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Unicamp foi fundamental para desvendar vários casos de mortos na ditadura
Unicamp criou força-tarefa em dezembro e agora está em rede com USP e Unesp contra zika (Foto Martinho Caires)

Unicamp foi fundamental para desvendar vários casos de mortos na ditadura

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado nesta quarta-feira, 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos, confirma como a Unicamp foi fundamental para desvendar vários casos de assassinatos e desaparecimentos de militantes políticos durante o regime militar. O documento cita diversos casos de mortos e desaparecidos que tiveram a identificação de suas ossadas por peritos da Unicamp.

Mas a participação da Unicamp no esclarecimento de parte importante da história recente do Brasil não se limitou à atuação dos peritos, como lembra o relatório. O documento cita o fato de que a Unicamp recebeu da Arquidiocese de São Paulo, ainda na década de 1980, toda a documentação do histórico projeto Brasil: nunca mais,  “com o compromisso de permitir a sua consulta e reprodução. Por temor de que o material de pesquisa pudesse ser destruído, em plena retomada da democracia, cópia da documentação foi encaminhada pelo Conselho Mundial de Igrejas ao Latin American Microform Project do Center for Research Libraries (CRL), em Chicago, Estados Unidos”.

O documento nota que, em cerimônia realizada em agosto de 2013, o Conselho Mundial de Igrejas e o CRL “entregaram documentos e microfilmes mantidos no exterior ao Ministério Público Federal, com vistas a digitalização da integralidade do acervo. O Brasil: nunca mais digital tornou públicos, pela internet, os principais passos do desenvolvimento do projeto e sua repercussão internacional”.

Identificações – O relatório da Comissão Nacional da Verdade cita a atuação de peritos da Unicamp, por exemplo na identificação das ossadas que se acreditava pertencerem a Dimas Antônio Casemiro (1946-1971), do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Esta seria a posição dos peritos da Unicamp, segundo consta no relatório da Comissão Nacional da Verdade: “encontro de ossada compatível porém, devido a grande fragmentação dos ossos, muitos aspectos antropométricos estão prejudicados, assim sendo, amostras foram enviadas para extração de DNA”. Sem qualquer conclusão, em 1999, os familiares de Dimas solicitaram a intervenção do Ministério Público Federal no caso. Em 2010, concluiu-se pela impossibilidade de identificar os restos mortais de Dimas, da maneira como vinha sendo realizado o procedimento. Em 2011, o Ministério Público Federal deu início a investigação criminal, sob o processo n.1.34.001.007805/2011-00, com o objetivo de esclarecer a morte de Dimas, seguida de ocultação do cadáver. O resultado das investigações, entretanto, não foram esclarecedores. De acordo com a informação do Ministério Público Federal, “nada foi esclarecido, permanecendo esses fragmentos ósseos, que se suspeita como de Dimas, sem inumação”.

Outro caso foi o de Ruy Carlos Vieira Berbert (1947-1972), desaparecido político, membro do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Em 1991, segundo o relatório, teria sido encontrado o local onde estariam seus restos mortais. A família conseguiu inclusive a retificação de seu nome em uma certidão de óbito, onde constava um nome falso. “As informações obtidas também apontavam uma possibilidade de localização dos restos mortais. Diante disso, seus familiares entraram em contato com o departamento de medicina legal da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) para poder proceder à exumação e identificação dos restos mortais. As informações coletadas, no entanto, ainda eram insuficientes para estabelecer um perímetro para escavação”, afirma o documento da Comissão Nacional da Verdade.

Do mesmo modo, é citado o caso de Frederico Eduardo Mayr (1948-1972), do Molipo. O relatório da CNV informa: “Seus restos mortais foram sepultados na vala clandestina do Cemitério de Perus. Somente em 1992, após a abertura da referida vala, sua ossada foi identificada pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 13 de julho do mesmo ano, foi celebrada por Dom Paulo Evaristo Arns uma missa na Catedral da Sé, em São Paulo, em sua homenagem e a Helber José Gomes Goulart e Emanuel Bezerra dos Santos, outros dois militantes que tiveram seus restos mortais localizados”.

Os peritos da Unicamp também atuaram no reconhecimento das ossadas de Maria Lúcia Petit da Silva (1950-1972). Ela era do PC do B. O relatório da Comissão Nacional da Verdade relata: “Em 1991 foi realizada uma expedição de familiares dos mortos e desaparecidos políticos do Araguaia, em conjunto com membros da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e peritos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), quando foram exumadas duas ossadas enterradas no cemitério de Xambioá (TO). Em 14/5/1996, uma das ossadas foi reconhecida pelo Departamento de Medicina Legal da Unicamp como sendo a de Maria Lúcia Petit da Silva. Seu corpo estava embrulhado em um paraquedas, tal como aparecia em foto divulgada pelo jornal O Globo, em 1996. Em junho de 1996 foi sepultada no cemitério de Bauru(SP)”. Em 1997 ela deu nome a uma rua do Jardim Monte Belo, em Campinas”.

