Berlim é definitivamente uma das capitais mundiais dos protestos. Dizem que ocorrem mais de 3 mil manifestações de rua por ano na cidade. Com uma história turbulenta, a cidade já viu protestos contra e a favor de muitas coisas. Em alguns casos, as manifestações fizeram história, em outros acabaram muito mal. Política e situação econômica sempre foram campeãs dos temas e mais recentemente os direitos civis, o meio ambiente e a liberdade de expressão estão na moda.
Em tempos de COVID-19 as manifestações também estão por aí. Não foram formalmente proibidas, mas acontecem sujeitas às regras de restrições ao contato social impostas pelo governo da cidade. Isso vale para todos, para quem é contra e para quem é a favor.
A liberdade de expressão é garantida, mesmo que adaptada ao momento. Na fase mais dura das restrições, as manifestações de rua só podiam reunir 50 pessoas, que eram confinadas pela polícia em uma área cercada, onde era garantida a distância mínima de 1,5 metros entre os participantes. Com o afrouxamento gradual das restrições, o número autorizado de participantes foi aumentando e atualmente não há mais limites. Na onda dos protestos mundiais que se seguiram à morte de George Floyd nos EUA, 15 mil pessoas se reuniram na Alexanderplatz, no centro de Berlim, em uma manifestação antirracismo. Ainda havia restrições, a polícia foi pega de surpresa, tentou dissolver a massa, não conseguiu e a coisa ficou um pouco tensa.
O último fim de semana de junho foi particularmente agitado. O repertório de manifestações de rua foi grande. Entre as principais, um protesto antifascismo e contra ações da extrema direita levou 2 mil pessoas às ruas do bairro de Neukölln. Artistas de circo e de parques de diversão foram reclamar da penúria em que se encontram com seus negócios fechados. Ativistas pelos direitos fundamentais de expressão e trabalho pressionaram pela abertura total dos negócios, com os argumentos de sempre: a pandemia não é isso tudo que tanto falam e a economia é mais importante. Carregaram junto os defensores de teorias conspiratórias. Um dos líderes desse movimento é um famoso chef de cozinha de Berlim, que afrontou a polícia e acabou detido.
Como esse ano não houve a famosa Parada LGBT+ de Berlim, uma das maiores do mundo, várias manifestações pela liberdade sexual acontecem pela cidade. A última foi no bairro de Schöneberg, que reuniu quase 2 mil pessoas. Pouca roupa e muita máscara.
Nas manifestações, todos devem usar máscaras e manter a distância de 1,5 metros dos outros manifestantes. A polícia está sempre presente e acompanha tudo, mas está ficando cada vez mais rara uma ação para dispersar a aglomeração. Parece que liberou geral.
Parece, mas ainda não liberou geral. Mais de 50 pessoas foram infectadas em um conjunto habitacional de imigrantes, que precisou ser isolado em quarentena. Berlin também controla agora a entrada na cidade de pessoas que venham de outros locais na Alemanha, onde a contaminação está aumentando, os chamados hotspots.
Segundo a imprensa, festas “clandestinas” realizadas de madrugada em parques da cidade, que aglomeram multidões de jovens, parques lotados de berlinenses tomando sol e um certo clima de “já passou…” levaram o índice R a subir temporariamente para mais de 2, quando o ideal é que seja menor do que 1 para que a transmissão seja contida. Passados alguns dias, o índice caiu e o relaxamento das restrições foi retomado.
Atualmente, todas as lojas podem abrir e os clientes precisam usar máscaras para fazer compras. Não deve haver incentivos, como assentos, para manter os clientes nos negócios por mais tempo do que o necessário. Isso também se aplica a shopping centers.
Restaurantes e bares estão abertos, mas alimentos e bebidas só podem ser consumidos nas mesas. Quando os clientes saem da mesa devem usar máscara, por exemplo, quando vão ao banheiro.
No transporte público, máscara obrigatória. A polícia fiscaliza e a multa inicial é de 50 euros, podendo chegar a 500 euros.
Os clubes e discotecas de Berlim ainda permanecem fechados. Triste para a cidade, famosa pela sua noite e suas baladas.
Cabeleireiros, piscinas públicas, academias de fitness e hotéis também reabriram e os cinemas ao ar livre (muito populares no verão) já podem exibir filmes novamente.
Os grandes eventos com mais de mil pessoas estão ainda proibidos. A cena dos grandes shows em arena está parada.
Depois de jogar duro e fechar quase completamente a cidade por quase 2 meses, agora o governo abre gradualmente, retoma as atividades e observa o efeito sobre a transmissão do vírus. Estando ok, abre mais. Se a contaminação aumentar, pode fechar de novo. A impressão é de que foi correta a dimensão dada ao problema, as ações foram bem planejadas e executadas com firmeza, com adesão da população. Parece que funcionou. Até agora, foram confirmados 8242 casos em Berlim, com 226 mortes.
Mas o impacto econômico é bem grande. O desemprego aumentou, negócios fecharam e o setor de turismo está sem chances de recuperação esse ano. Normalmente a cidade se enche de turismo nesses meses de verão.
Vida que segue e da regra ninguém escapa. O governador de um dos estados alemães pediu desculpas pelo Youtube por não usar máscara facial no aeroporto. Jornalistas e milhares de cidadãos usaram canais de mídia social para lembrá-lo de que ele havia sido flagrado sem a máscara.
“Foi um erro e me desculpem. Por favor, não tomem isso como um modelo.”
Newton Gmurczyk é antropólogo e profissional de elaboração e gerência de projetos culturais. Foi produtor musical em Campinas por 25 anos e fez parte do grupo musical Bons Tempos. Atualmente gerencia projetos musicais no Brasil e em Berlim. Trabalha também com memória corporativa e acervos históricos de empresas.
Há 4 anos deixou o Brasil para se engajar em uma experiência de voluntariado ligada ao budismo. Reside há dois anos em Berlim.