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Cine-Clube Universitário de Campinas completa cinco décadas de utopia
Luiz Carlos Ribeiro Borges e Marino Ziggiatti no evento desta quinta-feira no CCLA; 50 anos de emoção (Fotos Adriano Rosa)

Cine-Clube Universitário de Campinas completa cinco décadas de utopia

AMANTES DO CINEMA – I

Por José Pedro Martins

Uma paixão eterna, uma reverência pelo poder transformador do cinema. Nesta quinta-feira, 19 de março de 2015, são lembrados os 50 anos de criação do Cine-Clube Universitário de Campinas (CCUC), um dos vários exemplos de como a cidade tem uma relação íntima com a chamada Sétima Arte. A data foi comemorada, em encontro que reuniu alguns dos criadores do Cine-Clube, com um evento no Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), a organização que é um dos pilares históricos do amor campineiro pelo cinema.

O encontro de hoje foi aberto pelo presidente do CCLA, Marino Ziggiatti, que na década de 1950 havia criado e dirigido o Departamento de Cinema da organização. Em seguida, um dos co-criadores e primeiro presidente do Cine-Clube Universitário de Campinas, Luiz Carlos Ribeiro Borges, descreveu a experiência que foi “vivenciar uma utopia”.

Ribeiro Borges mostra um dos exemplares do jornal editado pelo Cine-Clube

Ribeiro Borges mostra um dos exemplares do jornal editado pelo Cine-Clube

Como complemento à visão histórica, a pesquisadora Natasha Hernandez Almeida deu detalhes de sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de São Carlos, exatamente sobre “O Cineclube Universitário de Campinas (1965-1973)”. A programação de hoje foi encerrada com a exibição dos três filmes de curta metragem produzidos pelo CCUC e com homenagens aos idealizadores da instituição, como o próprio Luiz Carlos Ribeiro Borges, Dayz Fonseca e Rolf de Luna Fonseca.

Nas noites de 1965 – Fazia quase um ano que o Brasil estava sob regime militar. Ainda não havia a censura absoluta, e estudantes e intelectuais intensificavam a mobilização contra a ditadura. No dia 9 de março o general-presidente Castelo Branco levara uma vaia histórica em aula inaugural na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No mesmo dita, a UnB, em Brasília, também sediava um protesto contra os militares. Outra manifesta estudantil contra a ditadura no dia 11, no Fundão, no Rio, e lançamento do Manifesto de intelectuais pelas liberdades suprimidas em 1964, no dia 13, também no Rio de Janeiro.

Filmagem de cena de um dos títulos da trilogia produzida pelo CCUC, com participação técnica de Henrique de Oliveira Junior

Filmagem de cena de um dos títulos da trilogia produzida pelo CCUC, com participação técnica de Henrique de Oliveira Junior

O ambiente universitário estava em ebulição e não foi diferente em Campinas. A Unicamp estava ainda em estruturação e a movimentação maior acontecia na Universidade Católica de Campinas, assim denominada desde 1955. Filmes de arte eram exibidos eventualmente, como na Semana de Estudos Filosóficos, da qual Dayz Fonseca havia participado.

Foi neste contexto que, segundo Luiz Carlos Ribeiro Borges, então aluno de Direito na Universidade Católica de Campinas, surgiu a ideia de “montagem de um espaço sistematizado para exibição de filmes”. Amadurecia a proposta de criação de um cineclube, nos moldes de iniciativas semelhantes principalmente no eixo Rio-São Paulo mas também em outras capitais estaduais e até no interior paulista – o primeiro cineclube de que se tem notícia no interior é o de Marília, de 1952 e ainda em atividade.

No caso de Campinas, lembra Borges, havia uma insatisfação latente no meio universitário, quanto à programação comercial que predominava nos cinemas locais – o Voga, da rua General Osório (depois Cine Jequitibá, a partir de 1969); o Carlos Gomes, na Campos Salles; o Windsor, na General Osório com Regente Feijó, entre outros.

Dayz Fonseca e Rolf de Luna Fonseca assinaram filmes e estiveram entre os homenageados neste 19 de março

Dayz Fonseca e Rolf de Luna Fonseca assinaram filmes e estiveram entre os homenageados neste 19 de março

Na mesa de fundação, Borges, Dayz Fonseca, Julia Roberto Alves e Dairton Tessari, já falecido. Outros depois se juntariam ao grupo, como João de Assis Rossi, Paulo de Tarso Salomão, Gustavo Mazzola e Og Bernasconi. Outro grande entusiasta, desde o início, foi o professor José Alexandre dos Santos Ribeiro.

O grande teste para o recém-nascido cineclube foi a exibição, logo no dia 31 de março de 1965, um ano depois do golpe militar, do filme “O Eclipse”, do mestre italiano Michelangelo Antonioni. Um suspiro, a ansiedade pelo retorno do público, mas o sucesso alcançado: mais de 500 pessoas se aglomeraram no Salão Nobre do Pátio dos Leões, onde funcionava a Universidade Católica, para assistir à trama envolvendo o par romântico Monica Vitti e Alain Delon, seguida de debate aberto, como aconteceria em todas as sessões dos 108 filmes projetados pelo CCUC em seus oito anos de atividades.

