Por Cláudia Colen, de Londres
Em tempos de crise e prolongada recessão, os britânicos estão sendo chamados a votar no referendo marcado para o próximo dia 23 de junho para decidirem se querem ou não a permanência do Reino Unido na União Europeia. O termo “Brexit” é junção do diminutivo “Britain” – que significa Grã-Bretanha e “exit”, que significa saída.
Embora o Primeiro Ministro David Cameron seja contra, como outros dentro do próprio partido, o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, conservador, tornou-se o mais louquaz defensor da saída. Grande parte dos lobistas que lançaram a ideia do referendo são membros e políticos do Partido Conservador, atualmente no poder, e dos partidos Nacionalista e Independentista britânicos.
Pesquisas recentes mostram um empate na intenção de voto, o que pode ser explicado pelo fato de poderem votar apenas aqueles que possuem nacionalidade britânica, irlandeses e cidadãos já residentes da Commonwhealth – associação voluntária de 53 estados soberanos, a maioria ex-colônias britânicas com exceção de Moçambique, antiga colônia portuguesa, e Ruanda.
Os demais residentes, incluindo os que têm livre trânsito e direito a trabalhar nos 28 países da União Europeia e os britânicos que vivem fora há mais de 15 anos, ficam de fora da decisão. O cidadão de outro país europeu que também possua passaporte britânico tem direito ao voto, mas nessa categoria de dupla nacionalidade europeia há muito poucos porque a grande parte, até então, não sentia a necessidade de obter a cidadania britânica.
Pessoalmente, vejo uma imensa injustiça nessa questão e vou citar um exemplo familiar: casada com um cidadão português há 21 anos aqui na Inglaterra, logo ganhei o visto de residente por cinco anos. Após este período pude requerer o passaporte britânico, que tenho desde 2003. O meu caso é pouco comum já que a maioria que vem de fora do espaço europeu e se casa com cidadãos de outros países europeus tende a preferir a nacionalidade do cônjuge.
Eu, mineira, brasileira, casada com um europeu que já vivia há muito mais tempo do que eu no Reino Unido, posso votar, ele não. Os defensores do Brexit pregam que quem já está no espaço britânico não seria afetado com a possível saída, mas há um problema: aqueles que passarem mais de dois anos fora, mesmo em seus países de origem dentro do espaço europeu, se decidirem retornar, não encontrarão as mesmas facilidades nem mesmo o direito a trabalhar, a não ser os casados com cidadãos britânicos.
Temor em tempos de guerra, austeridade e terrorismo
O que está em jogo aqui é a pressão que o Reino Unido vive, principalmente com o alargamento da União Europeia pela adesão de novos países membros como a Bulgária e a Romênia. Com eles, são 28 estados membros. O impacto dessa inserção se vê no estrangulamento dos serviços de saúde, educação, transporte público e aumento dos custos das propriedades e com moradia.
A crise econômica e os regimes de austeridade em países como Grécia, Portugal, Espanha e Itália – membros mais antigos – e a chegada em massa de novos cidadãos membros à procura de emprego fizeram aumentar o problema, e isso sem falar do número de refugiados da Síria e de outras áreas em conflito que o Reino Unido, relutante, é chamado a abrigar.
Mas isso não seria um assunto para ser decidido por todos os estados da União? Este é o ponto-chave que leva muitos dos membros a reclamarem das decisões vindas do Parlamento Europeu. O governo britânico se defende alegando que não pode mais receber imigrantes porque já está impactado com o alargamento da União e os países que mais recebem refugiados, como a Itália e a Grécia, reclamam que não podem mais arcar com os custos sozinhos.
O Reino Unido aderiu à Comunidade Europeia em 1973, mas com o suporte de uma moeda forte, a libra, sempre se recusou a adotar o euro, a moeda única europeia, nem aceitou integrar o Acordo de Schengen (que permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras).
Desde que David Cameron foi eleito primeiro ministro, em 2010, tem crescido o lobby para recuperar algum poder “perdido” para os outros 27 membros. De olho grande na autonomia de países como Islândia, Suíça e Noruega, que apenas fazem parte da área econômica, mas que não se sujeitam às regras que geram controvérsia dentro da UE, os defensores do Brexit já conquistaram 41% das intenções de voto, segundo pesquisa publicada pelo jornal Financial Times.
Ainda segundo a pesquisa, 46% preferem a permanência do Reino Unido e os restantes continuam indecisos. A abstenção pode também influir no resultado, já que aqueles que querem a saída são os mais motivados a votar. Quem é a favor aposta no comércio mais aberto e mais livre com o resto do mundo, na diminuição dos níveis de regulação conjunta e numa política de migração laboral liberal e seletiva (como acontece na Austrália, EUA e Canadá).
O ódio
Mas há muito de nacionalismo, xenofobia e medo envolvendo a questão, na opinião de quem, como eu, observa a agressividade dos defensores mais ferrenhos do Brexit. Apesar de não haver ainda um empate técnico nas pesquisas (mas quase) o Brexit é uma preocupação crescente para os empresários locais que dependem do mercado comum europeu para negociar e expandir.
Ao lado deles, Stephen Kinnock, deputado do Partido Trabalhista, afirma que “seria péssimo para a captação de investimentos, porque muitas multinacionais investem aqui não apenas porque o inglês é a língua dos negócios, mas porque o Reino Unido é membro da União Europeia e lhes garante um mercado com mais de 500 milhões de consumidores”. Além disso, alguns especialistas na questão são unânimes ao afirmar que os britânicos não foram totalmente esclarecidos sobre o alto custo que terão que pagar até uma reestruturação definitiva por volta de 2030, caso decidam pela da saída.
Em um debate no programa Question Time da BBC na última semana, um jovem disse ao vivo aos debatedores convidados: “Vocês só me deixaram mais confuso”.
Para mim, este referendo é fora de hora, terá consequências que ainda não foram estudadas, exclui a participação de milhões que aqui investiram e deram seu contributo. Portanto, meu voto é não ao Brexit.