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A Favorita: uma rainha, muito desconforto e o que é o poder, afinal?
Abigail Masham (Emma Stone) (Foto Divulgação)

A Favorita: uma rainha, muito desconforto e o que é o poder, afinal?

Por Daniela Prandi

“A Favorita” causa desconforto. Nem mesmo aquelas imensas poltronas dessas salas caríssimas (que acho difícil ficar à vontade, mas pode ser só eu), amenizam o incômodo que é acompanhar a história da rainha Anne, responsável pela unificação da Inglaterra e da Escócia, e sua relação com duas mulheres que, com suas ardilosas mentes, conseguiram mudar os rumos da história britânica.

A história é baseada em personagens reais, mas o diretor grego Yorgos Lanthimos não está muito preocupado com os dados bibliográficos, nem com as adequações do tempo. As personagens falam como as pessoas de hoje, dançam de maneira nada esperada para a época, onde Anne reinou de 1702 a 1714, e a maldade que espalham faz a gente se mexer naquele cadeirão, tentando encontrar a melhor postura.

Lady Sarah Churchill (Rachel Weisz) (Foto Divulgação)

Lady Sarah Churchill (Rachel Weisz) (Foto Divulgação)

Ir a um filme de Lanthimos é esperar por cenas estranhas, mas na plateia há ainda mais estranheza, quando uma adolescente abre uma marmita de isopor com comida chinesa cujo cheiro invade a sala. Nhac, nhac, nhac, e alguns bons goles de refrigerante no final, e a garota finalmente sossega.

O cineasta Lanthimos tem um cinema bem peculiar e um de seus filmes mais conhecidos é “O Lagosta”, de 2015. Mais recente, “O sacrifício do cervo sagrado”, de 2017, levou o prêmio de melhor roteiro em Cannes. Em sua filmografia, que chamou atenção com “Dente Canino”, de 2009, indicado ao Oscar na categoria estrangeiro, as histórias são contadas com um pé no terror.

Rainha Anne (Olivia Colman) (Foto Divulgação)

Rainha Anne (Olivia Colman) (Foto Divulgação)

“A Favorita” tem dez indicações ao Oscar 2019, entre elas melhor filme, diretor e roteiro e começou sua carreira de sucesso ao sair duplamente premiado do Festival de Veneza 2018, com o Grande Prêmio do Júri e o Copa Volpi de atriz para Olivia Colman (ganhadora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar), em grande atuação a rainha Anne. Rachel Weisz e Emma Stone também estão ótimas e ambas foram indicadas ao Oscar na categoria atriz coadjuvante.

No começo, vemos como a presença de Lady Sarah Churchill (Rachel Weisz) é importante no dia a dia do reino e, aos poucos, entendemos as razões. Um dia aparece no castelo sua prima Abigail Masham (Emma Stone), em busca de ajuda. Mas Lady Sarah está mais preocupada com os rumos da guerra contra a França, na qual seu marido, Lord Marlborough (Mark Gatiss), está no front. Abigail cai nas mãos das serviçais e sofre um bocado até que consegue se aproximar da rainha Anne. A monarca tinha a saúde debilitada e sofria de gota, a jovem, ardilosamente, aplica um unguento de ervas em suas pernas e conquista sua atenção.

Cena do intrigante "A Favorita" (Foto Divulgação)

Cena do intrigante “A Favorita” (Foto Divulgação)

Abigail sobe na hierarquia do castelo e começa a traçar um plano para conquistar o lugar de favorita da rainha de sua prima, amiga de Anne desde a juventude. As tramas palacianas se desenrolam enquanto se descobre, finalmente, que o sexo explica. Após o filme muitos historiadores falaram que não há nenhuma evidência de que a rainha era lésbica, o que pode ser uma entre tantas licenças poéticas do roteiro, que tem um tom de humor, mas o riso que sai é de nervoso. A rainha tem 17 coelhos no quarto, alusivos aos 17 filhos que teria perdido, outra “fake news” segundo os estudiosos.

Mas Anne e suas polêmicas decisões sobre guerra e sobre quem paga a guerra estão lá, entre os diálogos cortantes com suas favoritas e também nas cenas com os representantes do partido liberal (os whigs) e do conservador (os tories) na disputa pelo poder. Com uma cenografia que enfatiza a solidão da corte palaciana, que busca a beleza em um mundo de feiuras, o filme impressiona nos movimentos de câmara inesperados e na trilha sonora, com clássicos como Haendel, Bach e Vivaldi, passando por modernistas e chegando na música eletrônica. Tudo provoca um certo incômodo, e assim vamos nos incomodando aqui, ali, até que vem a angustiante cena final.  O desfecho faz aumentar o mal-estar. O que é o poder, afinal?

TRAILER:

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http://asn.blog.br/category/daniela-prandi/

 

 

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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