POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS
É possível conciliar as atividades humanas com os limites e as potências da natureza? O ser humano ainda vai se sentir parte – importante, mas parte – da biosfera ou continuará com a postura arrogante de se achar superior, o que há de mais relevante? Enfim, natureza e cultura podem buscar alguma harmonia? Perguntas, perguntas, algumas das indagações suscitadas pela Itinerância da 33ª Bienal de São Paulo, apresentada para a imprensa e convidados na noite de terça-feira, dia 19 de março, no Galpão do Sesc Campinas.
Esta é a quarta vez que uma itinerância da Bienal de São Paulo é recebida no Sesc Campinas. “O programa das itinerâncias é uma oportunidade única para diferentes públicos, de diversas localidades, do Brasil e exterior, conhecerem o que de mais importante acontece na arte contemporânea, exposto na Bienal de São Paulo”, destacou o diretor geral do Sesc no estado de São Paulo, Danilo Miranda, na abertura oficial do evento, que teve a presença de artistas, gestores e público em geral. Entre outros, estava presente Sylvia Furegatti, diretora do Museu de Artes da Unicamp e professora do Instituto de Artes da Universidade, e Solenne Huteau, diretora da Aliança Francesa de Campinas.
Andrea Pinheiro, da diretoria executiva da Fundação Bienal de São Paulo, acentuou a importância da parceria com o Sesc para a realização das itinerâncias. “O papel do Sesc para a cultura e as artes no Brasil é fundamental e para nós é uma honra essa parceria, que permite a democratização dos trabalhos expostos na Bienal, de artistas brasileiros e internacionais”, afirmou Andrea. Ela sublinhou que o curador das itinerâncias da 33ª Bienal de São Paulo, Jacopo Crivelli Visconti – que será o curador da 34ª Bienal – teve total liberdade para imprimir o seu próprio olhar a respeito do trabalho dos artistas. O curador da 33ª Bienal foi o espanhol, radicado em Nova York, Gabriel Pérez-Barreiro.
Leituras possíveis – Jacopo Visconti ressaltou que a Itinerância exposta em Campinas, com a participação de 13 artistas, sendo dez estrangeiros, permite diferentes leituras. Entretanto, sugeriu uma, baseada em dois eixos temáticos.
O primeiro eixo, detalhou, é aquele em que os artistas expressaram a sua visão sobre os elementos naturais e a relação da humanidade com o seu entorno. São os casos de Ladislas Starewitch, da Rússia, e Antonio Ballester Moreno, da Espanha.
Starewitch (Moscou, 1882 – Fontenay-sous-Bois, França, 1965) foi um animador stop-motion russo-polonês, muito conhecido por ter sido o autor do primeiro filme de animação com fantoches, “The Beautiful Lukanida” (1912). Outra vertente de seu trabalho foi o uso de insetos como protagonistas de suas obras, como o “La Revanche du Ciné-opérateur”, exibido na Bienal e que pode ser apreciado na Itinerância de Campinas, em um moderno aparelho de televisão.
Já Antonio Ballester Moreno (nasceu em 1977 em Madri, onde vive) apresenta a instalação “Vivan los campos libres” (2018), formada por pinturas em juta e cogumelos de barro confeccionados em oficinas com crianças de cinco escolas de São Paulo e funcionários da Fundação Bienal. “Tratamos aqui daquilo que nos une – uma experiência comum em que compartilhamos os costumes mais básicos de nossa própria natureza e da natureza que nos rodeia, e da qual inevitavelmente somos parte”, explicou o artista.
Obra igualmente representativa do primeiro eixo sugerido pelo curador Jacopo Visconti é “Ilha Brasilis” (2018), da paulistana Denise Milan, que participou de sua terceira Bienal e esteve na abertura da Itinerância no Sesc Campinas.
Sua obra, que despertou muita atenção dos visitantes, é uma instalação composta por vários tipos de minérios que representam a enorme riqueza da natureza do Brasil: quartzo, ametistas, entre outros. “Precisamos de um reposicionamento em relação à natureza. Tudo isso é resultado de movimentos de 130 milhões de anos, são sobreviventes de grandes vulcanismos no nosso país, é um processo de criação que precisamos valorizar”, disse Denise à Agência Social de Notícias.
Segundo eixo – No outro lado do Galpão, as obras da outra artista que esteve presente na abertura da noite de 19 de março, Vânia Mignone, nascida em Campinas. Em um lado da parede dedicada à artista, duas grandes telas, de 2017, com várias referências a elementos da natureza, como vulcões, cactus, pássaros. E também palavras: “mãe”, “filha”, “nós”, “aqui”. No outro lado da parede, a série “Online” (2018), também com elementos naturais e palavras, compondo quase que uma história em quadrinhos.
Componentes naturais e palavras, natureza e cultura. Para o curador Jacopo Visconti, as obras de Vânia Mignone são uma síntese e uma espécie de portal para os dois eixos da Itinerância. O primeiro, a natureza. O segundo, as palavras, os signos essenciais da cultura produzida pela humanidade.
Muito feliz por ter participado pela segunda vez da Bienal, e mais ainda por apresentar seu trabalho em sua cidade, Vânia explicou: “Estamos em um momento asfixiante, de verdades derretidas, então é preciso, é sadio voltar para a natureza mais primitiva”.
Seguindo, então, a porta entreaberta por Vânia Mignone, o segundo eixo da mostra apresenta obras sobre a palavra de artistas como a argentina Claudia Fontes (“Nota la pie”, 2018, em que rotulou fragmentos de porcelana com palavras de história policial encomendada ao escritor/tradutor Pablo Martín Ruiz) e o paraguaio Feliciano Centurión. Em tecidos bordados, produziu uma espécie de diário íntimo. Diagnosticado com HIV positivo, passou a narrar aspectos de sua doença nas obras. Ele faleceu em 1996, em Buenos Aires, aos 34 anos.
Vida, morte, biosfera, natureza, arte. Muitos questionamentos que podem ser despertados pela Itinerância no Galpão do Sesc Campinas, até 16 de junho, de terça a sexta-feira, das 8h30 às 21h30, e sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 18 horas. É grátis e pensar também não paga nada.