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Luta de trabalhadores no Brasil impacta no jogo de xadrez mundial do amianto
As peças estão no tabuleiro do xadrez mundial do amianto (Foto José Pedro Martins)

Luta de trabalhadores no Brasil impacta no jogo de xadrez mundial do amianto

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 5 de maio de 2017

“Queremos justiça”. Em duas palavras, o paranaense Herbert Fruehauf resume a motivação dos expostos ao amianto no Brasil, cada vez mais conhecidos, organizados e ativos e cuja mobilização pode ter reflexo direto no jogo de xadrez mundial em torno do produto, envolvendo interesses poderosos e múltiplos protagonistas. Como resultado de uma trajetória de muitas discussões, iniciadas com a determinação dos trabalhadores do setor em buscar justiça e visibilidade social, uma questão em debate no Supremo Tribunal Federal pode abrir o caminho para o banimento do amianto no país, o que afetaria diretamente o bilionário mercado internacional.

De fato, a controvérsia chegou à mais alta corte da Justiça no Brasil depois de um longo roteiro de polêmicas e manifestações sobre o amianto, envolvendo diferentes atores. São ex-operários, organizações da sociedade civil, parlamentares, médicos, acadêmicos e setores do poder público: cada um deles contribuiu, nas últimas três décadas, para que a polêmica temática do amianto passasse a integrar a agenda pública até chegar ao STF, com a possibilidade de sinalização pelo banimento, o que já ocorreu em mais de 60 países.

Um dos maiores produtores e exportadores, o Brasil é um dos últimos dos gigantes do amianto que ainda não optou pelo banimento e apenas este fato confirma como o assunto é delicado e complexo. Além da questão de saúde, o setor do amianto também tem implicações ambientais de alta gravidade. Abaixo, o roteiro da história que desembarcou no Supremo Tribunal Federal.

Seminário Internacional em Campinas, que discutiu aspectos sociais e jurídicos do amianto (Foto José Pedro Martins)

Seminário Internacional em Campinas, que discutiu aspectos sociais e jurídicos do amianto (Foto José Pedro Martins)

Começa o jogo: o sistema produtivo construído em torno do amianto

O amianto vem sendo utilizado como matéria-prima ou insumo em várias atividades humanas desde a descoberta de suas propriedades. Como amianto é conhecido um conjunto de minerais formados essencialmente por silicato de magnésio. São minerais que, em função dos processos geológicos de milhões de anos, apresentam características de material fibroso. Estas fibras são resistentes a altas temperaturas e à tração, o que as tornam material passível de uso em diversos setores produtivos.

São conhecidas mais de 30 variedades de amianto, ou asbesto, como o mineral também é conhecido. Poucas variedades, contudo, têm interesse comercial. São dois grupos de amianto, as serpentinas e os anfibólios, cuja extração e comercialização é proibida no Brasil. Por outro lado, é liberada a produção e comércio de crisotila, a variedade do grupo das serpentinas. “Fibra de ouro”, em grego, a crisotila realmente tornou-se um produto altamente utilizado e rentável no país ao longo do século 20, o que já vinha ocorrendo em várias partes do mundo desde o século 19, com a aceleração da Revolução Industrial, embora o amianto seja conhecido desde o terceiro milênio Antes de Cristo.

Estima-se em mais de 3 mil o número de produtos com amianto em sua composição. Caso dos objetos de fibrocimento, como caixas d´água, tubos e telhas onduladas. Os cálculos são de que a área de fibrocimento consome 92% da produção de fibras de crisotila no planeta. Mas as fibras de amianto são igualmente utilizadas em produtos de vedação, isolantes térmicos, filtros, produtos têxteis e produtos de fricção, como lonas de freio, pastilhas e discos de embreagem para metrôs, tratores, trens, caminhões e automóveis em geral.

Com efeito, foi a Revolução Industrial que marcou a intensificação do uso da crisotila e outras variedades de amianto, em função da aceleração da busca de novas matérias-primas. A invenção do fibrocimento, pelo austríaco Ludwig Hatscheck, data da virada dos séculos 19 e 20, e a partir daí houve uma grande corrida na aplicação da mistura de cimento e fibras de amianto, observada a proporção de nove para um. A florescente indústria automobilística e o crescente mercado imobiliário, em um planeta que multiplicou por três sua população no século 20 (de 2 para mais de 6 bilhões de pessoas), representaram vasto território para o uso do amianto. O produto também passou a ser muito empregado em sistemas de coleta e distribuição de água e esgoto.

Não demorou para que circulassem na comunidade acadêmica, e inicialmente apenas nela, estudos sobre os efeitos das fibras de amianto na saúde. As pesquisas originais do médico inglês H.Montagne Murray, apontando que a exposição ao amianto levava à asbestose (fibrose pulmonar), datam de 1907. Outras pesquisas foram realizadas e divulgadas, o que não impediu a consolidação de um consistente parque produtivo utilizando o amianto.

