Após manobra ruralista para atrasar tramitação, Senado votou neste dia 15 de maio pela criação de medidas nas três esferas de governo em resposta à crise do clima. Texto volta agora à Câmara
O plenário do Senado Federal aprovou nesta quarta-feira, 15 de maio, o Projeto de Lei 4.129/2021, que cria diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima nas esferas municipal, estadual e nacional. O texto original, de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), tinha passado pela Câmara no fim de 2022.
Após tramitar na Comissão de Meio Ambiente do Senado, o PL chegou ao plenário da Casa na última segunda-feira. No entanto, mesmo em plena tragédia climática no Rio Grande do Sul, enfrentou resistência de senadores ruralistas e bolsonaristas, que conseguiram protelar sua aprovação e forçar a passagem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), após acordo com a articulação política do governo.
Na CCJ, o texto recebeu emendas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que depois votou contra sua aprovação. Além dele, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Rogério Marinho (PL-RN), Carlos Portinho (PL-RJ), Messias de Jesus (Republicanos-RR), Eduardo Girão (Novo-CE) e Plínio Valério (PSDB-AM) votaram contra a proposta, que pretende criar medidas para diminuir a vulnerabilidade ambiental, social e econômica aos efeitos das mudanças climáticas.
Para o Observatório do Clima, a aprovação do PL 4.129/2021 no Senado pode ser considerada uma vitória em meio a um cenário de graves e seguidos retrocessos. “O pior Congresso da história opera ferozmente para implodir direitos socioambientais. São pelo menos 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs), que compõem o Pacote da Destruição, avançando em várias frentes – licenciamento ambiental, direitos indígenas, financiamento da política ambiental – , e abrindo caminho para crimes ambientais”, nota o Observatório do Clima.
O texto aprovado hoje, que retorna agora à Câmara dos Deputados, prevê a integração dos planos de adaptação com os planos de ação climática nos marcos da Política Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC). Municípios, estados e União devem alinhar estratégias de mitigação e adaptação aos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.
Reação da rede do Observatório do Clima
“A aprovação do projeto de lei 4129/21 traz uma agenda positiva nesse momento de emergência climática. Com esse projeto, as cidades, os estados e o país têm como avançar em um plano estratégico de clima e adaptação. Para isso, é fundamental usar a natureza, promovendo a restauração dos ecossistemas, como a Mata Atlântica, bioma que reúne mais de 70% da população do país em 17 estados. É importante também não permitir mais retrocessos na legislação ambiental brasileira. Esse é o primeiro passo de uma resposta importante que o Congresso Nacional pode dar ao nosso país.” Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
“A aprovação do PL 4129/21 representa mais um passo para que o Plano Clima Adaptação, a nível federal, se traduza em políticas públicas estaduais e municipais de adaptação climática. Fruto de um intenso processo de participação social, o texto também abarca questões fundamentais, como a garantia da participação efetiva da sociedade civil e dos grupos e setores mais vulnerabilizados por essa crise na elaboração desses planos, com recorte para critérios de etnia, raça, gênero e condição de deficiência. Em um ano de eleições municipais e diante dos eventos climáticos extremos recentes, é mais do que urgente que o debate sobre adaptação seja pautado pelas novas lideranças políticas.” Sarah Darcie, coordenadora de advocacy do Instituto Clima de Eleição e secretária executiva do GT Clima da Frente Parlamentar Ambientalista
“Em meio a uma série de decisões problemáticas, o Congresso Nacional demonstra ainda ser capaz de fazer escolhas sensatas. O texto foi construído com amplo debate e participação, estabelecendo importantes diretrizes de justiça ambiental, econômica e social. Desenvolver e disponibilizar os instrumentos é fundamental para que todos os entes federativos tenham parâmetros para construir seus planos de adaptação climática, cuja importância se demonstra tragicamente na situação que o Rio Grande do Sul atravessa.” Marcos Woortmann, diretor Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
