Estima-se que uma em cada duas pessoas no mundo tenha atitudes discriminatórias que pioram a saúde física e mental de pessoas idosas e reduzem sua qualidade de vida.
A revelação da prevalência mundial desse intolerável preconceito contra idosos (denominado etarismo) está no mais recente relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre discriminação por idade, divulgado no último dia 18 de março pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências da ONU.
O documento faz um chamado urgente à ação para combater a discriminação por idade (também conhecida pelas expressões ageísmo e idadismo) bem como melhorar a mensuração e os relatórios para expô-la como ela realmente é: um flagelo insidioso na sociedade, conforme classificam os organizadores do estudo. Para a ONU, superar o problema é um desafio global.
A pesquisa desenvolvida com mais de 83 mil pessoas em 57 países apontou que uma em cada duas pessoas tinha atitudes moderadamente ou altamente discriminatórias relacionadas à idade.
“A discriminação por idade se infiltra em muitas instituições e setores da sociedade, incluindo aqueles que fornecem assistência médica e social, no local de trabalho, na mídia e no sistema jurídico.”
A discriminação ocorre quando a idade é usada para categorizar e dividir as pessoas de maneiras que podem causar danos, desvantagens e injustiças. Pode assumir várias formas, incluindo atitudes preconceituosas, atos discriminatórios e políticas e práticas institucionais que perpetuam crenças estereotipadas.
O comportamento, enfatiza o estudo, contribui para a pobreza e a insegurança econômica das pessoas na velhice, aumentando o isolamento social e a solidão dos idosos.
O “Relatório Global sobre Preconceito de Idade” (acessível aqui) apresenta uma estrutura de ação para reduzir esse tipo de discriminação, incluindo recomendações específicas para diferentes atores (por exemplo, governo, agências da ONU, organizações da sociedade civil, setor privado).
O levantamento reúne as melhores evidências disponíveis sobre a natureza e magnitude do preconceito etário, seus determinantes e seu impacto. Descreve ainda quais estratégias funcionam para prevenir e combater o preconceito de idade, identifica lacunas e propõe futuras linhas de pesquisa para melhorar a compreensão do preconceito por parte da sociedade.
Pandemia expôs estereótipos
A publicação observa que a resposta para controlar a pandemia de Covid-19 revelou o quão generalizada é a discriminação por idade – pessoas mais jovens e idosas foram estereotipadas no discurso público e nas redes sociais. Em alguns contextos, enfatiza o documento, a idade tem sido usada como o único critério para acesso a cuidados médicos, terapias que salvam vidas e para isolamento físico.
“Enquanto os países buscam se recuperar e se reconstruir da pandemia, não podemos permitir que estereótipos, preconceitos e discriminação baseados na idade limitem as oportunidades de garantir a saúde, o bem-estar e a dignidade das pessoas em todos os lugares”, declarou Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. “Este relatório descreve a natureza e a escala do problema, mas também oferece soluções na forma de intervenções baseadas em evidências para acabar com a discriminação por idade em todos os estágios.”
“A pandemia destacou as vulnerabilidades das pessoas idosas, especialmente daquelas mais vulneráveis, que muitas vezes enfrentam discriminação e barreiras sobrepostas – são pobres, vivem com deficiências, são mulheres que vivem sozinhas ou pertencem a grupos minoritários”, disse Natalia Kanem, diretor Executiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). “Vamos fazer desta crise um ponto de virada na forma como vemos, tratamos e respondemos aos idosos, para que juntos possamos construir um mundo de saúde, bem-estar e dignidade para todas as idades que todos desejamos.”
Descobertas do relatório
A discriminação por idade se infiltra em muitas instituições e setores da sociedade, incluindo aqueles que fornecem assistência médica e social, no local de trabalho, na mídia e no sistema jurídico. O racionamento de saúde baseado apenas na idade é generalizado, aponta o documento.
Uma revisão sistemática nos dados sobre o tema em 2020 mostrou que em 85% de 149 estudos, a idade determinou quem recebeu certos procedimentos ou tratamentos médicos. Este tipo de discriminação tem consequências sérias e abrangentes para a saúde e o bem-estar das pessoas, salienta o relatório.
Entre as pessoas idosas, o envelhecimento está associado a uma pior saúde física e mental, maior isolamento social e solidão, maior insegurança financeira, diminuição da qualidade de vida e morte prematura.
Estima-se que 6,3 milhões de casos de depressão em todo o mundo sejam atribuíveis ao envelhecimento. Esse fenômeno acaba por exacerbar outras formas de discriminação e desvantagem, incluindo as relacionadas a sexo, raça e deficiências, levando a um impacto negativo na saúde e no bem-estar dos indivíduos.
O estudo lembra ainda que adultos com idade mais avançada também estão frequentemente em desvantagem em relação a oportunidades de trabalho e o acesso à formação e educação especializadas diminui significativamente com a idade.
Custos econômicos
Entre os dados disponíveis, cita que nos Estados Unidos da América, um estudo de 2020 mostrou que a discriminação – na forma de estereótipos negativos de idade e autopercepções – levou a custos anuais excessivos de 63 bilhões de dólares americanos para as oito condições de saúde mais custosas. Isso equivale a 1 em cada 7 dólares americanos gastos nessas condições para todos os americanos com mais de 60 anos durante um ano.
As estimativas na Austrália sugerem que, se 5% mais pessoas com 55 anos ou mais estivessem empregadas, haveria um impacto positivo de 48 bilhões de dólares australianos na economia nacional anualmente.
“A discriminação por idade prejudica a todos – idosos e jovens. Mas, muitas vezes, é tão difundida e aceita – em nossas atitudes, políticas, leis e instituições – que nem mesmo reconhecemos seu efeito prejudicial sobre nossa dignidade e direitos”, afirmou Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Precisamos combater a discriminação por idade de frente, como uma violação profundamente enraizada dos direitos humanos”.
Estratégias para enfrentar o problema
O relatório observa que as políticas e leis que tratam do preconceito, atividades educacionais que aumentam a empatia e dissipam equívocos e atividades intergeracionais que reduzem o preconceito ajudam a diminuir a discriminação.
Todos os países e partes interessadas são encorajados pelo documento a usar estratégias baseadas em evidências, a melhorar a coleta de dados e pesquisas e a trabalhar juntos para construir um movimento que mude a forma como as pessoas pensam, sentem e agem em relação à idade e ao envelhecimento, e para avançar o progresso na Década do Envelhecimento Saudável das Nações Unidas. (Publicado originalmente no Portal Longevinews)