Por Regina Márcia Moura Tavares
“Que somos bonitas e elegantes, já sabemos! Passem a observar nossa competência, que aprenderão bastante!” Com esta frase acabei com os gracejos masculinos nas primeiras reuniões do Conselho Universitário, no início dos anos 80, quando eu e mais 2 colegas assumimos as direções de faculdades e do maior Instituto da Universidade, ocupados até então pelo sexo masculino, exclusivamente. E, como sempre, fomos administrando no ritmo cardíaco, desdobrando-nos em quatro, cinco, seis atividades simultâneas com a especialização de que fomos dotadas no processo evolutivo da espécie. Sem dúvida, deixamos a marca de nossa capacidade feminina para administrar instituições de qualquer natureza com conhecimento, sensibilidade, criatividade, delicadeza, responsabilidade e dignidade.
Mas, hoje, meninas ainda ajudam as mães nas tarefas domésticas e meninos jogam bola e vídeo game, na sua maioria. Os salários continuam desiguais, os assédios continuam, o feminicídio aumenta e os bares abrigam homens, preferencialmente. Quando, efetivamente, haverá igualdade e respeito entre os sexos? Não serão os gêneros, enquanto construções sociais, a resposta a esta disparidade injusta e permanente na relação entre ambas as criações da natureza para a perpetuação da espécie? Há muito a ser pensado e analisado, antes de julgado e execrado por tantos!
Marshall D. Sahlins, estudioso das sociedades tribais, observou que a História tem sido decidida pelo poder econômico e que o que chamamos de comportamento masculino e feminino varia de uma sociedade para outra e em momentos históricos diferentes, sempre envolvendo reciprocidade. A observação do comportamento de nativos da Polinésia por antropólogo, onde o número de Homens era significativamente inferior ao de Mulheres em virtude da prática do infanticídio ritual masculino, evidenciou comportamentos praticamente opostos aos vigentes em nossa sociedade ocidental.
O fato de ser a Mulher a que gesta o novo indivíduo da espécie Homo Sapiens, nas sociedades coletoras e caçadoras sempre lhe foi dada uma posição de destaque pelo desconhecimento, inclusive, da participação do Homem na fecundação. Assim, os mitos fundadores de tais povos incluem deusas tais como Geia, Pacha Mama, Nana Buruquê e outras.
A partir do momento em que se instalou a agricultura entre os povos e aumentou a divisão do trabalho, sendo a força física necessária a este e à guerra, longa e distante para a conquista de novos territórios, a supremacia do Homem começou a se impor nas sociedades humanas. Fustel de Coulanges, em sua magnífica e saborosa obra “A Cidade Antiga”, um estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma, revela um significativo ritual de união entre um Homem e uma Mulher, no qual ela é levada da casa do pai, seu senhor, para a da família do esposo, com o rosto coberto por um véu, não entrando por seus pés na nova habitação, pois o futuro marido a arrebata simulando rapto e dominação, assim como o sacrifício de todos os seus direitos. A autoridade era sempre paterna, havendo uma estreita relação entre o lar, a terra e a propriedade privada.
Resumidamente, também, podemos dizer que no Direito romano as Mulheres foram equiparadas a escravas, a lei fez parte da religião, os deuses foram predominantemente masculinos e o homossexualismo acontecia com frequência.
Na Alta Idade Média – séc. V a X – a influência germânica, céltica, nórdica para os quais a família é a estrutura essencial da sociedade e se assenta em laços naturais consanguíneos, juntamente com o cristianismo promoveram uma pequena, mas nova inserção da Mulher na sociedade, a qual se consolidou, efetivamente, na Baixa Idade Média – sec. XI a XIII, com os Homens em atividades comerciais que os mantinham longo tempo distantes dos lares. Infelizmente, pelos novos conhecimentos adquiridos e compartilhados, com os quais resolviam inúmeros problemas da população, centenas e centenas de mulheres foram acusadas de bruxaria e queimaram na fogueira.
Percebe-se, então, que quando a atividade econômica se modifica, havendo um distanciamento entre os sexos, os comportamentos próprios de cada um vão se alterando, também, criando áreas de conflito entre eles.
Nos séculos subsequentes, tivemos alguns períodos de regressão nas conquistas femininas por conta da centralização do poder na mão de monarquias e da burguesia. E foi somente no séc. XIX, com a escolarização e a industrialização que a Mulher começou a ocupar uma posição significativa no contexto das relações sociais, ampliando sua participação econômica nas duas guerras do século XX, com o Homem em campo de batalha.
No último quartel do século passado e início deste as conquistas tecnológicas assumiram uma velocidade nunca vista, promovendo mudanças num ritmo acelerado, alterando o trabalho, a estrutura social e motivando insegurança no desempenho dos papéis sociais de ambos os sexos. “A consciência que o ser tem de si mesmo é fruto de seu próprio processo histórico-social” (Soren Kierkegaard). O cenário atual não é favorável nem a um, nem a outro, estando ambos perdidos em contradições, à procura do equilíbrio. A Mulher busca a igualdade na diferença, reciprocidade na alteridade. O Homem resiste confuso, agressivo ou passivo demais, quem sabe esperando um demiurgo que lhe restitua o domínio da natureza que o afronta, insistentemente, e da Mulher que não mais se submete. Somente o tempo e a reflexão poderão acomodar novamente a relação entre os progenitores da humanidade!
Regina Márcia é antropóloga, consultora universitária internacional, membro da Academia Campinense de Letras e do Instituto Histórico G.G. de Campinas
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