Em sua maioria, deputados estaduais eleitos pela Região Metropolitana de Campinas (RMC) votaram favoravelmente ao projeto do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, instituindo o Programa Escola Cívico Militar no Estado de São Paulo. O Projeto de Lei Complementar – PLC n° 9 de 2024 foi aprovado em sessão na terça-feira, 21 de maio, pela Assembleia Legislativa paulista, por 54 votos favoráveis e 21 contrários. Houve violência policial contra manifestantes contrários ao projeto, o que gerou reação do Fórum Estadual de Educação do Estado de São Paulo. A lei criando o Programa foi sancionada nesta segunda-feira, 27 de maio, pelo governador. Em abril, a Advocacia Geral da União (AGU) defendeu em parecer ao Supremo Tribunal Federal que o modelo das escolas cívico-militares é inconstitucional.
Votaram a favor do projeto os deputados eleitos pela RMC: Clarice Ganem (Podemos), Dirceu Dalben (Cidadania), Edmir Chedid (União Brasil), Gilmaci Santos (Republicanos) e Odeias de Madureira (PSD). No painel de votação, a palavra “obstrução” aparece nas votações correspondentes aos deputados Rafa Zimbaldi (Cidadania) e Ana Perugini (PT). A assessoria da deputada Ana Perugini encaminhou nota oficial a respeito à ASN, que reproduzimos abaixo.
Nota da assessoria da deputada Ana Perugini
“Nota de esclarecimento – votação do PLC 9/2024
A obstrução parlamentar é um recurso utilizado pelas bancadas para postergar a votação.
Na última terça-feira (21), durante a discussão do PLC (Projeto de Lei Complementar) 9/2024, a liderança da bancada Federação Brasil da Esperança, composta por PT, PV e PCdoB, deliberou pelo posicionamento em obstrução, assim como outras bancadas da Assembleia Legislativa.
Assim, a deputada Ana Perugini e outros parlamentares da bancada apareceram no painel de votação como “obstrução”. No entanto, a parlamentar usou a tribuna, discursou contra a militarização de escolas públicas e encaminhou, pela bancada, o voto contrário ao projeto que institui o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo.
“Precisamos de professores valorizados, salas em condições de se dar aula e educação inclusiva; temos de ampliar a oferta de ensino integral nos municípios, expandir as Etecs e os institutos federais e abrir novas universidades públicas. As escolas cívico-militares não deram certo no Brasil e não vão dar certo no Estado de São Paulo. E nós vamos seguir lutando para que haja democracia no nosso país”, afirmou a parlamentar”.
Nota da FEESP
Em nota, o FEESP afirma que “a ALESP, que deveria ser espaço da população, foi palco de bombas, forte agressão física e prisões daqueles que se manifestavam contrariamente a um projeto que caminha na contramão da democracia”. Na ocasião foi aprovado o Projeto de Lei Complementar – PLC n° 9 de 2024, que institui o Programa Escola Cívico Militar no Estado de São Paulo.
Policiais militares agrediram e prenderam estudantes que se manifestavam contra o projeto, no plenário e nos corredores da Alesp. Entre os presos estavam a presidente da União Paulista dos Estudantes (Upes) Luiza Martins, a diretora da União Estadual dos Estudantes (UEE) Emmily Gomes de Sá, e o diretor da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) Arthur Melo. Eles, que foram vítimas de violência no ato da prisão, obtiveram liberdade depois de uma audiência de custódia.
“O FEESP vem manifestar seu total repúdio à aprovação deste projeto, assim como à truculência utilizada de forma indevida contra aqueles que se manifestaram na ALESP”, diz a nota. Leia-a na íntegra abaixo.
Nota de repúdio do Fórum Estadual de Educação do Estado de São Paulo à violência policial contra aqueles que defendem uma educação democrática (PDF)
“Toda sociedade institui um modelo de educação baseado no seu objetiva de sociedade, Neste sentido a Constituição Brasileira de 1988 apontou alguns aspectos importantes do modelo de educação que se almejava naquele momento que a sociedade brasileira procurava consolidar a superação de um momento difícil da sua história, marcada pela censura e pelo autoritarismo para uma sodedade democrática.
