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Sarau da Dalva festeja ciclo e segue a sua Constelação Poética em Campinas
Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sarau da Dalva festeja ciclo e segue a sua Constelação Poética em Campinas

Foram 6 meses de programação intensa. Entre fevereiro e julho de 2018: 12 saraus ao todo, sendo meia dúzia deles, dos já tradicionais Saraus da Dalva, e a outra metade do recém concebido Sarau da Dalvinha. Tudo isso com a participação de nomes como: Siba, Lucina, Mestre Nico, Renata Meirelles, Maurício Pereira, Paulo Freire, Olga Bilenky e Tonho Penhasco, entre tantas outras escritoras, performers, educadores, contadores de história, coletivos, poetas e artistas em geral, que compuseram ao longo de um semestre, junto com todo o público presente, esta programação especial, representada por diversas linguagens artísticas e representando, quem sabe, um novo momento da história deste importante movimento cultural, na cidade de Campinas.

Segundo Rafa Carvalho, idealizador, todas as programações do Sarau da Dalva são especiais. O poeta faz questão de frisar, por haver no projeto um “princípio muito sério de amor à diversidade e respeito à igualdade de valor entre as pessoas, suas histórias e trajetórias pessoais”. Dessa forma, o Sarau não seria mais importante, nem mais especial, por contar com a presença de artistas consagrados, de renome, nem expoentes do cenário artístico contemporâneo brasileiro. No entanto, Rafa reconhece a importância fundamental que este semestre específico teve para seu processo.

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Estima-se que cerca de 1500 pessoas tenham sido alcançadas diretamente pelo projeto entre os citados meses, em que o Sarau da Dalva teve o apoio do Proac, Programa de Ação Cultural, após ser contemplado pelo Edital da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, em 2017. O apoio viabilizou todo o desenvolvimento da programação, cuja curadoria tratou de temáticas como acessibilidade cultural, formação comunitária, diversidade de linguagens e artes integradas.

Com o mesmo prêmio foi possível ainda investir em melhorias estruturais, para uma maior capacidade no oferecimento de acesso e usufruto de bens culturais. Além da “estreloteca”, biblioteca local que vem ganhando novos títulos e uma melhor organização do acervo, registro e circulação, o espaço contará também com um projetor, e estrutura auxiliar, que ampliarão as possibilidades de acesso à comunidade local e público interessado, aumentando também o alcance direto e indireto dos avanços conquistados até aqui, em 2018.

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

O prêmio recebido prevê ainda a realização de uma edição de encerramento deste ciclo, que deve acontecer a partir do mês de outubro, a depender da sequência nos encaminhamentos do Edital. A data promete ser uma grande celebração, com a estreia do projetor, exibindo um documentário produzido sobre o próprio Sarau. Rafa nos conta que, em sua visão, o Sarau da Dalva viabiliza uma ação comunitária de antropologia endógena, onde a própria população é quem conta a sua história. Ao contar, a comunidade vai se descobrindo junto, compreendendo mais de si, dos seus e do mundo.

É aí que se dá a formação, bem como toda e qualquer possibilidade de transformação, diz o poeta: “Por isso é importante começar o uso deste novo recurso, exibindo o próprio Sarau. Não por ele em si, mas pelas pessoas que o compõem e que justificam sua existência. Num segundo momento, podemos e vamos usar a estrutura para filmes, ficções, documentários e possibilidades audiovisuais diversas, ampliando cada vez mais a acessibilidade local. Mas é fundamental que a comunidade comece se vendo ali. Que seu protagonismo fique evidente a todos, e principalmente a ela própria. Somos nós contando a nossa história e às preparações para reivindicarmos cada vez mais a autoria de nosso presente e de nosso futuro, coletiva e conscientemente”.

Além do documentário, pequenos vídeos trazendo a síntese de cada uma das 12 edições realizadas, também foram feitos e estão já disponíveis nas páginas de Facebook e Instagram do Sarau. Testada durante esta programação, Rafa considerou a experiência do Sarau da Dalvinha como sendo positiva. Suas edições trouxeram contadoras de história, educadoras e companhias artísticas exclusivamente da Região Metropolitana de Campinas, como forma de fomentar a atividade cultural regional. Os números foram menos expressivos – provavelmente por se tratar de um projeto em fase de implementação. Mas, qualitativamente, a equipe ressalta a potência diagnosticada na participação das crianças e adolescentes às atividades propostas.

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sobre a continuidade do projeto, Rafa reafirma a disposição, assim como atenta à demanda de participação e envolvimento comunitário cada vez mais, nessas realizações: “Temos um espaço que se levanta como Centro de Resistência Cultural e Convivência Comunitária. Um lugar que vem se preparando em todos os aspectos para acolher diversidades, pluralidade de linguagens e proposições artísticas, partilhas, experimentos, construções e desconstruções sociais. Temos conseguido recursos, quanto mais conseguimos juntar-nos em esforços mútuos e ações coletivas. Assim, para a manutenção do Sarau, à continuidade do Sarau da Dalvinha, do Samba no Maneco, para a instituição de novas ações, Cineclube e todas as demais possibilidades, precisamos da iniciativa comunitária cada vez mais ativa, para formar essa rede capaz de abraçar e sustentar toda a complexa programação que podemos vir a ter. O que não podemos é desrespeitar o fluxo comunitário, nem o tempo de percepção das pessoas, de que é preciso reunir. Forças e disposições. O Sarau é um espaço de chamamento também. Minha esperança é que as coisas aconteçam, à medida em que forem compreendidas.”

