seja uma obra aberta à improvisação e ao erro. Buscamos deixar o jogo do malabares ainda mais divertido e participativo”, destaca Mallet.
A plateia
A irreverência do espetáculo acompanha o espectador por dias a fio. Para o açougueiro Rogério Aparecido Mascarini, o jogo entre os atores e a plateia se torna o ponto forte da montagem. “Ótimo, uma forma de entretenimento muito legal. Os dois prendem a atenção da plateia em todos os momentos. Ficamos presos e com vontade de participar das cenas, como foi o meu caso. Achei bastante interessante a forma como eles conduziram a presença do público na peça”, avalia Rogério.
Sensação parecida saboreou a advogada Mariana Belone durante a pré-estreia do espetáculo no Centro de Convivência, em Campinas. Inevitável: amor à primeira participação no teatro de rua. “Uma vez, em um circo, o palhaço já tinha me pegado para ajudar em uma brincadeira. No espetáculo Circulando por Campinas, foi bem diferente. Achei sensacional e não esperava que minha participação fosse tão divertida. Espetáculos como esse deveriam estar sempre presentes nas praças”, destaca Mariana.
Projeto Circulando
Financiado pela edição 2014 do FICC (Fundo de Investimentos Culturais de Campinas) na categoria Artes Cênicas, a turnê de Circulando por Campinas prevê a apresentação de dez espetáculos em diversas áreas da cidade. Além de espaços abertos ao público, como o Centro de Convivência, a Estação Cultura e a Lagoa do Taquaral, a temporada também aterrissará nas cinco unidades do Núcleo de Ação Educativa Descentralizada de Campinas (NAED).
Detalhe: Circulando por Campinas se trata de uma ramificação dentro de um ousado projeto nacional capitaneado pela Los Circo Los, o Circulando Por AÍ. Ainda em fase de inscrição e aprovação em editais estaduais e nacionais, a ação prevê novas turnês do espetáculo por todas as regiões do Brasil, entre as quais Circulando Sobre Rodas (cidades do Estado de São Paulo) e Circulando na Real (municípios da Estrada Real). “A natureza do espetáculo permite isso: circular com o Circulando por lugares que a gente possa imaginar e até mesmo não imaginar”, resume Vitor.
A trupe
A Los Circo Los nasceu a partir de um encontro casual entre os artistas Rodrigo Mallet e Vitor Poltronieri. Desde o início da trupe, em 2004, a dupla investiga as inúmeras potencialidades e os diversos encontros possibilitados pelas virtuoses das artes circenses, entre as quais o malabarismo, as acrobacias individuais e coletivas, bem como a palhaçaria clássica dos picadeiros. No repertório, além de Circulando por Campinas, a trupe conta com outros três espetáculos: A Magia do Circo, Versão Brasileira e OlimPIADAS. Em 11 anos de estrada, a Los Circo Los arrebatou diversos prêmios em festivais pelo Brasil, entre os quais Festival de Teatro das Agulhas Negras (FESTAN) e Festival de Teatro de Paraguaçu Paulista (FETEAPP).