Por Eduardo Gregori, de Lisboa
Portugal respirou aliviado às 20h do último domingo (24) com a esmagadora vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais de Portugal. Com mais de 60% de votos, o presidente reeleito ocupará o palácio de Belém por mais cinco anos. Não foi surpresa como já previam as sondagens e, principalmente porque o “Professor Marcelo” é uma quase unanimidade em Portugal. Professor, jornalista e figura que entrou durante anos nas casas portuguesas pela televisão, Rebelo de Sousa é carismático e não tem medo de testar sua popularidade ao dirigir o próprio carro pelas ruas de Lisboa, nadar nas praias de Cascais e, quando era possível, sair pela cidade sem negar um abraço, uma selfie e até mesmo um beijinho de suas admiradoras.
As verdadeiras surpresas das Eleições Presidenciais em Portugal ficaram mesmo com o segundo e terceiro lugares. E não é possível deixar passar em branco que resultados bem distantes do vencedor (13% o segundo e 11,9% o terceiro) devam ser menosprezados. A começar pela candidata Ana Gomes. A eurodeputada e diplomata fez história como a mulher mais votada em eleições presidenciais portuguesas desde 25 de abril de 1974, quando foi reestabelecida a democracia no país.
Mas o segundo lugar de Ana Gomes vai além disso. É um alerta de que o empoderamento feminino vem ganhando força em um país ainda regido pelo patriarcado e pelo machismo. Dados da Organização Não Governamental (ONG) União de Mulheres Alternativa e Resposta (UNAR) mostram que entre janeiro e novembro de 2020, 16 mulheres foram vítimas de feminicídio dentro de suas próprias casas e outras 14 em outros contextos. Os dados mostram ainda que no mesmo período contabilizou-se 43 tentativas de assassinato de mulheres. O número pode parecer pequeno sob a ótica brasileira, mas é importante contextualizar que todo o território português tem pouco mais de 10 milhões de habitantes, 2 milhões de pessoas a menos que, por exemplo, a cidade de São Paulo que contabiliza 12,33 milhões de habitantes.
Ana Gomes conquistou ainda mais a empatia do eleitorado ao sair em defesa da candidata Marisa Matias, atacada por André Ventura, candidato do Chega, partido de extrema-direita. “Não quero dizer nada que me arrependa amanhã mas não está muito bem em termos de imagem, de performance. Assim com os lábios muito vermelhos como se fosse uma coisa de brincar”, disse Ventura sobre Marisa durante campanha na cidade de Portalegre.
No dia seguinte a hashtag #VermelhoemBelém alcançou o primeiro lugar nos trend topics do Twitter em Portugal. A caminho de um comício, Ana Gomes postou um vídeo passando batom vermelho e deixando claro seu apoio à Marisa. Homens e mulheres seguiram o exemplo nas redes sociais.
Os 11,9% de André Ventura podem parecer pouco mas foi histórico para um partido de extrema-direita que avança no pacífico Portugal. O candidato comemorou como vencedor na noite em que o resultado das eleições foi conhecido. E Ventura tem mesmo o que comemorar. Ele venceu no Alentejo, região até então reduto do Partido Comunista e sua votação nacional foi praticamente a soma de todos os outros candidatos (excluindo Ana Gomes) e muito acima do Bloco de Esquerda, união dos partidos à esquerda, que ficou apenas com 4% de Marisa. Ventura aproveitou para atacar a esquerda, ao dizer que a esmagou.
Ventura chamou sua votação de projeto para o futuro e acendeu uma luz de alerta para as próximas eleições, uma vez que não terá mais o Professor Marcelo como adversário. Controverso, o líder do Chega angariou eleitores ao defender o fim de subsídios do governo para a população de etnia cigana. Trouxe a Portugal como principal apoiante de sua campanha a deputada francesa Marine Le Pen, conhecida por defender o nacionalismo e atacar imigrantes.
Suas aparições públicas foram marcadas por protestos da população cigana e de quem o acusa de xenofobia e racismo. Em um deles, na cidade de Setúbal, foi alvo de uma chuva de pedras e outros objetos. Ventura não pagou para ver e por onde quer que aparecesse publicamente munia-se de seguranças a protegê-lo.
Ventura não tem o cargo de presidente de Portugal, não agora, mas se levar adiante seu projeto e fizer como seu partido fez nos Açores ao se aliar com outros partidos para sentar-se à mesa que governa o arquipélago, será um forte candidato à levar até então o governo de direita moderada (chamada de social pelo Professor Marcelo) para o radicalismo. E pelo tudo indica, atenção dos portugueses ele tem conseguido atrair. Resta saber se Ana Gomes estará no páreo novamente e se estiver, será uma batalha digna dos Titãs.