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Documentário reabre debate sobre urgência de preservação da APA de Campinas
Paisagem do rio Atibaia no início de 2015, confirmando importância da proteção da APA de Campinas (Foto Adriano Rosa)

Documentário reabre debate sobre urgência de preservação da APA de Campinas

Por José Pedro Soares Martins

Era uma vez um local batizado de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso, assim denominado pela floresta que cobria toda a região. Desde o batismo, em 14 de julho de 1774, a área que se tornou uma metrópole perdeu quase 95% de sua vegetação nativa original de Mata Atlântica, em um dos maiores crimes ambientais ocorridos no Brasil. Um dos instrumentos criados, muito recentemente, para a proteção do que resta de vegetação remanescente no município é a Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas. A discussão sobre como efetivamente garantir a implantação da APA é retomada agora, com a produção do documentário “Um resto de Mata Atlântica – Mata Ribeirão Cachoeira”, de Angela Podolsky. O filme será exibido no próximo domingo, dia 25 de setembro, a partir das 17 horas, na Rabeca Cultural, no distrito de Sousas, seguido de debate sobre Matas, Águas e APAs, com a participação de nomes históricos da luta pela preservação ambiental.

O curta de 13 minutos resgata a história de um dos remanescentes de floresta original da cidade, localizado na APA  de Campinas, no distrito de Sousas. Com direção geral de Angela Podolsky e produção do Studio Eletrônico, o filme foi produzido entre 2021 e 2022, e tem imagens que dão a dimensão desse grande patrimônio natural de Campinas. “A Mata Ribeirão Cachoeira é um remanescente da floresta original que cobria a Campinas do Mato Grosso. No documentário, os pesquisadores entrevistados contam a história dessa região e também evidenciam como a constante pressão humana tem ameaçado os remanescentes florestais de Campinas. A Mata Ribeirão Cachoeira é uma entre as 50 florestas, que são consideradas Área de Preservação Permanente e protegida pela lei da APA. São 300 hectares de biodiversidade que esperam nosso cuidar”, enfatiza Angela Podolsky.

Angela Podolsky é uma das fundadoras da ONG APAVIVA que há anos luta pela conservação das últimas matas de Campinas e pela restauração de corredores ecológicos para proteger a biodiversidade da Mata Atlântica e manter o cinturão verde de Campinas. Entre outros pesquisadores, participou do documentário a Dra. Dionete Santin, cuja tese de doutorado contemplou o mapeamento da cobertura vegetal de Campinas e embasou políticas de preservação e tombamento de áreas verdes do município.

Também participou a zoóloga Dra. Denise Gaspar, autora de estudos pioneiros sobre população de mamíferos da Mata Ribeirão Cachoeira; a historiadora Dra. Suzana Barreto, autora do livro “Sesmarias, Engenhos e Fazendas do Arraial de Sousas, Joaquim Egidio e Jaguary (1792-1930)”; e o engenheiro agrônomo Dr. Ary Vieira Paiva (In Memorian), especialista em recursos florestais.

APA na Rabeca

O debate após a exibição do documentário contará com a participação de Maria Helena Novais Rodrigues, presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas (Comdema); Vicente Andreu Guilo, especialista em águas, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA); Dra. Suzana Barreto, historiadora; Dr. Paulo de Tarso Gerace da Rocha e Silva, da Divisão de Meio Ambiente da Unicamp; Angela Podolsky, presidente da APAVIVA; Dra. Dionete Santin, engenheira agrônoma; Pedro Tourinho, médico sanitarista e Professor; e Wagner Romão, professor de Ciência Política. A mediação será de Cesar Cury. A entrada é grátis. A Rabeca Cultural fica na avenida Dona Maria Franco Salgado, 250, Sousas, Campinas, SP. A organização sugere o uso de máscara e que os interessados estejam bem agasalhados. Haverá o serviço de bar da Rabeca Cultural, que aceita cartões de débito.

A luta histórica pela APA de Campinas

A APA de Campinas foi criada pela Lei Municipal 10.805/01, de 7 de junho de 2001, assinada pelo então prefeito Antônio da Costa Santos. A ocupação de forma sustentável do território da APA, que soma 28% do território municipal, é estratégica para o futuro de Campinas e região. A APA soma grande parte da vegetação nativa remanescente no município e é nela que se encontra a principal fonte de abastecimento de água para Campinas, a estação de captação no rio Atibaia, em Sousas. O conjunto da APA também reúne importantíssimo patrimônio histórico local, sobretudo com relação às antigas fazendas de café.

Mas a luta pelo desenvolvimento sustentável do território correspondente à APA é bem mais antiga, o que demonstra a dificuldade que representa a sua ocupação de forma organizada, protegendo os ricos recursos naturais e culturais. Como uma das consequências das discussões iniciadas no I Fórum Ecológico de Sousas, em abril de 1991, e no clima global gerado pela proximidade da Eco-92, realizada em junho de 1992, em novembro de 1991 o então deputado federal José Roberto Magalhães Teixeira apresentou dois projetos de lei, criando as APAs federais de Sousas e Joaquim Egídio.

