Primeiro o espanto do artista, que encontra na avenida Francisco Glicério o burburinho de sempre, aliado à movimentação especial provocada pelo projeto de revitalização da principal via pública da cidade. Barulho, corre-corre interminável, fluxo constante, buzina, pressa, ansiedade. Dobrando a esquina da rua Bernardino de Campos, ele sobe a longa escada que dá acesso ao andar principal do Centro de Ciências, Letras e Artes. Um pouco cansado, depois da viagem que também teve os seus percalços (foi obrigado a deixar o automóvel com problemas em Mogi-Mirim), ele finalmente chega à Galeria de Arte do CCLA para a concretização de um sonho: inaugurar uma exposição no mais tradicional espaço cultural de Campinas. Foi esta a tarde de Maneco de Gusmão nesta quarta-feira, 10 de junho, na abertura de sua exposição Quantic-Art – O Princípio da Incerteza.
É uma série de Rostos Contemporâneos, como o artista define. Rostos enormes, compostos sobre tiras de borracha de pneu de caminhão. A impressão é de rostos tremulando, de imagens retorcidas. Um pouco de cubismo, de figurativismo, de simbolismo. E de raízes barrocas mineiras como Emanuel de Gusmão, o Maneco, nascido em Ouro Fino, de onde saiu aos 18 anos para São Paulo.
Na capital paulista, a descoberta do poder da arte, quando deu aulas para detentos na Penitenciária do Estado. “Com esse trabalho, vi realmente o poder da arte, percebi como ela pode mudar as pessoas, mudar a percepção das coisas”, diz Maneco.
Veio 1990 e o pacote econômico de Zélia-Collor de Mello. Um susto nacional, quase pânico, e o artista decide ir para Paris, como “exilado político-econômico-financeiro” do pseudo-Caçador de Marajás. Foram 14 anos na capital francesa, tomando contato com toda a efervescência artística e expondo, depois de muita luta, em espaços alternativos e galerias. Algumas exposições na Alemanha e na Espanha, mais precisamente na Casa do Brasil.
Saudades de casa, questões de saúde da mãe, e o filho único retorna para Ouro Fino, onde atua na Coordenadoria Municipal de Cultura e funda a ONG Culturativa. Na terra nativa, constrói a Caixa Preta, como chama a sua casa-ateliê-centro cultural. “A Caixa Preta é o lugar de se guardar sonhos, desejos, ideias”, resume.
Maneco – ou Monsieur Manecô, no sotaque francês – entende que o mundo todo vive uma balbúrdia, um não-se-entende-nada-do-que-acontece, e o Brasil está no meio do turbilhão. Cabe ao artista o seu papel, o de provocar a reflexão, pegar com as mãos nuas a carne quente-fria da instabilidade contemporânea.
“Estamos passando pela maior transformação da história, isso é ótimo, mas ninguém sabe para onde estamos indo”, afirma, entre perplexo e esperançoso. “Hoje, post-humanos, em ligações físicas com a caixa de Pandora, descobrem novos códigos: A Física Quântica, a Caixa Preta, a cor negra do conhecimento universal, a negra luz que brilhou em Ouro Fino e se descobrem, novamente, barrocos. Contemporaneamente presentes. Sempre, em construção”, escreveu Maneco de Gusmão, no texto preparado para a exposição em Campinas.
No Brasil, admiração particular por Hélio Oiticica e Flávio de Carvalho. “Ele colocou saia há décadas atrás, imagine hoje!!, exclama. No plano internacional, a influência confessa de Marcel Duchamp, a mutação do objeto comum em obra de arte, a vida tornada obra de arte. Nos Rostos Contemporâneos, em exposição neste mês de junho no CCLA, centro de Campinas, a reutilização da borracha “que um dia fez a riqueza mas levou a miséria para a Amazônia”. A agonia e perplexidade da humanidade atual nas faces da instabilidade. (Por José Pedro Martins)