Neste sentido foi fundamental apontar mecanismos de responsabilidade que garantisse o acesso à educação pública de qualidade para toda população, inclusive com gastos mínimos orçamentários e mecanismos legais previstos para seu planejamento, como a futura Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – assim como os Planos Nacionais, Estaduais, Municipais e Distrital de Educação.
Porém, um dos elementos fundamentais foi o princípio democrático da educação brasileira, sem o qual não podemos construir urna sociedade democrática. Uma escola democrática é fundamental na formação de cidadãos que participem, fiscalizem e se expressem sem medo e com responsabilidade. Principio esse, que para além da Constituição se fez presente na LDB, mas também no Plano Nacional de Educação em meta e estratégias específicas.
Lamentavelmente o Governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas encaminhou o Projeto de Lei Complementar – PLC n° 9 de 2024 que institui o Programa Escola Cívico Militar no Estado de São Paulo. Apesar da oposição da comunidade escolar o projeto foi aprovado sob forte repressão policial no dia 21 de maio de 2024 no interior da Assembleia Legislativa. A ALESP que deveria ser espaço da população foi palco de bombas, forte agressão física e prisões daqueles que se manifestavam contrariamente a um projeto que caminha na contramão da democracia. Neste sentido o FEESP vem manifestar seu total repúdio à aprovação deste projeto, assim como à truculência utilizada de forma indevida contra aqueles que se manifestaram na ALESP.”
Centro de Referência em Educação Integral
Abaixo, reproduzimos reportagem publicada no site do Centro de Referência em Educação Integral, no momento de aprovação do projeto criando o Programa Escola Cívico-Militar em São Paulo:
“Apesar do desmonte da política nacional, São Paulo aprovou, nesta terça-feira (21/5), o Programa Escola Cívico-Militar, que será implementado em unidades públicas das redes estadual e municipais. A expectativa é atingir 100 escolas.
A aprovação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) se deu em meio a violenta repressão contra adolescentes, jovens, adultos e idosos que protestavam contra o modelo. Para especialistas, a truculência utilizada no lugar do diálogo é condizente com a lógica da proposta do governo paulista.
De acordo com o Projeto de lei Complementar nº 9 /2024, novas unidades ou as escolas públicas de Ensino Fundamental, Médio e de Educação Profissional já existentes que desejarem, podem fazer a “conversão” para o modelo cívico-militar. O processo se dará mediante consulta pública.
O documento também explicita quais escolas serão priorizadas, o papel da polícia nas unidades, e define a remuneração dos militares, que será superior à dos professores e usando recursos da própria Secretaria de Educação.
A seguir, especialistas analisam 4 eixos centrais da política e seus impactos para os direitos de crianças, adolescentes e toda a comunidade escolar:
1. O modelo será implementado em escolas com índices de rendimento escolar inferiores à média estadual, atrelados a índices de vulnerabilidade social e fluxo escolar (aprovação, reprovação e abandono). O PL afirma que é voltado para unidades “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade”.
De acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, a proposta tem como objetivos a melhoria da qualidade do ensino com aferição pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz.
“Se o programa diz que polícia precisa estar dentro da escola para garantir segurança, está dizendo que crianças e adolescentes são violentos, delinquentes e perigosos”, alerta Catarina de Almeida Santos, pós-doutora em Educação pela Unicamp, professora associada da UnB e coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (REPME).
Ela frisa que os conflitos que acontecem na escola e demandam intervenção policial são mínimos em relação às violências que permeiam os territórios e às quais muitas das próprias crianças e adolescentes estão submetidas – e precisam de mais atenção da Segurança Pública e de outros setores das políticas sociais.
“A violência não está nas escolas e as nossas crianças e adolescentes não são criminosos”, aponta Catarina de Almeida Santos
“A violência não está nas escolas e as nossas crianças e adolescentes não são criminosos. A polícia está indo para dentro das escolas para interditar a disputa das escolas enquanto espaços de formação dos sujeitos”, defende.
