O Plano Nacional de Educação (PNE) chegou aos três anos no dia 25 de junho sob o signo da preocupação por parte de especialistas e organizações do setor educacional. No caso da Meta 1, que trata da Educação Infantil, foram poucos avanços verificados, o que motiva a mobilização de órgãos como os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs).
A Meta 1 do PNE estabelecia a universalização, até 2016, da pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e a ampliação da oferta de Educação Infantil em Creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência do Plano, em 2024.
Essa meta quantitativa não foi alcançada no que se refere à universalização da pré-escola até 2016. Milhares de crianças de 4 e 5 anos ainda não tiveram a garantia de vagas. O Ministério Público é uma das instituições que têm se empenhado pela garantia de vagas a todas as crianças na pré-escola, mas recentemente os Tribunais de Contas dos Estados também intensificaram sua atuação neste âmbito.
Uma das ferramentas utilizadas pelos TCEs é um software desenvolvido para que os Tribunais de Contas dos Estados possam monitorar a evolução das 20 metas do PNE, começando pelas Metas 1 e 3, que também previa a universalização, até 2016, do acesso à escola de jovens de 15 a 17 anos, além de determinar que até 2025 pelo menos 85% deles estejam matriculados no Ensino Médio. A universalização prevista na Meta 3 não foi igualmente atingida.
Representantes dos TCEs, em entrevista por videoconferência, promovida pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), informaram que o software reunirá informações de fontes como o Censo Escolar e estimativas populacionais feitas com base no Censo Demográfico 2010. O sistema vai então verificar se as metas estão sendo atendidas pelos gestores nos prazos previstos pelos Planos Municipais de Educação. Nos casos de municípios que descumpriram as metas ou cuja média anual de avanço não é compatível com elas, o sistema vai disparar alertas por email para prefeitos, secretários de Educação, Câmaras Municipais, Conselhos de Educação e entidades cadastradas. Os alertas também serão divulgados para a imprensa. Desta forma, espera-se que, a partir do monitoramento na esfera municipal, haja um esforço para o cumprimento das metas nacionais, incluindo a Meta 1, da Educação Infantil, e a Meta 3, do Ensino Médio.
Em um primeiro momento, o acesso ao software ficará restrito aos TCEs. Auditores de todo o país estão recebendo treinamento em Brasília para aprender a lidar com a ferramenta. A expectativa da equipe que concebeu o software, centralizada nos TCEs do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, é de que os primeiros levantamentos de dados estejam disponíveis no segundo semestre de 2017 e os alertas comecem a ser enviados em 2018. A médio prazo, a ferramenta vai subsidiar a criação de um portal de monitoramento de todas as 20 metas do PNE.
Estratégias também com atraso – Além da meta quantitativa, relativa ao acesso à pré-escola e a creche, a Meta 1 do Plano Nacional de Educação abrange 17 estratégias que também deveriam ser cumpridas até 2024, de modo a qualificar a Educação Infantil brasileira. A maioria dessas estratégias ainda não saiu do papel, como lamentam especialistas e organizações ouvidas pelo Fundo Juntos pela Educação.
Assessor da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), que reúne mais de 160 organizações de todas as regiões do Brasil, Vital Didonet observa que estão prejudicadas todas as estratégias que dependem de um “regime de colaboração entre União, Distrito Federal, Estados e Municípios” para que sejam concretizadas.
É o caso das estratégias 1.1 (sobre Metas de Expansão das redes públicas de Educação Infantil), 1.3 (sobre realização periódica de levantamento da Demanda por creche e pré-escola), 1.5 (sobre estabelecimento de programa nacional de construção e reestruturação de escolas, incluídos os equipamentos adequados e respeitadas as normas de acessibilidade) e 1.16 (também sobre Demanda na Educação Infantil).
O cumprimento dessas estratégias ainda não avançou, e dificilmente irá avançar, destaca Didonet, porque na prática o que ocorre no Brasil é “uma competição, e não colaboração, entre União, Estados e Municípios”. Para o assessor da RNPI, que é considerado uma das referências em direitos da infância e dos adolescentes no país, “falta compreensão sobre o sentido de federação no Brasil e por isso a relação entre os entes federados é mais de conflito do que de cooperação”.
Sem um regime de colaboração de fato, estratégias como aquelas citadas anteriormente dependerão, na prática, completa Vital Didonet, do levantamento de cada município, de acordo com o respectivo Plano Municipal de Educação, sobre a demanda e outros dados que possam subsidiar políticas públicas na Educação Infantil.
Esse levantamento, município por município, destaca Vital Didonet, é que na prática garantirá o cumprimento de outras estratégias previstas na Meta 1 do PNE e que não foram concretizadas. Casos da estratégia 1.2, que trata da redução das desigualdades no acesso à Educação Infantil, hoje maior entre as faixas de renda mais privilegiadas; da estratégia 1.4, prevendo o estabelecimento, “no primeiro ano de vigência do PNE”, de normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de consulta pública da demanda das famílias por creches; e da estratégia 1.15, estipulando a Busca Ativa de crianças em idade correspondente à Educação Infantil, em parceria com órgãos da assistência social, saúde e outros.
O assessor da RNPI nota que existem iniciativas estaduais, como a do caso do Ceará, de tentativa de equalização das oportunidades de acesso à Educação Infantil. “No Ceará os agentes comunitários de saúde estão constantemente verificando se há nos lares crianças fora da Educação Infantil e isso contribui para um quadro mais real, para que os municípios propiciem o acesso de forma mais igualitária”, comenta ele, salientando que muitos municípios também promovem a busca ativa envolvendo outros órgãos da administração.
Algumas estratégias independem do PNE, salienta Vital Didonet, Casos da estratégia 1.8, que trata da Formação de Professores, e da estratégia 1.11, estabelecendo Atendimento Educacional Especializado para crianças com deficiência. “A formação de professores é uma questão sistêmica, ela já ocorre com os cursos de Pedagogia e as especializações em educação infantil, embora ainda haja muito campo para avanços. Quando a Base Nacional Comum Curricular estiver definida, provavelmente haverá a necessidade de reformatação dos cursos de formação. O que falta é uma política salarial que evite a rotatividade e os contratos precários. No caso do atendimento educacional especializado, também está em curso, embora igualmente com muito a avançar. As concepções pedagógicas pela inclusão estão avançando, mas os cursos de pedagogia deveriam dar mais espaço para a formação visando a educação especial”, comenta.
Ainda são muitas questões em aberto, conclui Vital Didonet. Ele entende que a limitação de recursos federais para a educação, nos termos da Proposta de Emenda Constitucional aprovada pelo Senado Federal (PEC) 55, vai afetar de modo generalizado a implementação do PNE, incluindo a Meta 1 e suas 17 estratégias. (Publicado originalmente no site do Fundo Juntos pela Educação, constituído por Instituto Arcor Brasil e Instituto C&A).
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