No Brasil, há registros de conhecimento do amianto desde o século 18, inicialmente em Minas Gerais. A primeira mina de amianto, explorada de forma amadora, em Itaberaba, na Bahia, teria sido aberta em 1923. Até a década de 1930 a grande parte do amianto utilizada no país provinha do exterior.

O cenário começou a mudar na segunda metade dos anos 1930, com as descobertas e início de exploração das minas de São Félix, no distrito de Poções, no atual município de Bom Jesus da Serra (BA), e de Dois Irmãos, em Pontalina (GO). Pertencente à francesa Compagnie Pont-à-Mousson, a Brasilit passou a atuar no Brasil em 1939, tendo adquirido a Sociedade Anônima Mineração de Amianto (SAMA) para explorar a mina de Bom Jesus da Serra. Em 1940 foi a vez do grupo Eternit, da Compagnie Financière Eternit, belga, começar suas atividades no país. Era a época do governo de Getúlio Vargas, quando houve forte estímulo à industrialização.

O uso – e o lucro – crescente foi o combustível para a ampliação de buscas por jazidas no Brasil. Logo foram descobertas as minas de Santo Antônio da Laguna (GO), em 1953 (por profissionais da SAMA); de Testa Branca, em Itaberaba (BA), em 1960 (por técnicos da FAMA, uma subsidiária da Eternit); e de Cana Brava, no município de Minaçu (GO), em 1962, por geólogos da SAMA. A mina de Cana Brava se revelaria a maior em território brasileiro. Em 1997 a Eternit adquiriu 100% da SAMA, que passou a se denominar SAMA Mineração de Amianto Ltda. A Eternit era sócia da Brasilit desde 1967 na SAMA.

Em 2017 o Brasil é um dos seis maiores produtores e exportadores mundiais de amianto, representando cerca de 10% da produção mundial. Cerca de 70% da produção nacional são exportados e os maiores importadores são África do Sul, China, Colômbia, Coréia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Equador, Índia, Indonésia, Malásia, México e Tailândia. Mas o Brasil também importa muito amianto, sobretudo da Rússia, do Zimbábue e do Canadá, outros três dos cinco grandes produtores mundiais. China e Cazaquistão são os outros dois gigantes do setor.

O Grupo de Trabalho constituído em pela Câmara dos Deputados, para investigar o setor do amianto no Brasil, concluiu, sobre a importação de amianto pelo país: “Para surpresa do GT, não há nenhum controle sobre a entrada dessas fibras. Em virtude da falta de controle de origem e de rastreabilidade do produto importado, não há como garantir que o mineral não esteja contaminado por anfibólios”, que são proibidos pela legislação brasileira. Os impactos ambientais da mineração do amianto também impressionaram o GT da Câmara dos Deputados.

Mais de 60 países já baniram o amianto, o que ainda não é o caso do Brasil. A proliferação de casos graves de saúde, incluindo milhares de mortes, e também a contaminação ambiental foram a motivação para o banimento nesse conjunto de países.

René Mendes, um dos pioneiros nos estudos no Brasil sobre efeitos do amianto na saúde (Foto Arquivo Pessoal)

René Mendes, um dos pioneiros nos estudos no Brasil sobre efeitos do amianto na saúde (Foto Arquivo Pessoal)

A Medicina e a Ciência mexem suas peças

A proliferação de ações de banimento do amianto aconteceu, de fato, em decorrência da multiplicação de estudos e pesquisas apontando os grandes riscos das fibras para a saúde. Embora os banimentos em série tenham ocorrido a partir da década de 1980, estudos nesse sentido já eram conhecidos desde o início do século 20, como lembra o médico René Mendes, com uma trajetória de pesquisas e ações sobre o tema no Brasil.

Depois do estudo pioneiro de H.Montagne Murray, em 1907, vieram outras pesquisas, como as de Cooke que, entre 1924 e 1927, confirmou a correlação entre trabalho e a doença que ele batizou de “fibrose pulmonar”. É a asbestose, como conhecida atualmente.

Foi impactante, do mesmo modo, a apresentação de relatório em 1930 ao Parlamento britânico, por Merewether e Price. Eles compilaram estudos epidemiológicos ligados a doenças provocadas pelo amianto e reivindicaram a intensificação de medidas de proteção e prevenção, a partir da eliminação de poeiras nos ambientes de trabalho.

Em 1935, também em Londres, foi a vez do patologista Gloyne descrever o potencial cancerígeno do amianto. Ele demonstrou a associação entre carcinoma pulmonar de células escamosas e a presença de asbestose. No mesmo ano publicações especializadas norte-americanas divulgaram estudos na mesma linha.

Duas décadas depois, o epidemiologista britânico Richard Doll ratificou a associação entre a exposição ocupacional ao amianto e o câncer de pulmão. “Em trabalho que veio a tornar-se paradigma metodológico clássico em Epidemiologia, Doll demonstrou que a frequência de câncer pulmonar em trabalhadores da indústria têxtil expostos ao asbesto durante 20 anos, ou mais, era dez vezes a esperada na população geral”, observa René Mendes, no artigo “Asbesto (amianto) e doença: revisão do conhecimento científico e fundamentação para uma urgente mudança da atual política brasileira sobre a questão”, publicado no Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(1):7-29, janeiro-fevereiro de 2001 (ver aqui).