Outra incoerência da proposta está em ignorar que a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes são resultado de boas condições de trabalho.
“As escolas militares recebem mais recursos, melhor infraestrutura e mais equipe para trabalhar. São estes fatores que fazem a diferença, não o fato de ser militarizada”, explica Salomão Ximenes, professor na Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
2. O modelo propõe que militares cuidem da disciplina dos estudantes e de atividades extracurriculares, enquanto os profissionais da Educação ficariam responsáveis pelo trabalho pedagógico.
Ao separar estas duas dimensões, o programa traz um entendimento de que a disciplina não é parte do trabalho pedagógico das escolas. “O que a polícia chama de disciplina é a obediência às regras hierarquicamente definidas através da imposição do medo”, define Catarina.
Pedagogicamente, a disciplina tem outro caráter. “É a capacidade de desenvolver o respeito pelo outro para conviver em uma sociedade diversa”, diz a professora e pesquisadora. “A Ciência avança a partir da pergunta, do diálogo, das construções coletivas. E Paulo Freire diz isso: exercitar a pedagogia da pergunta, não da resposta”, complementa.
“A polícia não ensina a conviver com a diferença, ela elimina as diferenças”, observa Catarina.
A área de Segurança Pública no Brasil, por definição e historicamente, caminha no sentido oposto à valorização das diversidades. “É a área da uniformização, da padronização de comportamentos, decisões, cabelos, roupas. Há uma regra estabelecida e todos devem obedecê-la. Quem questiona ou faz diferente, é punido. A polícia não ensina a conviver com a diferença, ela elimina as diferenças”, observa Catarina.
“O que não é padrão? A cultura das periferias, do hip hop, o cabelo afro, os corpos trans, LGBT, os meninos pretos da periferia. Como vamos ter uma criança autista parada, batendo continência e cumprindo as regras de um militar?”, acrescenta.
3. Os policiais militares receberão remuneração muito superior à dos professores, usando recursos da Secretaria da Educação.
Pelo projeto, os agentes que vão atuar nas escolas são aposentados e, além do valor recebido pelas aposentadorias integrais, receberão um adicional que pode variar de 6 a 9,4 mil reais mensais, com recursos da Secretaria da Educação.
Policiais receberão um adicional de 6 a 9,4 mil reais, com recursos da Educação.
Hoje, o piso do professor da rede estadual, com jornada de 40 horas semanais, é de 5 mil reais. Já os agentes escolares, que serão substituídos por estes policiais, recebem 1,8 mil reais pela função.
Neste ponto, há um dado relevante: 72% dos brasileiros afirmam confiar mais em professoras(es) do que militares para atuar nas escolas. O dado é da pesquisa Educação, Valores e Direitos, coordenada pelo Cenpec e pela Ação Educativa, e realizada pelo Datafolha e pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp) em março de 2022.
4. Para ser implantado, o programa Escola Cívico-Militar precisará passar pelo consentimento das comunidades escolares, que serão ouvidas por meio de consultas públicas.
Para Salomão, o processo de consulta é questionável pela forma como foi conduzido em outras escolas nos últimos anos, em que surgiram relatos de rondas e policiais acompanhando as votações nas escolas. “Sempre paira sobre essa consulta uma ameaça explícita ou velada. O que significa para uma escola da periferia recusar a presença dos policiais militares?”, questiona.
“Deliberar por um modelo autoritário nas escolas é uma deturpação da democracia”, diz Salomão Ximenes
O especialista pede atenção de toda a sociedade para acompanhar o desenrolar das consultas públicas, que ganham ainda um viés adicional: “Na votação do projeto, deputados expressaram que vão levar uma escola dessa para outros municípios, suas bases eleitorais. Vamos ter que acompanhar para ver quanto de fato vai ser uma manifestação das escolas ou uma imposição desse setor político”, alerta.
O professor também aponta a falácia de demandar das famílias e profissionais da Educação esse tipo de decisão. “Deliberar por um modelo autoritário nas escolas é uma deturpação da democracia”.”