Por José Pedro Martins
Quando escrevo este artigo, ainda não tinham sido esclarecidas as causas exatas do apagão de energia que afetou a Península Ibérica na segunda-feira, 28 de abril, com reflexos também no Sul da França e outras regiões da Europa. De qualquer modo, um apagão que paralisou transporte público e comunicações em geral, em cidades cosmopolitas como Madri, Barcelona, Porto e Lisboa, foi um claro aviso de como sistemas de alta intensidade tecnológica e energética não estão livres de interrupções com impactos em milhões de pessoas em plena terceira década do século 21.
Ataques cibernéticos e fenômenos atmosféricos foram inicialmente descartados pelas autoridades espanholas e portuguesas, mas de fato pouco se sabia um dia depois do apagão que atingiu milhões de surpresa na metade do dia. Eram 12h30 em Madri e 11h30 em Lisboa quando foi registrado o auge do fenômeno. Nesse horário, e mais precisamente às 12h32 da capital espanhola, 15 gigawatts de potência, equivalentes a 60% do consumo naquele momento na Espanha, simplesmente “sumiram”. Telecomunicações, incluindo as redes de celulares e internet, foram imediatamente afetadas. O trânsito virou um caos, cirurgias tiveram que ser postergadas, impactos em todo o cotidiano dos cidadãos que nunca imaginaram cenas semelhantes.
Ficou evidente que os modernos sistemas energéticos, mesmo em países de alto grau de desenvolvimento, não são invulneráveis. O que diz muito sobre a necessidade de aumento do grau de segurança dos sistemas, em um momento crítico no planeta, em que é igualmente urgente a transição energética, do alto uso de combustíveis fósseis para fontes de fato renováveis de energia, como a solar, a eólica e os biocombustíveis.
Grupos ultraconservadores, inclusive, logo passaram a culpar as fontes renováveis como causa central do apagão na Espanha, o que já foi contestado pelo presidente do governo, Pedro Sánchez. Mas é claro que o episódio será utilizado pelos defensores dos fósseis para atacar o avanço inexorável e urgente do uso de renováveis, como reflexo do negacionismo científico que tem crescido e, agora, com o forte apoio do poderoso governo dos Estados Unidos.
Pois, se houve um apagão de energia na Península Ibérica, tem ocorrido um apagão científico e em particular na área ambiental norteamericana, desde a posse de Donald Trump em seu segundo mandato na Casa Branca, há 101 dias. Com a força de um furacão, Trump tem provocado um desmantelamento de grande parte da estrutura de proteção ambiental nos Estados Unidos, e em particular nos setores que atuam no enfrentamento das mudanças climáticas provocadas pelo uso intensivo de fósseis.
Pelo contrário, Trump tem estimulado o uso de fósseis. Sob o guarda-chuva da ordem nacional de emergência energética, determinada pelo presidente, o Corpo de Engenheiros do Exército, por exemplo, acelerou a revisão da licença para quilômetros de extensão de um oleoduto e gás projetado para perfurar zonas úmidas protegidas na fronteira com o Canadá, como denunciou o premiado Inside Climate News.
Na mesma linha, no último dia 8 de abril, Trump assinou uma Ordem Executiva intitulada, de forma singela, de “Revigorando a bela indústria de carvão limpo da América”. O carvão, como se sabe, foi o primeiro combustível fóssil usado em larga escala, contribuindo para deflagrar o processo que levou ao agravamento das mudanças climáticas, de impactos cada vez mais extremos.
“Para garantir a prosperidade econômica e a segurança nacional dos Estados Unidos, reduzir o custo de vida e aumentar a demanda elétrica de tecnologias emergentes, devemos aumentar a produção doméstica de energia, incluindo carvão”, afirma o presidente logo no início da Ordem Executiva, uma das tantas medidas que já assinou, de efeitos incomensuráveis em termos de um retrocesso histórico para a emergência de novas fontes de energia.
Trump também assinou uma proclamação atenuando de forma considerável os limites de poluição emitida pelas usinas movidas a carvão. Com isso, mais de 60 usinas a carvão ficaram isentas de limites federais de emissão de mercúrio. Os padrões de controle de mercúrio e outros poluentes ficariam mais rigorosos a partir de 2027, conforme regulamentação anterior, mas com a ordem do presidente o prazo foi estendido por mais dois anos, sob forte protesto de ambientalistas e cientistas.
São várias as medidas tomadas por Trump no mesmo sentido. Uma das mais impactantes foi o anúncio do Departamento de Estado de que fechará seu escritório que faz a gestão da política climática internacional dos EUA. É um resultado lógico do anúncio feito diversas vezes por Trump que retiraria os Estados Unidos do Acordo de Paris.
Em síntese, o que já foi visto até agora na área ambiental nos Estados Unidos, e sobretudo em termos das questões climáticas, é o prenúncio de um recuo monumental no que já foi feito no país que já liderou as emissões de gases de efeito-estufa e hoje é o segundo no ranking, atrás da China. É sem dúvida mais pressão para a COP-30, a Conferência do Clima que será realizada em novembro em Belém.
Como se não bastassem as pressões internas, para que o governo brasileiro avance mais em transição energética do que já foi feito até agora. Um recente estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que somente 0,16% da renda do petróleo, que foi de R$ 137,9 bilhões em 2024, foi direcionada à agenda ambiental e climática. “Isso em um contexto de acirramento dos extremos climáticos e ausência de soluções de financiamento público doméstico e no âmbito da política climática global”, comenta o estudo do Inesc, que comprova portanto que, ao contrário do que dizem setores do governo federal, o dinheiro do petróleo não vem sendo utilizado na transição energética.
A COP-30 pode ser um marco histórico. Mas, diante do atual cenário global e nacional, de apagões na energia, negacionismo climático e fortes interesses dos combustíveis fósseis em jogo, serão necessárias ações muito corajosas para que a Conferência seja um êxito e não mais um grande fracasso como as anteriores.
(Publicado originalmente no portal Hora Campinas, no dia 30 de abril de 2025.)