O projeto da APA de Sousas foi arquivado em 1994, mas o de Joaquim Egídio teve continuidade, até arquivamento pelo Senado em 2007 (chegou a receber parecer favorável da senadora Marina Silva). O projeto da APA de Sousas voltou a ser apresentado pelo deputado Luciano Zica, em 1995, sendo arquivado quatro anos depois.

Mas em 28 de maio de 1993 o de novo prefeito Magalhães Teixeira editava o Decreto 11.172, criando a APA Municipal de Sousas e Joaquim Egídio. Em novembro de 1993 a Secretaria Municipal de Planejamento apresentou uma “Proposta Preliminar de Macrozoneamento Ambiental das APAs de Sousas e Joaquim Egídio”, que estabelecia cinco macrozonas nos dois distritos. Muitos debates e seminários foram realizados desde então, mas efetivamente a APA, com esta configuração, acabou não sendo concretizada.

Neste cenário surgiu uma grande polêmica, relacionada ao projeto de pavimentação da estrada de terra que liga Campinas a Pedreira, passando por Sousas. Foi a gênese do Movimento pela Qualidade de Vida de Campinas, que passou a questionar o projeto, até que ele foi arquivado.

Nasce o Reviva o Rio Atibaia – O Movimento foi a semente da criação m 1996 da Jaguatibaia – Associação de Proteção Ambiental, que já em 1997 lançou o Reviva o Rio Atibaia, em parceria com a Associação de Remo de Sousas e Merck Sharp & Dohme. O Reviva retomou o debate sobre a APA. Na segunda edição, em 1998, foi realizado o fórum Resgate do Plano Gestor da APA.

A mobilização se intensificou nas edições seguintes e, a 7 de junho de 2001, durante a Semana do Meio Ambiente, o prefeito Antônio da Costa Santos sancionou a Lei 10.850, criando a APA de Campinas, englobando os distritos de Sousas e Joaquim Egídio e também a região a nordeste do município localizada entre o distrito de Sousas, o Rio Atibaia e o limite intermunicipal Campinas-Jaguariúna e Campinas-Pedreira.

É esta a configuração atual da APA. Em 25 de janeiro de 2002 a prefeita Izalene Tiene editou o Decreto 13.835, criando o Conselho Gestor da APA (Congeapa), já previsto na Lei 10.850. Somente 15 anos depois começaria a ser elaborado o Plano de Manejo da APA, com o propósito de orientar – espera-se – a ocupação ordenada, sustentável, da região. O Plano de Manejo demorou para ser viabilizado, apesar da contribuição recorrente de profissionais de instituições como Unicamp, PUC-Campinas, Instituto Agronômico e Embrapa Monitoramento por Satélite.

São quase três décadas, portanto, do movimento de cidadania, de ambientalistas, cientistas e jornalistas, direcionado para a proteção e ocupação adequada da área da APA, estratégica em termos ambientais, mas também preciosa em termos culturais, sociais e civilizatórios. Lembrando que na APA está situado o primeiro observatório municipal do Brasil, inaugurado em 15 de janeiro de 1977. O Observatório Municipal de Campinas “Jean Nicolini” é um símbolo da vocação de Campinas para ver longe, toda vez que assume a ousadia.

O início da elaboração do Plano de Manejo, pela empresa contratada, deveu-se ao empenho do Congeapa, sob a presidência do advogado Rafael Moya. O Congeapa chegou a declarar moratória na análise dos projetos de novos empreendimentos para o território da APA, enquanto o Plano de Manejo não fosse elaborado.

Foram, enfim, muitos percalços, e muita pressão política e econômica. A crise hídrica de 2014-2016, que deixou o rio Atibaia praticamente seco, comprovou como a cidade e região deve olhar com mais atenção para os recursos hídricos e de biodiversidade localizados na APA.

A expectativa é de que sejam efetivamente colocadas em prática ferramentas para a proteção integral da APA, incluindo matas como a do Ribeirão Cachoeira, a exemplo do que já ocorre com a Mata de Santa Genebra, maior área de vegetação nativa remanescente de Campinas, situada no distrito de Barão Geraldo. A Mata de Santa Genebra se transformou em uma Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) e é mantida pela Fundação José Pedro de Oliveira.

Campinas precisa agilizar instrumentos semelhantes para proteger também o que há de muito relevante no território da APA, pois riscos permanecem. Muitos pesquisadores e ambientalistas temem por exemplo os impactos na APA da construção de uma barragem em Pedreira, município vizinho a Sousas.

Logo haverá mais uma nova edição do Reviva o Rio Atibaia, dando novo impulso a essa discussão estratégica para o futuro de Campinas e região e que deve estar acima de interesses pessoais, políticos e econômicos.

 

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