O mesmo René Mendes cita vários estudos realizados a seguir, em esfera internacional. No Brasil, lembra o especialista, a primeira referência a doenças relacionadas ao amianto foi registrada no Boletim número 98, do Departamento Nacional de Produção Mineral, publicado em 1956, com o título “Higiene das Minas – Asbestose”. Foi uma monografia elaborada pelos médicos Carlos Martins Teixeira e Manoel Moreira, a partir de estudos nas minas de asbesto do município de Nova Lima (MG) e na usina de beneficiamento do minério. “Após efetuarem minucioso estudo clínico e radiológico de oitenta trabalhadores, os autores identificaram seis casos de fibrose nas bases pulmonares compatíveis com formas iniciais de asbestose”, escreveu René Mendes, citando o boletim do DNPM de 1956.

Depois vieram outros estudos de brasileiros, continua Mendes, como os de Diogo Pupo Nogueira (“Asbestose no Brasil: um risco ignorado”, também assinado por Diógenes A.Certain, Setsuko Jo Uesugui, Rosa Kioko Koga e Herval Pina Ribeiro, ver aqui), Manoel Ignácio Rollemberg dos Santos (“Asbestose, a verdade dos diagnósticos”, de 1979) e Reynaldo Quagliato Júnior, do Serviço de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que em 1980 publicou comunicação científica relativa a um caso de asbestose derivado da indústria de cimento-amianto, onde o paciente havia trabalhado por 12 anos.

Em 1983, na mesma Unicamp, dissertação de mestrado de José Luiz Riani Costa identificou casos de asbestose em registros de segurados da Previdência Social afastados por “pneumopatias crônicas”. O médico constatou que em 86 trabalhadores da indústria de cimento-amianto da região de Leme, no interior de São Paulo, foram detectados 14 casos de asbestose.

Existe há anos no Brasil, portanto, um arsenal de estudos e pesquisas sobre a associação de doenças ao amianto, mas o produto ainda não foi banido no país, o que já ocorreu em outros 60. E nesses as questões de saúde foram de fato determinantes para o banimento.

O tabuleiro de xadrez mundial do amianto envolve muitos e poderosos jogadores (Foto José Pedro Martins)

O tabuleiro de xadrez mundial do amianto envolve muitos e poderosos jogadores (Foto José Pedro Martins)

O amianto no tabuleiro internacional

Os primeiros países a banir o produto foram Islândia (1983), Noruega (1984), Dinamarca (1986), Suécia (1986), Suíça (1989), Áustria (1990), Holanda (1991), Finlândia (1992), Itália (1992) e Alemanha (1993). Em 1997 foi a vez da França decidir pelo banimento, o que contribuiu para a proliferação de medidas semelhantes em outros países europeus e de outras partes do mundo. O banimento em território francês foi precedido por longo debate. Foi então encomendado um relatório ao renomado Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (sigla INSERM, em francês) e tão logo recebeu os resultados o presidente Jacques Chirac convocou a imprensa e anunciou que, em funções das graves implicações dos produtos com amianto para a saúde, o asbesto estaria banido a partir de 01 de janeiro de 1997.

A decisão da França motivou uma queixa dos grandes produtores Canadá, Zimbábue e Brasil à Organização Mundial do Comércio (OMC), com a alegação de que o banimento representava um entrave ao comércio internacional. Mas o Órgão de Apelação da OMC, em 12 de março de 2001, deu ganho de causa à França, o que contribuiu para novos banimentos. Desde 01 de janeiro de 2005, o banimento ocorre em todos os países da Comunidade Europeia. O Órgão de Apelação da OMC concluiu que as medidas da França estavam de acordo com as exceções previstas no artigo XX (b) do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT), de 1994.

Desde a década de 1990, novas iniciativas no plano internacional têm alimentado as pressões pelo banimento generalizado do amianto. Um marco é a Convenção n.162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1986, que trata da “utilização do asbesto em condições de segurança” (ver aqui). O documento destaca que o amianto merece cuidados, mas para muitos especialistas contribuiu para que o produto continuasse a ser largamente utilizado, como no caso brasileiro. Segundo René Mendes, instrumentos da legislação brasileira, como a Resolução n.7 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1987, bem como a Portaria n.1, do mesmo órgão, de 1991, “expressavam a intenção brasileira de tomar a Convenção n.162 da OIT como escudo e paradigma para um posicionamento político e técnico que, na esteira de uma suposta proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, preservasse o espaço da crisotila no Brasil”.

Duas décadas depois, entretanto, em sua 95ª Reunião Anual, em Genebra, mais precisamente a 15 de junho de 2006, a OIT se manifestou pela proibição do amianto, com claros argumentos: “100 mil mortes ao ano são causadas pelo amianto, em todo o mundo; que a eliminação no futuro do uso de todas as formas de amianto e a identificação dos procedimentos de gestão adequados para eliminação do amianto, já existente, constituem os meios mais eficazes para proteger os trabalhadores expostos a este material e prevenir as enfermidades e mortes que ele pode causar e que a Convenção 162 de 1986 não deve ser usada para justificar ou respaldar a continuação do uso do amianto”.