Atuação da Unicamp também no caso de Francisco Manoel Chaves, ligado ao PC do B e desaparecido em 1972, na chamada Guerrilha do Araguaia. O relatório da Comissão Nacional da Verdade informa: “Em 1991 foi realizada uma expedição de familiares dos mortos e desaparecidos políticos do Araguaia, em conjunto com membros da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e peritos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando foram exumadas duas ossadas enterradas no cemitério de Xambioá(TO). Uma destas corresponde à de um homem negro com aproximadamente 60 anos, um perfil compatível com o de Francisco Manoel Chaves. Entretanto, não foi possível confirmar esta identificação, dado que seus familiares não foram encontrados para fornecer os dados necessários ao processo de perícia”.

Caso também de Helber José Gomes Goulart (1944-73), ligado à ALN, que “foi enterrado como indigente, no cemitério Dom Bosco, em Perus, na cidade de São Paulo. Em 1992, seus restos mortais foram exumados e identificados pela equipe do Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas e trasladados para Mariana (MG). Após missa celebrada por dom Luciano Medes de Almeida, presidente da CNBB, o sepultamento foi realizado no cemitério de Santana”, como informa o relatório.

Outro caso investigado por peritos da Unicamp foi de Antônio Carlos Bicalho Lana (1949-1973), também ligado à ALN. O relatório diz: “A comissão de familiares investigou os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo e, em 1990, encontrou fotos do corpo de Antônio Carlos, no qual se notavam mutilações provocadas por torturas. As marcas deixadas pelos tiros que Antônio Carlos recebera durante outra emboscada que sofrera junto com outros militantes em 1972 foram fundamentais para a identificação dos seus restos mortais pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1991″.

Caso e enorme repercussão nacional foi o de Sonia Maria de Moraes Angel Jones (1946-73), também vinculada à ALN. O relatório diz que a ex-companheira de outro morto pela ditadura, Stuart Edgar Angel Jones, foi morta com o seu então companheiro, Antônio Carlos Bicalho Lana, a 30 de novembro de 1973, após terem sido presos em Santos. Conta o relatório: “Em 1981 foi possível trasladar para o Rio de Janeiro os restos mortais sepultados no cemitério de Perus e identificados com o nome de guerra da militante. Revelou-se, no entanto, por meio de exame realizado no ano seguinte, que o corpo pertencia a uma pessoa do sexo masculino. A família só conseguiu recuperar, de fato, os restos mortais de Sônia dez anos depois, em 1991. Após seis exumações, foram localizadas as ossadas pertencentes a Sônia, como comprovado a partir de exames periciais realizados pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Sônia foi sepultada em 12 de agosto de 1991, no cemitério Jardim da Saudade, no Rio de Janeiro (RJ)”.

Um caso polêmico foi o relacionado a Flávio Carvalho Molina (1947-1971), ligado ao Molipo. O relatório diz que ele “morreu aos 23 anos de idade em ação perpetrada por agentes do Estado”. As suas ossadas estariam entre aquelas encontradas no triste episódio da Vala de Perus. Diz o relatório: “Em 1990, a vala foi descoberta e encontradas 1.049 ossadas, entre as quais estaria a de Flávio Carvalho Molina. Após a identificação, os restos mortais de Flávio foram trasladados para o cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Entretanto, ainda que a identificação e traslado tenham se concluído, a negligência em relação à identificação das ossadas encontradas no cemitério, por parte da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fizeram com que o Ministério Público Federal (MPF) entrasse com uma ação contra as instituições e cinco peritos. Na interpretação do MPF, tanto as instituições quanto os profissionais seriam responsáveis por quebrar o pacto de ação pela identificação das ossadas de Flávio Carvalho Molina e Luiz José da Cunha. Em 2005, o governo brasileiro, através da CEMDP, enviou ao Laboratório Genomic, em São Paulo, amostras da família Molina e da ossada de Flávio. Sob a responsabilidade da doutora Delnice Ritsuko Sumita, as ossadas foram identificadas como de Flávio Molina”.

 O relatório cita outro cemitério onde foram encontradas ossadas supostamente de desaparecidos políticos. Descreve o documento: “Ainda em São Paulo, o Cemitério Campo Grande foi também usado, em menor escala, para a ocultação de corpos de militantes, como Emmanuel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura, mortos em 1973. Seus restos mortais foram exumados em 1992 e periciados pela equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os despojos de Emmanuel foram trasladados para o Rio Grande do Norte. Suspeita-se que outro cemitério, de Parelheiros, também tenha sido usado para ocultar corpos. Lá foi descoberto poço que abrigaria ossário clandestino, com restos mortais não identificados. O poço foi confirmado por análise feita com radar de solo, em expedições da CEMDP, em conjunto com o MPF e a Policia Federal”. (Por José Pedro Martins)

Sobre José Pedro Soares Martins

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