Por Regina Márcia Moura Tavares
No último domingo do mês de Setembro de 2019, a propósito das homenagens ao nosso imortal compositor e maestro Antônio Carlos Gomes, foi observado o estado precário em que se encontram os espaços onde monumentos de personagens históricos da cidade estão localizados. Pode-se dizer nada diferente da situação em que se acham outros itens da memória, há anos, em museus, arquivos e outros da municipalidade.
Em 2008, publicou-se uma relação dos monumentos na cidade de Campinas que deveriam ser restaurados pela administração municipal, no ano seguinte. A notícia alvissareira reavivou a esperança dos que ainda se preocupam com a Preservação da Memória e a valorização do Patrimônio Cultural de um povo, como alavanca de seu próprio desenvolvimento.
Como de costume, nada aconteceu nos 11 anos seguintes, significativamente! A Educação formal, a Saúde e a Segurança sempre são colocadas como prioridade por governantes que desconhecem a importância da Cultura, em suas inúmeras expressões, bem como da Preservação do Patrimônio Cultural de uma população para a expansão de seus repertórios e o exercício pleno da cidadania.
A constatação recente do descaso permite-me, mais uma vez, ir além da crítica à limitação dos que administram a cidade e o próprio país, tecenddo algumas considerações que me parecem relevantes.
Restaurar monumentos e manter espaços culturais públicos em condições ideais, com guarda montada ou cerca, como algum “iluminado” já propôs outrora, é suficiente para que se mantenha viva a Memória de uma população para seu próprio fruir, a percepção das identidades e a geração do futuro?
Certamente que não!
A cidade de Campinas, assim como tantas outras do país e do mundo, é um aglomerado de segmentos populacionais díspares, um mosaico cultural onde o que menos existe é homogeneidade.
Por outro lado, é indiscutível que toda a política de preservação em nosso país sempre esteve voltada à preservação do patrimônio das classes dominantes. Obviamente, uma maneira inteligente de convalidação do poder nas mãos das oligarquias, assim como a manutenção do estado dominial em que ainda vivemos.
Nas urbes contemporâneas não coexistem somente aqueles que se conhecem há séculos, através de seus antepassados ou de suas próprias pegadas impressas nas lajes do passeio público. Atualmente, mais do que no passado, encontram-se milhares de pessoas que para o centro urbano afluem à procura de sustento ou pela atração natural que a novidade e o conforto exercem sobre o espírito humano. Com trabalho exaustivo, dificuldades de locomoção e informação, tais recém-chegados acabam confinados em espaços restritos, nos quais suas próprias trajetórias pessoais não são recuperadas, assim como as tradições culturais que lhes deram forma e conteúdo em outras regiões de origem.
São “órfãos culturais” na grande metrópole que, sem identidades valorizadas socialmente, permanecem à margem da sociedade que os acolhe tornando-se presas fáceis do proselitismo, seja de natureza religiosa, política ou criminosa, pois são essas organizações que lhes proporcionam o significado social de que necessitam para se sentirem incluídos num espaço que lhes é estranho.
Mais do que restaurar monumentos e espaços culturais públicos, numa metrópole como Campinas deve-se ir além! Projetos de Animação Cultural nesses espaços, como já existente em vários países, permitirá uma incorporação crítica das relações sociais existentes na cidade e a percepção do papel de cada segmento social, através do tempo. A identificação e legitimação do multiculturalismo que deu origem ao espaço urbano e que continua nos dias atuais, se devidamente exposta aos munícipes, certamente contribuirá para que a urbe se torne um lugar mais aprazível, menos violento e com seus bens patrimoniais preservados pela coletividade.
Preservar o Patrimônio Cultural de uma população para que nele ela possa ver-se como num espelho, perceber-se como parte integrante de um todo complexo e, desta forma, ser capaz de programar o seu futuro afinado com a proposta de inclusão e harmonização social, é muito mais do que uma simples restauração de monumentos comemorativos, a preservação de espécimes barrocos, neoclássicos, expressões artísticas, arquivos ou acervos museológicos.
A descoberta dos muitos espaços comunitários numa sociedade mais ampla e o reconhecimento público do papel de cada um deles na construção da metrópole contemporânea são tarefas a serem empreendidas por todos aqueles que querem, efetivamente, um redirecionamento na ação preservacionista do patrimônio cultural. Que governantes e entidades da sociedade envolvidas com o tema incluam esta reflexão em suas agendas de trabalho!
Regina Márcia Moura Tavares (reg3mar@gmail.com) é antropóloga, consultora da Rede de Cooperação Acadêmica em Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina e Caribe, membro da Academia Campinense de Letras, do Instituto Histórico, Geográfico, Genealógico de Campinas e demais entidades culturais nacionais e internacionais.