Se a OIT mudou sua posição, o mesmo ainda não ocorreu totalmente no âmbito da Convenção de Roterdã, que abrange o controle do movimento transfronteiriço de produtos químicos perigosos. A Convenção data de 1998 e entrou em vigor em 24 de fevereiro de 2004. Desde então, em várias Conferências das Partes (COPs) grupos e países favoráveis ao banimento do amianto se manifestam – com base no princípio do Consentimento Prévio Informado (PIC, na sigla em inglês) pela inclusão da crisotila no chamado Anexo III,  que contempla a lista para informação pelos países exportadores, aos respectivos importadores, sobre os riscos dos produtos nela incluída. Em diversas COPs o Brasil se absteve de votar, mas na COP-7 de 2015, em Genebra, o Brasil se posicionou pela inclusão do crisotila no Anexo III, como documentou a embaixadora Regina Maria Cordeiro Dunlop, chefe da Delegação do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, de 2013 a 2016.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem-se posicionado cada vez mais firme pela eliminação do uso do amianto, pelo seu enorme dano à saúde.  A Nota Descritiva n.343, de junho de 2016, da OMS, reafirma que “todas as formas de asbesto, inclusive crisotila, são cancerígenas para o ser humano” (ver aqui). A exposição ao asbesto, continua a nota da OMS, “é causa de câncer de pulmão, laringe e ovário, assim como de mesotelioma (um câncer do revestimento das cavidades pleural e peritoneal). A exposição ao asbesto também pode causar outras enfermidades, como asbestose (uma forma de fibrose pulmonar), além de placas, espessamentos e derrames pleurais”. Em todo mundo, diz a OMS, 125 milhões de pessoas estão expostas ao amianto no lugar de trabalho. “Calcula-se que metade das mortes por câncer de origem laboral são causadas pelo asbesto”, conclui a Organização Mundial da Saúde no documento.

Ligada à OMS, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC, em inglês) também se pronuncia regularmente sobre os impactos do amianto na saúde. Caso da monografia “Asbestos (chrysotile, amosite, crocidolite, tremolite, actinolite and anthophyllite” (ver aqui). Já existe, portanto, farto material científico e de tratados internacionais apontando para a necessidade de eliminação do asbesto. No Brasil essa demanda cresce, sobretudo pela atuação dos trabalhadores vítimas do amianto.

Como muitos ex-empregados do amianto, Herbert Fruehauf foi à luta a partir do zero (Foto José Pedro Martins)

Como muitos ex-empregados do amianto, Herbert Fruehauf foi à luta a partir do zero (Foto José Pedro Martins)

Trabalhadores do amianto no ataque 

O paranaense Herbert Fruehauf, morador em São José dos Pinhais (PR), é um caso emblemático  do drama vivido pelos expostos ao amianto no Brasil. Ele somente soube que estava doente ao fazer um exame admissional para uma empresa na Região Metropolitana de Curitiba. Ele havia trabalhado antes, por cinco anos, em uma planta que fabrica telha usando amianto. Foi demitido e, ao fazer os exames médicos para o sonhado novo trabalho, soube que tinha placas pleurais com espessamento.

Também ficou pouco tempo no novo emprego e foi aí que notou haver que “tinha algo muito errado”. Ainda não possuía informações sobre os riscos do amianto e percebeu que em seu estado não havia uma entidade que cuidasse das vítimas da fibra. Foi a origem da Associação Paranaense dos Expostos ao Amianto (APREA), que se tornou uma das mais atuantes no país.

“Não tínhamos informação, atendimento médico, nada. Começamos do zero”, diz Herbert, que buscou os cuidados de especialistas paulistas e fundou a APREA depois que conheceu a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), criada a partir da luta dos ex-empregados da Eternit em Osasco, na Grande São Paulo.

O fundador da APEA buscou na Justiça uma indenização e hoje muitos outros ex-empregados em plantas que usam amianto integram a mesma narrativa. Herbert Fruehauf salienta que, além da justiça, os expostos ao amianto lutam pela visibilidade de sua causa.

“Durante muito tempo vivemos o que é chamado de silêncio epidemiológico. Estamos começando a sair dessas sombras, nossa luta já é reconhecida e envolve muita gente. Mas ainda é preciso caminhar muito”, adverte.

De fato, o médico do Trabalho René Mendes nota que ainda falta bastante em termos de atendimento aos expostos ao amianto, no âmbito do Sistema Único do Saúde. “O diagnóstico melhorou, mas ainda faltam condições ideais, e também muito em termos do tratamento dos atingidos”, ele comenta. Ele nota que o Brasil pode vir a registrar um aumento no número de casos de doentes em função da exposição ao amianto, em razão do período de latência das enfermidades. O maior perigo, acrescenta, é no caso do mesotelioma. “Após o diagnóstico, em seis meses a um ano o paciente pode morrer”, destaca.