Sem saber ainda o que será, o semestre foi um sucesso. O Sarau da Dalva ampliou consideravelmente seu alcance, capilarizando público e participações, além de aumentar as suas redes e conexões. Chegou mesmo a extravasar as fronteiras de Campinas, se estendendo mais abertamente ao estado de São Paulo e fazendo jus ao apoio representativo de todo povo paulista. Trouxe além dos já citados, nomes de contextos ainda mais “independentes”, saraus e iniciativas semelhantes, da cena da Literatura Marginal, Periférica e outros campos de resistência. Foram 6 livros lançados, apresentações e performances de nomes como Luiza Romão, Caco Pontes, Tiago Mine, Pow Litera-Rua, Maria Fernanda Elias Maglio, IMO Coletivo, Damas Entre Verdes, Senhoras Obscenas, Flá Perez, Neyde Giacomini o fotojornalista Sérgio Silva, entre tantos outros.

Para o público e a comunidade local, foi um grande ganho. Morador do bairro desde a infância, Léo Araújo confirma a importância do Sarau da Dalva para a região, por todo o acesso proporcionado, assim como por convidar a comunidade a um protagonismo conjunto, de modo que os moradores do bairro sejam considerados como também agentes e sempre em igualdade com qualquer pessoa que esteja ali, desde os públicos diversos que por lá transitam, pessoas com histórias e características variadas, até artistas de renome e referências da cultura brasileira, nos dias de hoje. Alessandra Moraes, que mora no centro, atesta não perder uma edição, sobretudo pelo afeto, respeito e amizade que encontra.

Mas ressalta também: a cultura que se pode acessar, livre e gratuitamente, no Sarau da Dalva, muitas vezes não se encontra disponível nem sequer no centro da cidade, enfatizando ainda o caráter econômico do assunto, vendo Campinas como uma metrópole predominantemente inviável à boa parte de sua população, quanto à acessibilidade cultural, também em seu aspecto financeiro.

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

Sarau da Dalva (Foto Larissa Machado/Divulgação)

A compositora Lucina, vinda do Rio de Janeiro, destacou a importância de um trabalho destes, de formação de um público qualificado, a poder falar e a saber ouvir. No mês de abril, seguinte ao de sua vinda, cerca de 100 pessoas silenciavam totalmente para assistirem por 20 minutos a uma performance em dança, com trilha sonora muito sutil, sobre a obra de Carolina Maria de Jesus, apresentada pelo IMO Coletivo. Um bar, à noite, uma experiência estranha à grande maioria dos presentes, e todos se fizeram abertos e permissíveis às partilhas, diálogos e experimentações propostas, dispostos a ampliarem seus vocabulários, às trocas e interlocuções.

Para os organizadores do Sarau, aquele foi o sinal de um passo importante no desenvolvimento da comunidade, assim como a prontidão no combate firme e gentil, a qualquer forma de preconceito que, às vezes, parece revelar-se, como parte esperada do processo. O pernambucano Siba partilhou o quanto esses encontros são importantes também a ele, como artista, por nutrir suas esperanças no processo social e nas possibilidades da arte como meio de ação e transformação cultural no mundo. Maurício Pereira enfatizou a importância de se proporcionar, àquele grupo de pessoas que é considerado parte da “massa” do país, um acesso a uma pluralidade cultural que extrapole o acesso único e restrito à “cultura de massa”. A pintora Olga Bilenky, que partilhou sua obra com o público, num processo que representou acessos inéditos tanto à comunidade local, quanto ao seu trabalho, se emocionou ao garantir que Hilda Hilst seria certamente uma frequentadora assídua e entusiasta do Sarau da Dalva, se ainda estivesse viva, entre os encarnados.

“Acho que seguimos lutando no Sarau da Dalva, cada um como pode, por um sonho comum, mesmo quando inconsciente: a paz. Não a paz utópica, branquinha, mas uma paz reivindicada com propriedade. Garantida pouco a pouco pela postura e integridade de um povo que se empodera de seu destino. De vivermos um processo real, verdadeiro. Um projeto de vida e convivência que se lembre de todas, todos, considerando todo o mundo. Evidente que o Sarau é um lugar muito limitado para isso. Mas é infinito, assim mesmo. No fundo, todo mundo quer amor. Respeito, dignidade, voz, vez. E as derivações todas desse sentimento, que é bem maior que a pieguice do nome. E sinto que o Sarau da Dalva tem se efetivado como esse lugar, que consegue romper com a dicotomia do ‘tudo certo ou tudo errado’. E consegue tratar da aventura humana na Terra, digna e complexamente. Lentamente também, sem dúvidas. Os avanços são lentos. Mas são emocionantes. Quem vai ao Dalva, sente que não há um compromisso com nomes. Não há compromisso com o nome ‘anarquia’, não há compromisso com o nome ‘comunismo’. Não há preconceito com o nome ‘política’. Nem ‘polícia’. E nem ‘ladrão’. Há sim uma disposição ao novo, por darmos conta, juntos, de algo que nome nenhum nunca deu. A gente se encontra ali pra falar e pra ouvir, mas em busca do inominável, do indizível. E eu acho que um dos muitos riscos que corrermos ali é de um dia, fatalmente, encontrarmos.” – conta-nos Rafa, das suas impressões sobre o projeto até aqui.

O Sarau da Dalva já teve sua edição de agosto fora da programação proporcionada pelo Proac e segue com seu acontecimento mensal, toda segunda quarta-feira de cada mês. Informações sobre a data de exibição do documentário e outras quaisquer sobre o projeto, podem ser obtidas nas páginas do Sarau, nas redes sociais, e no próprio Estrela da Dalva, para quem quiser ir mais direto ao ponto.

 

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.

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