Regina Márcia M. Tavares
Neste 14 de julho de 2021, em que Campinas comemora seus 247 anos, insisto que nela continua em suspenso o reconhecimento da importância da Cultura e das expressões culturais para o desenvolvimento da sociedade, a despeito do que já afirmaram organismos internacionais sobre o assunto, em várias convenções.
A Cultura, em seu sentido socioantropológico é o conjunto dos modos de fazer, sentir, pensar, que uma população cria ao longo de gerações para enfrentar os desafios da sobrevivência física e social. Ao contrário do que se pensa comumente, a Cultura não é um produto exclusivo das elites econômicas ou do saber de uma dada sociedade, mas alguma coisa produzida por toda a coletividade, apresentando-se diferente em extratos sociais diversos, porém, valorativamente idêntica.
Ela é uma trama de significados que nos garante a identidade individual e coletiva. Através da escola os indivíduos têm contato com recortes específicos da cultura de uma sociedade, mas não com ela em sua totalidade. O restante do conteúdo cultural chega ao indivíduo através do espaço familiar, dos grupos de amizade, das atividades lúdicas, das artes em geral.
Ao longo de muitas gerações a população de Campinas, nos seus vários ciclos econômicos, assim com movimentos migratórios diferentes, acumulou um patrimônio cultural, um conjunto de bens, materiais e imateriais, fruto das relações de seus cidadãos com o meio natural e com os demais indivíduos da coletividade, assim como as interpretações dessas mesmas relações.
Este patrimônio cultural é algo dinâmico e variável pela própria natureza do processo que o produz e preservá-lo não deve significar jamais “engessá-lo” ou “congelá-lo”, mas sim oferecer oportunidades e espaços onde o processo da produção cultural seja visto, analisado, compreendido, transformando-se assim em referencial necessário ao próprio reconhecimento da identidade pessoal e coletiva, bem como sustentação para a criatividade necessária ao advento do futuro.
Uma administração municipal competente de nossa cidade precisa propor um conjunto de medidas – um plano completo que possa garantir a progressiva realização das potencialidades dos membros da coletividade, priorizando a preservação das múltiplas memórias culturais, a defesa das identidades, a democratização do acesso a valores culturais e a criação de condições para a estimulação da criatividade no seio da população.
Se ainda não chegamos a isto, sugiro à administração da cidade investir, nos próximos anos:
- Na reeducação da classe política, conceitualmente defasada, muitas vezes, a qual concebe e vota projetos inadequados;
- Na integração permanente das pastas ministeriais para que nos projetos da Educação, da Saúde, do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio, os conteúdos culturais múltiplos da sociedade sejam devidamente evidenciados, priorizados e resguardados;
- Nos incentivos e condições que viabilizem a preservação das múltiplas facetas da cultura produzida pelos vários segmentos sociais em seu interior, compenetrando-se de que ao Estado não compete absolutamente produzir Cultura, mas desempenhar o papel de facilitador e articulador político para que a produção própria no seio da sociedade possa expandir-se;
- Em debates nacionais, regionais, locais, envolvendo Universidades, Centros Culturais, Museus, Associações comunitárias, de classe e outros com vista a um refinamento da interação entre as políticas culturais;
- Numa posição de alerta junto aos Ministérios das Relações Exteriores relativamente a acordos internacionais que, de alguma forma, venham a inibir ou mesmo fazer desaparecer expressões culturais caras à população. (Isto não quer dizer fechar-se ao não conhecido, pois ação cultural implica, também, ampliação de repertórios).
Finalmente, neste aniversário da cidade que adotei como minha e onde venho atuando, há 50 anos, para que ela seja culturalmente genuína e não somente brilhante nas áreas científica e tecnológica, proponho que eleja como ícone Antônio Carlos Gomes, afrodescendente campineiro, aplaudido internacionalmente como o maior gênio musical das Américas do século XIX.
Regina Márcia Moura Tavares é antropóloga, professora universitária aposentada, ex-conselheira do CONDEPHAAT e, atualmente, do CONDEPACC, membro da Academia Campinense de Letras e do Instituto Histórico de Campinas, entre outros.