Fernanda Giannasi: apoio incansável aos expostos ao amianto (Foto José Pedro Martins)

Fernanda Giannasi: apoio incansável aos expostos ao amianto (Foto José Pedro Martins)

A dama entra na luta

No jogo de xadrez a Dama é a peça mais poderosa e ativa, com ampla capacidade de mobilização. Pois as vítimas do amianto no Brasil, também atingidas por um forte “silêncio epidemiológico”, passaram a contar com um apoio fundamental na pessoa de Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que se tornou referência nacional e internacional no tema.

O envolvimento com a questão data de 1983, ano em que a engenheira civil, especializada em Engenharia de Segurança do Trabalho, se tornou funcionária do Ministério do Trabalho e Emprego. Logo ela constatou que os operários de fábricas que empregam o amianto em seu processo produtivo não atuavam em condições apropriadas. Na realidade, os expostos ao amianto não tinham informações sobre os riscos a que estavam submetidos, advertidos por médicos, acadêmicos e organizações como a própria OMS.

Em junho de 1986, a OIT promulgou a Convenção Internacional sobre a Utilização do Asbesto com Segurança, a Convenção 162, que apesar de suas limitações de fato foi um marco na discussão global sobre o tema. Fernanda passou a se interessar e buscar mais informações sobre a questão.

Ela entende que um avanço importante foi registrado em 1992, em função da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 ou Eco-92. Durante o evento realizado no Brasil, e ainda considerado o mais relevante sobre temas ambientais, a engenheira começou a integrar uma rede de contatos entre várias organizações ecologistas. “Começamos diálogos importantes ali e isso foi fundamental para ampliar a visão e articulação”, afirma Fernanda.

A engenheira conta que as suas fiscalizações passaram a incomodar e em 1995 ela foi transferida de São Paulo para Osasco. Era justamente onde funcionou uma planta da Eternit e a partir da cidade a mobilização dos expostos ao amianto somente aumentou. No dia 9 de dezembro de 1995 foi fundada, em Osasco, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), logo consolidada como a principal referência no país (ver o site aqui).

Depois da fundação da ABREA a trajetória dos expostos ao amianto foi fortalecida e Fernanda Giannasi passou a estar presente constantemente em eventos no Brasil e no exterior. Na Itália ela recebeu apoio especial. O país envolveu-se fortemente na discussão, em razão da mobilização de moradores de Casale Monferrato, onde por décadas funcionou uma fábrica da Eternit. A Itália baniu o amianto em 1993. Como um dos reconhecimentos ao empenho da brasileira, Fernanda é membro da Academia de Ciências do Mundo do Trabalho da Itália, onde é uma das poucas mulheres e representante única da América Latina. Entre outros prêmios, a ativista recebeu um em 1999 da Associação Americana de Saúde Pública.

Não foram poucas as ameaças e pressões que sofreu, mas Fernanda prosseguiu a apoiar a ABREA e a atuar em iniciativas que resultaram em leis estaduais e municipais de banimento do amianto. Aproximadamente 20 municípios brasileiros já contam com leis proibindo ou com restrições ao uso do amianto, como Amparo, Campinas, Jundiaí, Mogi-Mirim, Santa Bárbara D´Oeste e Osasco. A Lei Municipal 10.874, de 10 de julho de 2001, proíbe a fabricação, estabelece restrições ao uso e comercialização e definiu prazos para banimento de materiais produzidos com qualquer forma de asbesto ou amianto ou de outros minerais ou materiais que os contenham em sua composição, no município de Campinas.

“Vejo que não é uma luta mais solitária. Antes tínhamos todos os ônus e bônus, mas agora vemos a atuação cada vez maior de parceiros no Ministério Público, na Justiça do Trabalho e principalmente entre os trabalhadores, na sociedade civil. O silêncio epidemiológico em torno do amianto está acabando. São muitas histórias de trabalhadores que estavam invisíveis, escondidas, e agora são conhecidas e reconhecidas. Isso é o mais importante”, afirma Fernanda Giannasi, que recentemente teve o nome envolvido em um caso de repercussão internacional. O jornal The Guardian, de Londres, deu ampla cobertura ao assunto (ver no artigo “Corporate spy infiltrated anti-asbestos campaign, court told”, aqui).

Ela foi uma das pessoas ligadas à luta internacional pelo banimento do amianto, que foram alvo de espionagem corporativa. Fernanda relata que de fato foi procurada por uma pessoa que se apresentou inicialmente como um cineasta que trabalha com documentários, e que gostaria de fazer um filme sobre os riscos do amianto. A engenheira relata que ele se demonstrou muito interessado em conhecer outras pessoas ligadas à Rede Ban Asbestos. Não lhe revelou nenhuma informação útil e logo desconfiou de seu método de abordagem. Em janeiro de 2017, a pessoa que procurou Fernanda Giannasi e outros ativistas da causa pelo banimento do amianto foi uma das citadas em audiência na Corte Real de Justiça, em Londres, convocada justamente como parte do processo relacionado à denúncia de alta espionagem e infiltração entre os contrários ao asbesto em plano mundial.