“O PL 4.129 traz diretrizes concretas para o desenvolvimento de planos de adaptação à mudança do clima, porque estabelece prioridades nos territórios vulnerabilizados e expostos a riscos climáticos, considerando os critérios raciais e de gênero. Inclusive, nos diagnósticos, análises, monitoramentos. O texto também garante a participação da sociedade civil na coordenação e na governança dos planos. O Estado precisa parar de fazer gestão de desastre e se dedicar com responsabilidade em adaptar as cidades. O racismo ambiental acontece nos territórios negros, nos territórios quilombolas e indígenas do país. É fundamental produzir políticas públicas eficientes e focadas no curto e médio prazos. A adaptação às mudanças climáticas precisa questionar que tipo de sociedade teremos no futuro. Tudo isso com muito senso de urgência. Não se faz democracia com a população correndo perigo constante por negacionismo. Adaptação às mudanças climáticas é para agora.” Mariana Belmont, assessora de clima e racismo ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra
“É com gosto agridoce que comemoramos a aprovação do PL no Senado. O projeto vinha sofrendo algumas interpelações desde seu lançamento e, indubitavelmente, a tragédia no Rio Grande do Sul fez com que os alertas políticos focassem na aprovação de um projeto mais do que urgente, urgentíssimo. Ainda que seja um projeto de lei principiológico, a vinculação da construção do Plano Nacional de Adaptação imiscuindo as três esferas do federalismo brasileiro nos dá uma esperança inicial de que os esforços para diminuirmos os impactos deletérios das alterações humanas no clima estarão em foco. É tarde, mas ainda temos tempo.” Caio Victor Vieira, especialista em relações governamentais e diplomacia do Instituto Talanoa
“Finalmente, uma boa notícia vinda do Congresso. Porém, essa votação não pode ser um caso isolado, uma espécie de favor que Deputados e Senadores estão fazendo à sociedade. É preciso que eles também garantam que não votarão as dezenas de projetos de destruição ambiental que hoje entopem as comissões e os plenários do Parlamento.” Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
“A aprovação do PL 4.129 pelo Senado é uma luz no atual cenário do Legislativo, que tem se empenhado todos os dias para flexibilizar a legislação que protege os direitos socioambientais. A proposta ainda retornará à Câmara, mas conta com grande apoio, especialmente diante da tragédia que assola o Rio Grande do Sul. Esses e outros eventos extremos, cada vez mais intensos e frequentes, mostram como a adaptação à mudança do clima necessita estar nas preocupações e ações de todos os gestores públicos e da sociedade em geral. O mundo mudou, negativamente, e temos de assumir a adaptação como norte das diferentes políticas públicas.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima
“O PL é um passo necessário para que as cidades e estados tenham diretrizes norteadoras a fim de amenizar os impactos da crise climática, levantando dados consistentes e vitais, sobretudo, para as populações mais vulneráveis. Um dos aspectos de destaque do PL é a adoção de soluções baseadas na natureza como parte das estratégias de adaptação, ou seja, para além das grandes obras de infraestrutura. A natureza precisa ser entendida como aliada para pensar a adaptação das cidades, promovendo mais permeabilização do solo, plantando mais árvores nativas, que ajudam a amenizar o calor e as chuvas, recuperando matas ciliares e encostas, além de muitas outras estratégias que podem impedir eventos como o que aconteceu no Rio Grande do Sul. É fundamental lembrar que a população pode e deve cobrar a elaboração e a implementação urgente dos planos de adaptação. E eles não serão eficazes se não diminuirmos as emissões que causam a crise climática e continuarmos favorecendo o desmatamento, bem como a fragilização das legislações ambientais.” Flávia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil
“A aprovação do PL de Adaptação é adequada, especialmente nesse momento em que a sociedade está criando juízos sobre as catástrofes climáticas e sendo instada a refletir sobre o que fazer. Nas tribunas do Senado vimos que o debate não está alinhado e que as causas e soluções apresentadas são bem diferentes. Esse é um alerta para a necessidade de aprofundar a discussão sobre adaptação e mitigação e cidades resilientes, por exemplo. São temas conectados diretamente às ações dos governos e dos parlamentares na escala federal, estadual e municipal. Esse debate tende a ser mais rico se mais setores estiverem engajados, mas é importante ter a lente de justiça climática para qualquer concertação neste campo. As pessoas que mais têm sofrido os impactos das mudanças climáticas são as vulnerabilizadas, ou seja, pessoas negras, periféricas, povos indígenas e comunidades tradicionais.” Ciro Brito, analista de políticas de Clima do Instituto Socioambiental
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 107 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática (oc.eco.br). Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil (seeg.eco.br).