Por Regina Márcia Moura Tavares
Sempre gostei da frase latina atribuída a Júlio César, imperador de Roma, por ocasião de uma de suas conquistas: “Alea Jacta est”, cuja tradução em português uso como título deste meu texto. Também, “Audaces Fortuna Juvat”- A sorte ajuda os audazes, o verso na Eneida de Virgílio, norteou muito dos meus anos de vida acadêmica e de atitude cidadã, desde que em Campinas pousei, no limiar dos anos 70.
De lá para cá, fui amealhando dados e, sem qualquer pretensão de fazer uma tese acadêmica ou escrever um livro sobre a sociedade e a cultura da cidade, visto meus objetivos serem mais específicos, ouso dizer que Campinas não consegue dar um passo na direção de uma metrópole contemporânea, pois ainda mantém relações com os poderes constituídos tipicamente patrimonialistas, próprias de um forte baronato que aqui se instalou na segunda metade do século XIX e início do XX.
Terra de republicanos valorosos, de homens ilustres, de escolas competentes e de um desenvolvimento artístico condizente com sua liderança econômica no cenário nacional, durante décadas, a cidade habituou-se a esperar da classe que administra os bens públicos um comportamento que mantenha os valores culturais que a distinguiram das demais no passado, sem levar em conta que a cidade não é mais a mesma.
O êxodo rural, na segunda metade do século XX, trouxe para os centros urbanos inúmeros segmentos sociais com legítimas diferenças culturais. Temos, hoje, cerca de oitenta e cinco por cento da população brasileira vivendo em cidades. A administração desse mosaico de culturas, próprio das grandes metrópoles, onde o que ambiciona A, não é o mesmo que quer B, C ou D, não é tarefa fácil.
Os campineiros, ditos “de origem”, precisam entender que os administradores municipais não são mais oriundos de uma única camada social da cidade que, no pretérito, abordada com uma boa conversa de gabinete e troca de benesses, atendia às suas demandas. Este modelo relacional está superado e a crise institucional que o país vive é a prova cabal disto.
Vivemos num mundo que se globalizou rapidamente, estamos perplexos diante dos novos desafios e ainda pautando nossos comportamentos de cidadãos por padrões superados, não adequados à nova realidade das grandes cidades. O público e o privado são esferas distintas e nossa jovem democracia somente sobreviverá se tal aforismo for assimilado pela população, rapidamente, pois os políticos estão em marcha lenta.
O que nos compete fazer neste novo momento da história de nossa cidade? Teremos solução para o abandono em se encontram os espaços culturais, tais como Teatros, Museus, Bibliotecas e outros Centros Culturais que desenvolvem atividades educativas Não Formais de grande importância para a expansão dos repertórios de todos os indivíduos da coletividade?
Sabemos que a Escola – Ensino Formal, não tem condições e nem deve oferecer toda a gama de informação cultural gerada no meio social, pois ela sempre foi um aparato ideológico do Estado, queiramos admitir ou não! Por outro lado, a avassaladora cultura de massa veiculada pelos canais televisão, pela internet e outras mídias, mantém a população alheia em relação à cultura local.
Usemos, pois, de ousadia, inteligência e sensibilidade, partindo para o exercício de uma cidadania adulta, neste século XXI. Cidadania esta que não implica em execrar os diferentes, ou competir com eles pelo olhar complacente dos poderes constituídos; mas, buscar através de organização racional, estratégica e legítima, unir todos aqueles que apreciam a Arte em suas mais variadas expressões, a Comunicação Museológica interativa e atraente, bem como os que sabem ser a Economia da Cultura a maior fonte de divisas dos países, objetivando a realização de propostas enriquecedoras para Campinas.
Estamos em tempo de fusões de todo tipo num mundo global, buscando a sobrevivência dos valores que presamos. Por que não se unirem todas as entidades culturais de Campinas numa Federação, ou em outro modelo jurídico adequado, visando melhorar suas performances e alcançar suas metas?
Deixemos de lado as lamentações e as disputas pequenas. Sejamos criativos e construamos um novo futuro!
Regina Márcia Moura Tavares é antropóloga, licenciada em Ciências Sociais pela USP, professora universitária aposentada (da PUC-Campinas), consultora, membro da Academia Campinense de Letras e de várias outras entidades nacionais e estrangeiras e escritora, autora dos livros “Brinquedos e Brincadeiras: Patrimônio Cultural da Humanidade” e “Mudança de Rumo, Já: Herança Cultural, Preservação e Desenvolvimento”. Mais de 50 artigos, frutos de pesquisa e de trabalhos de extensão na área de sua especialidade encontram-se publicados em inúmeras revistas acadêmicas e nos anais de congressos do Brasil e do exterior. Seu projeto “Brinquedos e Brincadeiras: Patrimônio Cultural da Humanidade” recebeu da UNESCO em 1990 o selo “Década Cultural Mundial” e continua sensibilizando estudiosos da questão desse patrimônio intangível em todo o mundo.
Muito lúcido e denso! Porém, creio que um “grupo dinamizador”, mais autônomo e com o exato propósito iluminado pelo artigo, seria mais realista. Uma federação traria um ar mais oficial, portanto, mais atrelado àquelas regras de representatividade, de direitos e outros quesitos – sem dúvida, importantíssimos – mas usualmente tomados para tentar garantir visibilidade a pessoas comprometidos com projetos eleitorais. Um grupo dinamizador não teria ingerência, mas uma presença “agitadora” ao lado de tantos quantos manifestassem – enquanto grupos culturais – interesse em REALIZAR ou OFERECER algo ao público.
Em todo caso, não estou simplesmente negando a ideia de uma federação. É uma questão de discutirmos, para que eu e outros interessados se esclareçam mais. Porque, afinal, algo precisa ser FEITO!