Mendes Thame: vários projetos sobre amianto na Câmara dos Deputados (Foto Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Mendes Thame: vários projetos sobre amianto na Câmara dos Deputados (Foto Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Parlamento de olho no rei

As advertências de médicos e cientistas, os alertas de organizações como a OMS e sobretudo a luta dos trabalhadores repercutiram e tem sido crescente o envolvimento de instituições como o Ministério Público do Trabalho e do Congresso Nacional na temática. São as novas peças se movendo no tabuleiro de xadrez brasileiro do amianto, que pode resultar em decisão de impacto internacional.

O primeiro projeto de lei sobre o tema na Câmara dos Deputados data de 1996. É dos então deputados Eduardo Jorge e Fernando Gabeira e estabelecia a substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que contenham asbesto/amianto. Depois vieram outros projetos, seis deles de autoria do deputado Antonio Carlos de Mendes Thame (PV-SP), muito ativo na área ambiental. Por exemplo, foi o representante do Congresso Nacional nas Conferências da Convenção sobre Mudanças Climáticas em Nairobi (2006), Bali (2007), Poznan (2008),Copenhague (2009), Cancun (2010), Durban (2011) e Doha (2012).

“O amianto é um mal para os que a ele estão expostos, tanto que seu uso é proibido em mais de 65 países. Como matéria-prima, já é classificado pela IARC, da Organização Mundial da Saúde, como reconhecidamente cancerígeno. Diante de tantas evidências, trabalhamos há anos para que o uso deste mineral seja totalmente eliminado em nosso país”, afirma Thame, sobre as motivações que o levaram a atuar no tema.

A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 176/11, de autoria do deputado Mendes Thame, que classifica o resíduo de amianto ou asbesto como resíduo industrial perigoso. Será considerado resíduo pesado apenas o amianto in natura, em pó ou em fibras. O relator apresentou emenda, aprovada, sugerindo que a forma mais adequada de descarte seja definida durante o processo de licenciamento ambiental do empreendimento, respeitando a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A proposta aguarda parecer do relator da comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, “o que mostra que esse é apenas o início de uma grande batalha”, afirma o parlamentar. Também tramitam no Congresso Nacional projetos de lei de autoria do deputado paulista para proibir o amianto em obras públicas, o uso do asbesto em materiais de fricção e outros componentes automotivos, e em artefatos infantis.

Mendes Thame foi um dos integrantes do Grupo de Trabalho criado em 2007, no âmbito da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, para realizar um completo diagnóstico da situação do amianto no Brasil. O Grupo de Trabalho ouviu especialistas, os trabalhadores do setor, organizações não-governamentais e as empresas que extraem, processam e/ou utilizam amianto em seu processo produtivo. Coordenado pela deputada Rebecca Garcia, então no PP-AM, o GT também realizou visitas a minerações abandonadas, como a de Poções, na Bahia, e a única mina produtora de amianto em atividade no país, a de Minaçu, em Goiás.

O Grupo de Trabalho, que apresentou seu relatório em 2010, concluiu pela defesa do banimento do amianto no Brasil, por um conjunto de 11 razões principais: “1.Todas as formas de amianto são prejudiciais à saúde. 2.Os países que não banirem o amianto serão vítimas de uma onda de novos pacientes, que farão uso dos serviços públicos de saúde. De acordo com a Associação Internacional da Seguridade Social (AISS), 3.500 britânicos morrem anualmente devido à exposição ao amianto; nos Estados Unidos são 10.000 mortes por ano; para 2023, na Austrália, epidemiologistas prevêem mais de 45 mil mortes de câncer devido ao amianto. 3. Não há como controlar a fibra mineral. A única maneira de se fazer um controle efetivo sobre o amianto é proibindo imediatamente a sua extração, manipulação, comercialização. Somente com amianto zero o país pode, de fato, resolver os problemas relacionados à fibra mineral. 4. O amianto tem relação direta, comprovada, com uma série de patologias; ele é reconhecidamente carcinogênico. 5. Não existe limite de tolerância seguro para o amianto. 6. A sociedade não pode continuar sendo exposta a uma fibra com poderes letais, apenas para atender a interesses de grupos empresariais. 7. Por razões de saúde pública mais de 50 países no mundo baniram o amianto. 8. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o amianto mata 100 mil trabalhadores por ano no mundo. 9. O amianto representa grandes despesas para o sistema de saúde pública. Segundo a AISS, no Japão, até o momento, foram gastos 27 bilhões de yens com doentes devido ao amianto. Não existe uma estimativa brasileira quanto aos  gastos com o tratamento dos pacientes com patologias associadas ao amianto. No Brasil milhões de reais foram gastos e outros milhões ainda serão no futuro. 10. Permitir a exportação de amianto para os países pobres, que o atual Governo aceita, é um ato de violência que a história certamente irá cobrar. O Brasil não pode reproduzir a prática do “duplo padrão”, tão comum na relação entre países ricos e pobres. 11. Banir o amianto significa acolher avanços tecnológicos em materiais e processos produtivos mais sustentáveis e extirpar o foco de disseminação de doenças incuráveis”.

