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Direitos de crianças e adolescentes ainda representam desafio no Brasil (DDHH Já, Dia 53, Art.22)
Jane Valente é referência nacional e internacional em serviços de acolhimento familiar (Foto Martinho Caires)

Direitos de crianças e adolescentes ainda representam desafio no Brasil (DDHH Já, Dia 53, Art.22)

POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS

Permanecem muitos desafios para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, apesar dos vários avanços em termos legais, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Como nota a assistente social Jane Valente, especialista em violência doméstica contra a criança e o adolescente pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da Universidade de São Paulo (USP), a década de 1980 foi caracterizada pela importante participação dos movimentos sociais em um processo que inaugurou uma série de novas relações na sociedade pela via dos direitos, culminando com a nova Constituição pós-ditadura.

Com o novo texto constitucional, destaca Jane Valente, “são ampliados os direitos e garantias individuais em várias áreas”. Na sequência, a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, ratificando a Convenção dos Direitos da Criança de 1989, “amplia a direção na implantação de serviços, programas e ações em benefício dessa população. Destaca-se o avanço da Educação passando a ser considerada como dever do Estado, a criação na Saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS), também do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que junto com a saúde e a previdência social compõe a política de seguridade social”.

Esses sistemas, continua Jane Valente, ex-secretária municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social de Campinas, “provocaram a organização vertical de suas respectivas políticas públicas, atuando transversalmente e trazendo com isso a atenção a temas importantes diretamente ligados aos direitos humanos, tais como: o cuidado à infância de modo geral, redução da mortalidade infantil, a melhoria da saúde das mães, o enfrentamento à pobreza, a escolaridade, benefícios e serviços continuados dirigidos a pessoas com deficiência, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, entre outros”. Essa é uma história, diz Jane Valente, “de avanços e retrocessos, de disputas e consensos, porém com importantes resultados expressos nos indicadores das diversas políticas públicas”.

Um ponto relevante na proteção dos direitos da infância e juventude, ressalta, são os estudos nacionais e internacionais confirmando que a institucionalização deve ser evitada no caso das crianças mais vulneráveis, eventualmente afastadas de seus lares, e este tema, amparado pelo Marco Legal pela Primeira Infância, aprovado em 2016, “apresenta recentes mudanças significativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando o direito de cuidado desde a gestação, tentando evitar a retirada de bebês e de crianças até seis anos de idade”.

“Trabalhos e programas têm sido realizados para evitar essa separação e, mesmo quando necessário, que as crianças possam ser cuidadas em “famílias acolhedoras” de forma provisória, sendo o trabalho principal a atenção à família de origem para que as mesmas possam retornar de forma protegida ao convívio familiar.  Destaca-se hoje um movimento nacional na garantia dos direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária com sua própria família”, observa Jane Valente, que é uma das referências latino-americanas no tema.

Autora do livro “Família Acolhedora – As relações de cuidado e de proteção no serviço de acolhimento” (Paulus), Jane sublinha que, a partir da aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), o acolhimento familiar, assumindo o caráter de serviço público continuado, passa a ser regulamentado para a sua implementação em todo o território nacional.

Além disso, lembra a especialista, o serviço de acolhimento em família acolhedora foi também reafirmado com a mudança provocada pela aprovação da Lei nº 12.010/09, que alterou o ECA e pela qual os serviços de acolhimento em famílias acolhedoras passaram a ter preferência ao acolhimento institucional (artigo 34 § 1º). A partir da lei 13257/16,  que dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância, foi também regulamentado o recurso para as famílias acolhedoras, em forma de bolsa auxílio,  para os gastos com a criança e o adolescente.

Existe, portanto, todo um aparato legal para a consolidação da família acolhedora, para receber crianças em situação de alta vulnerabilidade, mas na prática é diferente, lamenta Jane. “Na atual conjuntura do país, existindo poucos serviços dessa natureza, a segunda opção costuma ser a regra: as crianças e adolescentes que recebem medida protetiva de separação dos pais, por proteção, são encaminhadas a serviços de acolhimento institucional (abrigamento). Porém, órgãos de defesa nacionais e internacionais apontam a partir de renomadas pesquisas os malefícios da vida em instituição, em todos os aspectos do desenvolvimento humano”, reitera a especialista, consultora da Rede Latino-Americana de Acolhimento Familiar (Relaf).

O último censo nacional dos serviços de acolhimento apresentados pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS, 2018), salienta Jane Valente, revelou a existência de 30.952 crianças e adolescentes acolhidos, sendo somente 1.075 em famílias acolhedoras. “Nota-se, nos últimos anos uma grande variação nesses números, mas sempre preservando essa diferença entre o acolhimento institucional e o familiar”, diz ela, para quem os números e o cenário atual permitem “o entendimento de que o avanço nas leis não garante mudanças nas ações, ou seja, os instrumentos pelos quais são assegurados o exercício e o gozo dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias pela norma constitucional necessitam de grande investimento e vontade política em ações continuadas”.

(53º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 22º dia do mês de fevereiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 22: Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.)

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