A pesquisadora Natasha Almeida comentou a contribuição histórica do CCUC, tema de sua tese de mestrado na UFSCar

A pesquisadora Natasha Almeida comentou a contribuição histórica do CCUC, tema de sua tese de mestrado na UFSCar

No cinema comercial e a produção de filmes – As exibições continuaram acontecendo nos espaços da Universidade Católica e também no Centro de Ciências, Letras e Artes, que desde os anos 1950 mantinha um ativo Departamento de Cinema, sob a liderança de Marino Ziggiatti.

Mas os jovens do CCUC queriam mais e ousaram começar a projetar filmes de arte também nos cinemas comerciais de Campinas. “Foi uma ousadia, mas conseguimos”, lembra Borges. Foram feitos contatos com embaixadas e consulados da França, dos Estados Unidos, do Canadá e países europeus, e também com as próprias distribuidoras. E o Cine-Clube Universitário de Campinas alcançou o propósito, com várias exibições em cinemas do centro da cidade.

O CCUC começou a gerar lucro. Em uma reunião no CCLA, evoluiu outra ideia ousada, a criação de um jornal exclusivo sobre cinema em Campinas. O sonho acabou indo para as impressoras de linotipo e foram editados cinco números do jornal, entre 1965 e 1967. Artigos assinados pelos membros do cineclube e colaboradores davam um panorama do cinema brasileiro e mundial e elencavam as atividades do CCUC.

Em pouco tempo, tinha sido atingida e ultrapassada a meta de ajudar a formar um público crítico, que apreciasse e discutisse as realizações de nomes como Antonioni, Bergmann, Godard e os brasileiros Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, entre outros.

Faltava apenas um passo à frente, a produção de filmes próprios do Cine-Clube Universitário de Campinas. E eles vieram. Em 1966, o primeiro, “Um Pedreiro”, dirigido por Dayz Peixoto Fonseca, que recebeu o prêmio de Melhor Filme Brasileiro no Festival Experimental Latino-Americano, em São Paulo, 1968.

Em 1967, o segundo, “O Artista”, de Luiz Carlos Ribeiro Borges. “O Artista” é um emblema do processo de descoberta que tantos jovens, de todas as idades, já vivenciaram e continuam vivenciando. O próprio Borges é quem descreve o argumento do filme: “Um artista, que vivia alienado, passa por uma revelação e se converte, muda o seu foco, passa a ser engajado politicamente”. Sim, o diretor admite que existiam influências socialistas no roteiro do curta-metragem produzido e exibido em Campinas, em plena ditadura.

Em 1972 viria o último da trilogia produzida pelo CCUC, “Dez jingles para Oswald de Andrade”, de Rolf de Luna Fonseca, com roteiro de Décio Pignatari, um frequentador assíduo do Centro de Ciências, Letras e Artes.

Um elemento capital a unir os três curtas: a presença, como responsável técnico, de Henrique de Oliveira Júnior, dono de uma biografia riquíssima ligada ao cinema em Campinas. Um ícone de como o cinema desperta encanto e emoções.

Uma grande aventura – Em 1969, formado em Direito, Borges deixa o Cine-Clube para seguir sua carreira profissional em outra cidade. A censura começa a ficar mais rígida, o ambiente político e cultural do Brasil se fechava pouco a pouco. O grupo remanescente entendeu que a missão do CCUC tinha sido cumprida em grande estilo e, em 1973, a decisão pelo encerramento de suas atividades.

O movimento cineclubista no Brasil tem sido, desde a década de 1920, um dos grandes responsáveis por manter a chama acesa no interesse por um cinema de arte, questionador, plataforma para a reflexão dos grandes temas da condição humana. Um dos primeiros, o Chaplin-Club, teve entre seus fundadores nomes capitais do cinema brasileiro, como Mário Peixoto, Humberto Mauro, Adhemar Gonzaga e Plinio Sussekind Rocha. “Limite”, de Peixoto, clássico nacional, foi exibido primeiramente no próprio Chaplin-Club.

O Cine-Clube Universitário de Campinas faz parte dessa trajetória, e é um dos capítulos centrais da ligação estreita da cidade com o cinema. Campinas, segundo muitos autores, é a terra onde nasceu a fotografia, pelas mãos do francês Hercules Florence, e onde viveu um dos precursores do rádio, o padre Landell de Moura. Com estes antecedentes, a vocação para o cinema era inevitável. E ela se materializou, em coração, projetor e celuloide.

Uma cerimônia histórica no CCLA, para lembrar os 50 anos do Cine-Clube

Uma cerimônia histórica no CCLA, para lembrar os 50 anos do Cine-Clube

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