Evento com apoio do MPT realizado em Campinas (Foto José Pedro Martins)

Evento com apoio do MPT realizado em Campinas (Foto José Pedro Martins)

Amianto em xeque no Brasil

Outras instituições que intensificaram sua atuação no setor do amianto são a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Por exemplo, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando dispositivo da Lei Federal 9.055/95, que permite a exploração e comercialização do amianto crisotila no Brasil.

Já o Ministério Público do Trabalho implementa desde 2012 o Programa de Banimento do Amianto no Brasil, com três eixos centrais de atuação. O primeiro trata da busca de condições apropriadas de atendimento ao trabalhador exposto ao amianto, seja aquele que ainda está na ativa, em uma das plantas de processamento do produto no país, ou o ex-empregado. Nesta linha, uma das lutas do Ministério Público do Trabalho é pelo estabelecimento de protocolos de atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), visando um acompanhamento correto dos casos de afetados pelo amianto.

O segundo eixo do Programa pelo Banimento do Amianto é no campo jurídico. O fundamento é que o Brasil é signatário de duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o assunto. A Convenção 139 trata da “Prevenção e Controle de Riscos Profissionais Causados por Substâncias ou Agentes Cancerígenos” e a citada Convenção 162, da “Utilização do Asbesto com Segurança”.

Neste eixo de atuação, o MPT tem-se empenhado em estabelecer Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com empresas que utilizam amianto em seu processo produtivo, de modo que tenham um prazo para a sua substituição. Uma empresa de Santa Catarina deixou de utilizar o amianto a partir de 31 de dezembro de 2015. Duas plantas paulistas, em Leme e Hortolândia, também passaram a adotar o procedimento, a partir de 31 de dezembro de 2016. Plantas no Paraná também estão com prazos estipulados, entre metade de 2017 e 2018. No Rio de Janeiro foi igualmente estabelecido um TAC, com a empresa de materiais de construção Casalite, sediada em Duque de Caxias, para que deixe de utilizar amianto como matéria-prima nos processos de produção de telhas e calhas.

“O acordo demonstra, de forma cabal, que no estágio de desenvolvimento tecnológico da indústria do fibrocimento no Brasil, a substituição do mineral cancerígeno é uma realidade inarredável”, afirmaram na época os procuradores do Trabalho Michelle Chermont e Luciano Leivas, que negociaram o acordo (nota do MPT-RJ aqui).

O terceiro eixo do Programa pelo Banimento do Amianto refere-se às implicações econômicas do banimento. As empresas geralmente argumentam que o banimento levaria à perda de postos de trabalho. Entretanto, o MPT observa que nos países onde o amianto foi banido não houve a redução de postos de trabalho e, além disso, já existem tecnologias alternativas para a substituição do amianto como matéria-prima, sem impactos em termos de redução do número de empregos.

O Ministério Público do Trabalho foi um dos parceiros na realização do Seminário Internacional sobre Amianto: uma Abordagem Sócio-Jurídica, em Campinas, nos dias 7 e 8 de outubro de 2016, junto com Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) e com apoio da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Escola Judicial do TRT da 15ª Região (de Campinas) e Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU).

Campinas foi o palco do evento porque é a sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, onde tramitou acordo extrajudicial firmado com as citadas empresas do interior de São Paulo, fabricantes de telhas e caixas d´água, as quais também se comprometeram, através de TAC, a encerrar o uso do amianto nos seus processos produtivos até 2017.

Durante o Seminário, que reuniu juristas nacionais e internacionais, vários outros especialistas e representantes de organizações de trabalhadores do amianto, o procurador do Trabalho, Luciano Leivas, defendeu que “o Brasil não pode ter duas posturas, no sentido de ser signatário de convenções internacionais prevendo medidas contra o risco do amianto e, ao mesmo tempo, não ter procedimentos adequados para de fato proteger a saúde do trabalhador”.

Procurador do Trabalho Luciano Leivas: Brasil demanda acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto (Foto José Pedro Martins)

Procurador do Trabalho Luciano Leivas: Brasil demanda acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto (Foto José Pedro Martins)

Brasil próximo do xeque-mate?

Várias peças têm-se mexido no tabuleiro do xadrez do amianto no Brasil. Uma jogada de mestre, muito aguardada pelos trabalhadores do setor e também por organizações e instituições, é a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), questionando legislações estaduais de proibição do amianto.

Foram apresentadas ADIs ao Supremo, questionando as legislações estaduais do Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, e também relativa ao município de São Paulo. Em 2003, o STF decidiu, por unanimidade, que a proibição do uso do amianto no Mato Grosso do Sul era inconstitucional.

No final de 2016, quatro ADIs estavam em julgamento no STF, a respeito das legislações estaduais de Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do município de São Paulo, a respeito da proibição da produção, comércio e uso de produtos com amianto em seus territórios. As ADIs foram ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), sob a alegação de que as leis seriam inconstitucionais pois, ao estabelecer restrição maior que a prevista em lei federal, teriam invadido competência privativa da União para legislar sobre o tema.

