A criação de um Observatório da Saúde de Campinas, visando aperfeiçoar o monitoramento da situação da saúde da população. Rever e aprimorar a estrutura da Secretaria Municipal da Saúde, entendida como instância máxima de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) no município. Ampliar a participação de Campinas nas discussões regionais sobre saúde, objetivando a efetiva estruturação de uma Rede Metropolitana de Atenção à Saúde.
Estas são algumas das propostas que um grupo de profissionais do Programa de Estudos em Sistemas de Saúde do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da (NEPP) da Unicamp acaba de divulgar, visando contribuir com a área da saúde no governo que será eleito neste domingo, dia 29 de novembro, no segundo turno das eleições municipais. O grupo do NEPP é formado por 26 especialistas, em diversas áreas da saúde, sob a coordenação da médica sanitarista Carmen Lavras, ex-secretária municipal da Saúde de Campinas.
O documento “Desafios para o setor da Saúde em Campinas – Contribuições a atuação de um novo Governo Municipal” resgata o conceito de saúde proposto historicamente pela Organização Municipal da Saúde (OMS), no momento de sua constituição em 1946. Por esse conceito, a saúde é entendida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não, simplesmente, a ausência de doenças ou enfermidades”.
Para o grupo do NEPP-Unicamp, esse conceito ampliado de saúde foi considerado pela Constituição Federal brasileira de 1988, que em seu artigo 196 define a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
SUS e Saúde Suplementar – O documento lembra que no Brasil existem dois sistemas de saúde, o SUS, voltado para garantir o direito à saúde de toda a população, e o Sistema de Saúde Suplementar, sob gestão privada. No caso de Campinas, a Saúde Suplementar atinge 47,1% da população, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No caso do SUS, de gestão pública, o grupo do NEPP lembra que Campinas foi um dos municípios pioneiros no Brasil na estruturação de uma rede municipal de saúde, antecedendo em uma década a criação do Sistema Único de Saúde. “O SUS, em Campinas, tem suas raízes nos Projetos de Medicina Comunitária que começam a ser desenvolvidos na cidade em meados da década de 70, por iniciativa Laboratório de Ensino de Medicina Comunitária (LEMC) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp”, lembra o documento.
“O governo municipal, iniciado em 1977, assume o modelo e essas primeiras unidades existentes e, expande a rede básica de “postos médicos comunitários”, fazendo com que Campinas chegue em 1980 com 25 unidades implantadas. Assim, em conjunto com alguns outros municípios brasileiros que tiveram iniciativas semelhantes, com destaque para Niterói e Londrina, Campinas cria sua rede básica de saúde sob responsabilidade municipal, praticamente, uma década antes da criação do SUS”, prossegue o documento.
Além disso, lembram os profissionais do NEPP, Campinas, “juntamente com esses outros municípios, também pioneiros no que diz respeito a sua atuação no setor público de saúde, passam a participar como uma força municipalista, no “Movimento Brasileiro de Reforma Sanitária”, que, agregando inúmeras outras forças políticas do país, contribui de forma decisiva para a emergência do SUS, na Constituição de 1988, e para sua posterior organização”.
Diagnóstico da saúde em Campinas – Campinas apresenta, portanto, uma forte história em saúde pública, se refletindo na organização da atual rede municipal. O documento do Programa de Estudos em Sistemas de Saúde do NEPP-Unicamp faz então um amplo diagnóstico do setor da saúde no município, onde vivem cerca de 1,2 milhão de pessoas e que recentemente foi oficializada como uma das 12 metrópoles brasileiras, a única que não é capital estadual.
No âmbito da Atenção Primária à Saúde, o documento comenta a atuação da rede estruturada com base nos 66 Centros de Saúde (Unidades Básicas de Saúde), que oferecem “um conjunto bastante diversificado de ações e procedimentos de cunho individual e coletivo”, indo de consultas individuais a campanhas de vacinação “e várias outras atividades voltadas ao controle de doenças transmissíveis tais como rastreamento, identificação, isolamento e monitoramento de pacientes e contactantes”.
O documento evidencia, igualmente, a relevância da Estratégia de Saúde da Família, “operacionalizada por equipes que atuam em áreas definidas dentro da área de abrangência dos Centros de Saúde aos quais se encontram ligadas”. Em Campinas existem atualmente 209 Equipes de Saúde da Família, “o que pelos recentes parâmetros estabelecidos para áreas urbanas, significa uma possibilidade de cobertura de 69,43% da população do município”.
O documento alerta a respeito que “existem hoje vários obstáculos a serem superados para que isso realmente aconteça: a falta de profissionais com formação especifica na área, particularmente em medicina de família e comunidade; a dificuldade de fixação de profissionais nas equipes e de recomposição de quadros; e, as dificuldades próprias de qualquer processo de mudança dessa natureza, tanto no que diz respeito a existência de profissionais com distintas formações nessas unidades, como em relação a mudanças de processos de trabalho historicamente instituídos”.
