Por Eduardo Gregori
O verão no hemisfério norte acabou. O sol, que antes baixava no horizonte às 10h da noite, agora vai embora no máximo às 7h. A temperatura está lentamente abaixando e até choveu. Entretanto, Lisboa, mesmo no meio de uma pandemia, ferveu em suas areias escaldantes de calor, sexo e hipocrisia. É neste contexto que Lisboices terá quatro contos: Desejos de Verão, que têm como pano de fundo a Praia da Bela Vista, na Costa de Caparica, onde locais, residentes e turistas vão para tomar sol, mas também para escaparem das amarras sociais que não os permitem realizar seus desejos carnais.
Passei o verão na praia em busca de personagens. Eu já havia ouvido sobre este recanto dos desejos português mas acreditava ser mais mito que verdade e não descobri que é verdade mesmo? O meu primeiro personagem é um brasileiro, Jorge obviamente não é seu nome, mas vou chamá-lo assim. Ele está há 5 anos em Portugal. Encontro-o nas dunas da Praia da Bela Vista como um eremita errante, observando com olhos de água quem possa satisfazer-lhe.
Ele pensa que estou interessado, mas lhe conto meu propósito e ele diz que tem muita história para contar, só não quer mostrar o rosto. Sentamos no alto das dunas, longe do mar. As pipas do kite surfe colorem o céu em uma dia lindo.
Jorge chegou a Lisboa sozinho. Deixou a esposa e os dois filhos em Belo Horizonte. Alugou um quarto na Mouraria, região lisboeta tradicionalmente ocupada por imigrantes, principalmente muçulmanos vindos da África e do Oriente Médio. Conseguiu emprego em um café, mas com a chegada da pandemia perdeu o trabalho e teve que buscar uma alternativa.
Ainda ilegal, não pode tirar carteira de habilitação e nem comprar uma moto para fazer entregas de comidas, estas que se pedem por aplicativo. Decidiu comprar uma bicicleta e não se cansa de subir e descer as colinas de Lisboa entregando encomendas alheias.
Jorge me conta que casou a mando do pai, pessoa que ele diz ter o maior respeito do mundo. Jorge tem quase 60 anos e lembra que na sua época obediência aos pais era tudo na vida de uma criança. Ele me conta que sempre soube que não era o que ele chama de pessoa normal. Aprendeu a gostar de Maria do Socorro, sua esposa, mas quando olhava para outros homens sentia uma estranha vontade de estar com eles.
Sua vida no Brasil não era de todo ruim. Era corretor de seguros e ganhava o suficiente para sustentar a família, mas não sentia sua vida completa, queria experimentar aquilo que não lhe saía da cabeça. Jorge me conta que tinha medo que, se realizasse seu desejo em sua cidade, talvez pudesse ser descoberto, e se gostasse e quisesse viver um romance, como seria? Medo e tesão povoavam sua cabeça noite e dia.
Jorge me diz que sua relação com Maria do Socorro é boa. Na cama, revela que o sexo era bom apesar de parecer mais como cumprir os deveres de marido. Uma noite pôs-se a pensar como escapar daquela vida sem magoar ninguém, nem a sua esposa, filhos e nem a ele mesmo.
No dia seguinte, em sua timeline de uma rede social a propaganda de um voo para Lisboa fez acender uma luz. “Vi aquilo como um aviso. E se eu fosse morar fora? Eu poderia fazer mais dinheiro e mandar pra casa, estaria longe e poderia experimentar essa minha vontade”, conta.
E Jorge foi masturbando esta ideia na cabeça até que decidiu ir. Conversou com a esposa que, apesar da tristeza de ficar longe do marido, acreditou que seria melhor para os filhos, pois teriam a oportunidade de oferecer-lhes uma vida menos regrada financeiramente.
Jorge chegou a Lisboa no início do ano e foi nos bares do Bairro Alto que conheceu muita gente e de todo lugar. Nuno, um rapaz que havia conhecido em uma noite no Bar 3, no Príncipe Real, o convidou para uma praia na Costa da Caparica. Nuno explicou que o lugar era para quem queria ficar ao sol ou perder-se no mato com outros homens.
Jorge me diz que não dormiu naquela noite de tanta ansiedade. Quando chegaram a praia, não quis saber muito do mar. Embrenhou-se na mata e lá encontrou homens de todas as idades e de todos os lugares. Todos com apenas um propósito: entregar-se ao prazer.
E foi naquele dia que Jorge provou de muitas bocas, de muitos homens e no fim soube que era aquilo que lhe faltava na vida. E todo verão Jorge faz o seu ritual de ir à praia não para banhar-se no mar, mas para realizar seus desejos. Ele me diz que tem enviado dinheiro para o Brasil, tem saudade mas não quer voltar já e nem pensa em trazer a família.
Não lamenta não ter encontrado alguém do mesmo sexo para mar. “Acho que amo mesmo a minha mulher. Aqui venho mesmo é para me divertir”, define. Ele levanta do meu lado, olha para o horizonte e diz que o sol já está caindo e que ainda não se satisfez por completo.
Agradeço o tempo que teve comigo e nos despedimos. Ele desce as dunas em direção à mata e desaparece. Fico imaginando onde Jorge estará e com quem estará realizando os seus desejos que não pode realizar no Brasil.
contato: info@euporai.pt
Assista ao Programa Eu Por Aí no YouTube
Assista ao Programa Tutu com Bacalhau no YouTube
Redes Sociais
Curta a página do Eu por Aí no Facebook
Curta o perfil do Eu por Aí no Instagram
Fale comigo pelo Twitter