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LISBOICES: Túnel do Tempo
Bar Margem Sul

LISBOICES: Túnel do Tempo

Por Eduardo Gregori

Lisboa é uma metrópole de contrastes e é isso que mais me fascina na Cidade das Sete Colinas. Passo todos os dias pela Avenida das Amoreiras e me sinto na Berrini, em São Paulo, com seus edifícios feitos em aço e vidro e de alturas vertiginosas. Mais adiante o ônibus passa pelo Aqueduto das Águas Livres, construído nos anos 1700, inteiramente preservado e quase como uma moldura para as estradas que passam sob seus arcos ligando Lisboa de norte a sul.

Viver em Lisboa é como ter a cada esquina um portal que te leva para o passado e logo outro que traz de volta ao presente. E não precisa ser uma construção histórica. Há pouco mais de um mês fui assistir a um show de uma drag queen em um bar de Alameda. Entro na casa e sou transportado para uma autêntica boate dos anos 1980 que tanto frequentei em Belo Horizonte e no Rio.

Hoje, uma casa noturna tem, no máximo, um bar, uma pista e a cabine do DJ. Mas o Bar Margem Sul tem uma sala de espetáculos com palco, muitos espelhos, mesas, cadeiras e poltronas para quem quer assistir ao show da noite. Este ambiente, além da luz indireta, é todo iluminado pelas velas no centro de cada mesa.

Para quem quer dançar a pista, bem no meio da casa, mais parece uma gaiola. Me lembro de muitas discotecas em BH que tinham gaiolas e até mesmo em Campinas, como a Pachá. O diferente é que naquela época a gaiola era para uma ou duas pessoas e aqui ficamos todos engaiolados.

A lembrança fica ainda mais forte quando vejo acender um cigarro. Sim, em alguns lugares fechados ainda é possível fumar. Faz anos que não dançava com um cigarro na mão, depois da proibição a gente se sente meio estranho com esse tipo de liberdade, como se estive fazendo algo errado.

Meu encontro com o passado se deu novamente em uma casa que tem nada menos que 45 anos de história, o Finalmente Club. A discoteca é a mais tradicional de Lisboa e mistura artistas, gays, intelectuais e toda a fauna que aprecia um cabaré e boa bebida.

Finalmente Club

Finalmente Club

Era uma segunda-feira e a casa estava lotada. Muitos turistas, homens, mulheres, gente jovem e gente de meia idade. Às 4h da manhã começa o show. Sabe aqueles filmes de ficção científica onde um movimento forte no ar leva os protagonistas para um outro tempo e espaço?

Foi exatamente a sensação que tive. As cortinas se abriram e diante do público um verdadeiro teatro de revista. Muito glamour, brilho, plumas, paetês e personagens que marcaram o tempo. Nada de Pablo Vittar, nem Anitta e nem estrelas atuais da música internacional.

As protagonistas dublam Lisa Minelli, Grace Jones e outras divas dos anos 70, quiçá alguma dos 80. As estrelas não estão sozinhas. O palco minúsculo não intimida o corpo de baile muito bem coreografado e vestido. Trata-se de uma gala em seu melhor estilo.

Se os gays de hoje não aprecia mais shows de drags em casas noturnas, no Finalmente o público literalmente para para ver e aplaudir quem ali se apresenta. E não existe show de drag. Aqui são travestis, mas não como conhecemos no português do Brasil. Em Portugal a arte do travesti é ser homem e render homenagem à uma diva e vestir-se tão bem quanto uma mulher possa o fazer. Era como chamávamos os transformistas até o fim dos anos 80.

O show termina e o DJ coloca um funk brasileiro. É como estar mergulhando fundo e subir a tona sem a devida descompressão. É um choque de realidade. Bem, mas há sempre uma nova noite para ir ao Finalmente ou ao margem Sul e entrar no túnel do tempo que habita Lisboa.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal