Agência Social de Notícias Notícias
Por José Pedro S.Martins
Às 15 horas e 30 minutos do dia 5 de novembro de 2015, o mundo veio literalmente abaixo para os moradores do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Com o rompimento da barragem de Fundão, da empresa de mineração Samarco, mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados na bacia do rio Doce, em um dos maiores crimes socioambientais da história do Brasil. A lama chegou a Linhares, no Espírito Santo, e até hoje os impactos são monitorados por pesquisadores. E pior: o rompimento resultou em 19 mortes, mas o caso ainda não foi a julgamento, apesar de várias comissões parlamentares de inquérito criadas e muitas investigações feitas.
Natural de Ponte Nova, cidade bem próxima de Mariana, e então já morando em Belo Horizonte, a fotógrafa Isis Medeiros decidiu ir logo para o território atingido, logo que soube do desabamento. “Desci para Mariana, com o Movimento dos Atingidos por Barragens e o jornal Brasil de Fato, com a intenção de saber o que estava acontecendo. Em um primeiro momento me foquei nas comunidades afetadas, na pessoas atingidas. Pessoas assustadas, vivendo em casas alugadas, que não podiam voltar mais para suas casas”, conta Isis.
Capa do livro de Isis Medeiros
Desde essa época a fotógrafa passou a documentar todas as consequências sociais e ambientais do episódio e um dos resultados é o livro “15:30″, titulo com uma lógica referência ao horário do desabamento da barragem e que foi lançado no último dia 30 de novembro, em live às 19 horas. A live foi transmitida pelo canal da Editora Tona no Youtube e teve a presença do pensador e líder indígena Ailton Krenak, autor do prefácio do livro, que reúne 71 fotos de Isis Medeiros e ainda cartas de mulheres atingidas escritas à fotógrafa e um mapa (em anexo). O livro está em pré-venda no site da Editora Tona (aqui).
Um longo trabalho de pesquisa, que começou nas duas semanas posteriores ao rompimento da barragem, em que a fotógrafa permaneceu a Mariana, e prosseguiu nas diversas viagens que fez a partir daquele momento a grande parte do espaço atingido pelo crime socioambiental. “Decidi documentar pois foi algo que me afetou muito, me chocou muito. Fui entendendo que ser mineira não era apenas nascer e crescer em um território onde as pessoas são acolhedoras, servem com carinho o cafezinho com pão de queijo. Era também nascer e viver uma terra completamente explorada por interesses internacionais, especialmente pela mineração, que continua sendo responsável por grande parte da economia do Estado”, diz Isis.
Isis Medeiros: por um reflexão profunda sobre os impactos da mineração (Foto Divulgação)
“E essa atividade econômica, que aparece prometendo o desenvolvimento, leva muito e deixa pouco. Assim me envolvi cada vez mais em entender o que é a mineração, quais são os seus impactos e a sua dimensão. Entendi que o meu papel era o de ajudar a desconstruir essa imagem da mineração como mãe, como pai protetor, mas que na realidade tem resultado em muita violação de direitos das pessoas das comunidades locais”, continua a fotógrafa.
Arte da live que terá a participação de Ailton Krenak e convidadas especiais
Isis lembra que cerca de 2 mil pessoas estão hoje vivendo longe de suas casas, em 10 municípios de Minas Gerais, em função do risco de novos desabamentos, como os que ocorreram em Mariana e, depois, em Brumadinho. “É preciso falar sobre isso, o livro contribui com o debate mais que necessário”, afirma a fotógrafa, que é formada em Design pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Escola destruída, impacto do rompimento da barragem da Samarco (Foto Isis Medeiros)
Ela se tornou fotógrafa popular a partir dos seus projetos documentais junto aos movimentos sociais e à luta e empoderamento das mulheres, denunciando as violências do Estado e as violações de direitos humanos. Isis realizou entre 2016-2018 o projeto de 100 releituras fotográficas ‘Mulheres Cabulosas da História’ e a série foi premiada com a medalha ‘Clara Zetkin’, que destaca mulheres com iniciativas transformadoras. Ela é integrante da Coletiva Mamana e uma das fundadoras do ‘Fotografia pela Democracia’, grupo nacional de fotógrafas e fotógrafos que lutam em defesa da democracia e dos direitos humanos no Brasil, fundado em 2018.
Impactos na bacia do Rio Doce são monitorados até hoje (Foto Isis Medeiros)
Em 2019 recebeu menção honrosa no Primeiro Congresso de Fotógrafas Latino Americanas e foi a única brasileira destacada no concurso. Seus trabalhos já circularam em exposições individuais e coletivas em Minas Gerais, Espírito Santo, Brasília e São Paulo, além de países como Canadá, França e Espanha. No Brasil, seus trabalhos já foram veiculados em jornais como Folha de São Paulo, The Intercept, BBC, Huffpost, Brasil de Fato, Jornalistas Livres e Revista Cláudia. Publicou curtas documentais pela National Geografic e Greenpeace. Seu último trabalho documental, intitulado ‘Canaã’, realizado durante a pandemia, foi incluído no “programa convida”, do Instituto Moreira Salles.
Dimensão humana tem lugar central no trabalho da fotógrafa (Foto Isis Medeiros)
Depoimento de Isis sobre o livro “15:30″:
“É com muita alegria (e frio na barriga) que anuncio a realização de um sonho: transformar imagens, histórias e minhas memórias desses 5 anos pós crime em Mariana, 5 anos de andanças pelos caminhos percorridos pela lama na Bacia do Rio Doce, em meu primeiro livro!
Me pego o tempo todo tomada por sentimentos complexos de profunda indignação e angústia. Outras horas de gratidão por ter sido tão bem acolhida pelas pessoas atingidas do Rio Doce, por ter aprendido com elas, e por elas, a ser um ser humano muito melhor do que antes.
Me peguei inúmeras vezes perguntando se a persistência nesse trabalho de ouvir, escrever, fotografar, filmar, fazia algum sentido. Se a minha atitude transformava pelo menos um pouco a realidade absurda e cruel que nossos territórios enfrentam diariamente com as mineradoras, não só em Minas Gerais, mas em todo Brasil. Nunca encontrei muitas respostas mas segui fazendo o que meu coração mandava.
No ano em que completam 5 anos de impunidade do crime da Vale, Samarco e BHP Billiton na Bacia do Rio Doce, não tinha como guardar isso só pra mim, decidi revirar todo material pra contar um pouco através de imagens sobre essa primeira vivência documental. E cá estamos nós lançando um livro! Esse livro não é meu, é nosso! Tem muitas mãos envolvidas pra fazer ele nascer. Aliás, que PARTO! (socorro!)
Em breve teremos mais do que uma memória impressa em imagens, mas também uma ferramenta de luta, mais um grito por justiça, pra que nunca se esqueça, pra que nunca mais aconteça!”
A crônica da destruição, nas fortes imagens de “15:30″ (Foto Isis Medeiros)