O documento do NEPP-Unicamp comenta também a atuação da Vigilância em Saúde, da Atenção Especializada ambulatorial e hospitalar e da Atenção de Urgência e Emergência, que atua com base nos Pronto Atendimentos, SAMU e Pronto Socorros próprios do município (Metropolitano, do Hospital Municipal “Dr. Mário Gatti” e do Complexo Hospitalar “Prefeito Edivaldo Orsi”), além de serviços conveniados e contratados, em especial o Pronto Socorro do Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUCCAMP e, a Maternidade de Campinas para urgências obstétricas. “Embora sob gestão estadual e como serviços de retaguarda regional, os prontos socorros do Hospital das Clínicas e do CAISM da Unicamp são também muito utilizados pelos cidadãos de Campinas”, lembra o documento.
Rede Mário Gatti – O documento faz uma análise da Rede Mário Gatti, criada por lei municipal complementar nº 191 de 08/03/2018, como uma autarquia pública municipal gestora de uma rede médico hospitalar, com sete unidades de saúde para o atendimento da população de Campinas, contando com dois hospitais de grande porte (Hospitais Mário Gatti e Ouro Verde), quatro unidades de pronto-atendimento e o SAMU.
A Rede Mário Gatti, recorda o grupo de profissionais do NEPP-Unicamp, foi organizada “a partir da autarquia do hospital Mário Gatti e da falência de várias propostas de terceirização administrativa, do hospital Ouro Verde, buscando imprimir maior agilidade aos processos 27 burocráticos da saúde”. O grupo de especialistas alerta que “assim como o antigo Hospital Mário Gatti, a nova rede criada continua mantendo e, até intensifica, a mesma dicotomia histórica com a SMS e o restante do SUS municipal, contribuindo para a desintegração da gestão do sistema municipal de saúde, no que se refere às grandes decisões de orientação do SUS em Campinas”.
Dessa forma, uma das propostas do grupo de especialistas para o novo governo municipal é justamente “revisar, após ampla discussão com as instâncias gestoras do SUS no município, a Lei Complementar nº 191, de 8 de março de 2018, que criou a Rede Mario Gatti, no sentido de sustar, imediatamente, a delegação de funções gestoras para essa Rede, garantindo o comando único e a integração do SUS municipal e, redefinindo as funções gerencias e executoras da autarquia”.
Propostas para o novo governo – Além das propostas já citadas, o documento “Desafios para o setor da Saúde em Campinas – Contribuições a atuação de um novo Governo Municipal” aponta a necessidade de fortalecer a participação social, através do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e Conselhos Locais de Saúde; a organização, em conjunto com o CMS, da Conferência Municipal de Saúde prevista para 2023; e, em termos da atuação metropolitana, do estabelecimento de “maior sinergia entre as atividades da Região de Saúde (RS) Metropolitana de Campinas e da Câmara Temática de Saúde da Região Metropolitana de Campinas (RMC) vinculada a AGEMCAMP, no sentido de integrar os processos de discussão e potencializar iniciativas definidas nesses dois Fóruns”.
Outra proposta é a definição de parcerias “com empresas de grande porte, existentes na região (por exemplo, concessionárias de rodovias, aeroporto internacional, shopping centers…) favorecendo o exercício de sua reponsabilidade social, no desenvolvimento de projetos de saúde de interesse público”.
São muitas outras propostas, incluindo a ampliação do investimento em Tecnologia da Informação na Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a qualificação da Política de Comunicação Social em Saúde sob responsabilidade da SMS, a criação de novas unidades na Atenção Básica (priorizando áreas que concentram grupos populacionais socialmente mais vulneráveis) e aumentar o número de UBS em horário estendidos e aos sábados.
Um ponto fundamental, para o grupo do NEPP-Unicamp, é desenvolver novas estratégias para melhoria da cobertura vacinal incluindo a organização da campanha de vacinação contra a Covid-19 que se avizinha”.
Os profissionais salientam que estão apresentando o conjunto de ideias e proposições, “sem a pretensão de esgotar o assunto”, enquanto grupo que “conta com profissionais de diversificada formação, vinculados a universidade ou que nela atuam como colaboradores a partir de suas vivências como profissionais vinculados a outras organizações de saúde de Campinas e região e que há anos vem se dedicando ao estudo de sistemas de saúde e a cooperação com o desenvolvimento do SUS, em particular na nossa região, entendendo-o como um projeto de Estado e como uma das políticas públicas mais efetiva em curso no país”. Dessa maneira, o grupo se coloca “a disposição para, se necessário, discutir as ideias aqui contidas esperando assim, estar de alguma forma contribuindo com o desenvolvimento de Campinas”.