Um pedido de vista do ministro Dias Toffoli suspendeu o julgamento das quatro ações ajuizadas pela CNTI. Até então, o ministro Eros Grau (aposentado) tinha votado pela procedência da ADI-3356, que questiona lei do estado de Pernambuco. Já na ADI 3357, contra norma do Rio Grande do Sul, o relator, ministro Ayres Britto (aposentado), julgou improcedente a ação, e o ministro Marco Aurélio, julgou-a procedente. Na ADI 3937, contra lei estadual de São Paulo, o ministro Marco Aurélio (relator) julgou a ação procedente e o ministro Ayres Britto (aposentado) votou pela improcedência.

Existe muita expectativa em relação à posição do Supremo sobre estas ADIs. Uma posição favorável do STF às leis estaduais de proibição do amianto seria um passo à frente até o banimento do produto no país. Quase um xeque-mate, no jogo de xadrez do amianto no Brasil, com esperadas repercussões internacionais pela posição do país entre os grandes produtores e exportadores. Em janeiro de 2017, também entrou em vigor em Santa Catarina lei que proíbe o uso de produtos com amianto.

Abaixo, vídeo produzido pela ACEST, FSST e MPT/SC “com o propósito de alertar os catarinenses sobre os riscos do amianto para a saúde da população”. 

O futuro em aberto

Enquanto um eventual banimento não ocorre, trabalhadores reunidos na ABREA continuam sua luta por justiça, indenização e atendimento adequado no sistema de saúde e outros envolvidos apontam alternativas, como a substituição do asbesto por outras fibras.    

“Sou favorável ao banimento do amianto no Brasil”, diz o deputado Mendes Thame. Ele nota que estudo feito pela Fiocruz revela que o indivíduo que manipula o amianto tem risco quase 50 vezes maior de ter câncer de pulmão do que aquele que não trabalha nestas condições. “Para piorar, o amianto não perde o potencial ofensivo com o passar dos anos. Será sempre causa de câncer e de outras doenças fatais de pessoas que, muitas vezes, não sabem estar próximas desse material”, acentua o parlamentar.

Na linha do que o Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados deliberou há seis anos, Thame entende que o desafio é de fato substituir o produto por fibras sintéticas ou ambientalmente responsáveis. “Diante de tantos avanços tecnológicos e da busca por um planeta mais saudável, precisamos encontrar alternativas sustentáveis. Estudos de pesquisadores da Universidade de São Paulo, por exemplo, apontam que fibras vegetais podem substituir o amianto na construção civil. As alternativas vão desde fibras de bambu, fibras de eucalipto a bagaço de cana-de-açúcar e cinzas resultantes da queima do mesmo”, completa o parlamentar.

Ele também nota que experimentos realizados na USP de São Carlos comprovaram que as fibras de eucalipto podem substituir as fibras de amianto como componente do fibrocimento, produto de baixo custo utilizado em diversos materiais de construção civil como caixas-d’água, paredes pré-fabricadas e telhas. Desde 2005, a tecnologia para uso de fibras alternativas é conhecida e normatizada no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – ABNT NBR 15.210). “Além de eficientes, as fibras alternativas são reconhecidas como seguras à saúde”, frisa Thame.

A indústria do amianto já está se preparando para mudanças tecnológicas, no caso do banimento do asbesto no Brasil. Em agosto de 2010, o Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da Unicamp publicou o relatório “Avaliação do impacto econômico da proibição do uso do amianto na construção civil no Brasil” (ver aqui), realizado em função de um Convênio de Cooperação Técnica entre a Universidade e a Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de Fibrocimento (ABIFibra). Depois de analisar o posicionamento do setor produtivo do amianto no Brasil, no cenário nacional e internacional, o documento chega a várias conclusões, e uma delas é esta:

__ O fato concreto é que a adaptação das linhas de produção de artefatos de fibrocimento para a utilização de fibras alternativas ao amianto já está em processo ou foi completada na maioria das empresas. Um bom indicador disso é que quase todos os fabricantes de produtos de fibrocimento já dispõem de unidades de refino de celulose, importante passo para o processo de adaptação. Ademais, além de relativamente simples, existe mais de uma opção técnica para viabilizar a adequação das linhas de produção.

Depois de mais de seis anos, o setor que utiliza amianto no Brasil está ainda mais capacitado para as mudanças tecnológicas necessárias, visando a substituição por outros materiais, como indicam os Termos de Ajuste de Conduta firmados entre o MPT e empresas do segmento. “A opção do país pelo banimento é uma decisão política, não faltam informações técnicas e políticas”, observa o médico do Trabalho René Mendes.

As pressões pelo banimento aumentam. Em 2014, o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho publicaram uma portaria interministerial denominada “Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos” (ver aqui). Nela, o amianto, em todas as suas formas, consta como agente confirmado como carcinogênico, sem exceções.

Um dos maiores produtores globais, o Canadá anunciou que irá banir o amianto até 2018. Daí a expectativa em relação ao posicionamento do STF sobre as ADIs referentes a legislações estaduais e do município de São Paulo. Em síntese, uma partida decisiva em um jogo de xadrez de alta complexidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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