Por José Pedro Martins
Uma outra cidade é possível, a cidade dos afetos, do respeito aos direitos humanos fundamentais, da hegemonia da beleza. Esta a mensagem essencial, um grito de esperança, da Coletiva de Fotografia Contemporânea “Cidade Imaginária”, de Celso Palermo, Fábio Fantazzini, Martinho Caires e Fernando Righetto, e com a participação como convidados de vários outros fotógrafos-artistas. A mostra fica em cartaz, com entrada franca, até 2 de novembro no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC).
Um novo, aliás, diversos novos olhares sobre a cidade. Novas perspectivas, novas possibilidades. Os quatro profissionais sacodem os pilares da fotografia para confirmar o poder transformador dessa linguagem artística e documental que mudou a forma de se ver o mundo e que agora, em plena Idade Mídia, de profusão de câmeras digitais e celulares, se reinventa e ajuda a redesenhar as relações humanas e da cultura com a natureza.
Cada membro do quarteto escolheu um jeito de expor suas fotos, e cada um deles também elegeu uma superfície, uma plataforma, para apresentar seu modo peculiar de enquadrar a sua, especial, cidade imaginária. São escolhas que exprimem uma ideologia, um modo singular de enxergar o que ainda não é visto mas que pode se revelar, na própria carne sangrada e florida da cidade.
Em comum, a busca de outros matizes de expressão, em sintonia com o clamor que vem das ruas, avenidas e praças de todo mundo, como no Brasil de junho de 2013. As instituições seculares estão em crise, assim como também estão em crise os meios de expressão, comunicação e relação humana. O novo está nascendo, e essa angústia, essa procura pela superação dos formatos tradicionais da fotografia (algo que já é comum no território das artes plásticas) ficam evidentes na coletiva.
Martinho Caires usou vinil adesivado em pvc expandido para demonstrar a sua visão de Cidade Imaginária. As suas onze imagens foram configuradas, em uma das paredes do MACC, como se fossem uma “nuvem” de tags na web. As tags da cidade, a cidade das tags, recortes que se multiplicam na rapidez da sociedade contemporânea. A dialética entre a cidade real e a cidade virtual, ambas a serem ocupadas pela cidadania planetária.
Nas fotos de Martinho Caires, objetos e lugares que povoam o cenário urbano assumem novas dimensões, permitem novas leituras, indicando ao cidadão que é possível encarar o local onde vive de um jeito novo, mais mágico, mais prazeroso e de fato seu. Nessa releitura, o cidadão pode descobrir ícones urbanos que ainda não havia percebido, imagens que ficam perdidas na selva de pedra.
Um hidrante e um totem são mais do que hidrante e totem, um bicicletário se transforma em uma tela moderna. A imagem que fica mais acima na “nuvem” é a de um convite à atuação na ágora, o espaço dos encontros, do debate, da discussão política em seu sentido original, da arte do bem público.
O figurino político, mas na linha da biopolítica, da política do corpo, da política que se faz no dia a dia, está explícito no trabalho de Celso Palermo. São 20 fotografias, expostas uma ao lado e acima e abaixo da outra, em formato horizontal, como a cultura da horizontalidade, da igualdade, que as imagens mostram.
São cenas de várias manifestações políticas registradas nos últimos cinco anos em Campinas, incluindo naturalmente as manifestações de junho do ano passado. O direito ao corpo, ao prazer, e também a crítica ao machismo, â intolerância, como sinais de uma nova cultura que nasce, do coração da juventude, mas também de todos os cidadãos que mantêm a sensibilidade acesa e atenta.
O autor usou imagens sobrepostas e o efeito dessa técnica remete ao espírito da mostra: existe a cidade oficial, de concreto e hierarquias, mas também existe a cidade real, a do suor, da dor e da felicidade. A juventude contemporânea não tem nada de despolitizada. Ela faz política além dos cânones usuais. E Celso Palermo captou, também em vinil adesivado, essa indignação santa e profana.
Fernando Righetto, por sua vez, usou tecido e acetato transparente para imprimir suas cinco imagens expostas no MACC. A velocidade, o dinamismo e a pressa da cidade de hoje foram capturados pelo fotógrafo, que fez um contraponto comovente com a bela imagem de uma cadeira escolar solitária, tendo ao fundo a cidade desfocada: quando a nossa educação vai refletir de fato o mundo que está lá fora, à nossa espera?
Outras perguntas, diferentes indagações, são suscitadas pelas cinco fotos de Fábio Fantazzini, que as expôs em um formato mais tradicional, embora com o mesmo material novíssimo em fotografia, o vinil adesivado. E, acima de tudo, com um discurso inquietante. Fragmentos da cidade, cenas de uma cidade que parece em ruínas, prenúncio do novo que está nascendo.
O conjunto é o de um texto poderoso. A fotografia pode ajudar, sim, na construção de novos tempos. O convite que os quatro profissionais fizeram a outros fotógrafos para expor juntos, o que foi feito também na forma similar à de uma “nuvem” de tags, diz tudo: venham, o tempo é o do coletivo, é o da união, é o da comunhão, apesar de nossa rica diversidade.
(Participam da Cidade Imaginária, como convidados: Daniel Gallo, Gil Caldas, Nelson Chinalia, Del Pilar Sallum, Gustavo Olmos, João Chimentão, Isabela Senatore, William Marques, Kamá Ribeiro, Damaris Galvez, Leonardo Alves, Isac Marcelino)
Estive na mostra. Muito interessante! E aqui, as belas imagens provocam a genial literatura de Pedro Martins. Qual a próxima linguagem a reluzir neste diálogo!?
Muito obrigado Galvão, vamos tentar acompanhar o parto do novo, que está acontecendo aqui e ali. Abs