O anunciado encerramento do atendimento adulto no Centro Corsini representa um duro golpe para a saúde e a cidadania em Campinas. Referência nacional e internacional em ações de prevenção e atendimento a portadores do vírus HIV, mas com dificuldades financeiras, o Corsini deve manter a Unidade de Apoio Infantil e os pacientes serão encaminhados para a rede pública, em hospitais como o da Unicamp. O Corsini tem sido muito importante para imagem e a trajetória da vocação solidária em Campinas e um símbolo da luta contra o preconceito.
Os primeiros casos relatados de AIDS pela comunidade médica datam de 1981. Em Campinas os primeiros casos foram diagnosticados em 1982. Medo, sentimentos de impotência e boas doses de preconceito marcaram os primeiros contatos da sociedade campineira em geral com a doença que propagava o terror no planeta.
Mas logo um grupo de pesquisadores da Unicamp teria um papel fundamental para modificar essa atitude. Coordenado pelo médico Antônio Carlos Corsini, professor nos Departamentos de Microbiologia e Imunologia da Universidade, o grupo se encarregou de difundir informações precisas sobre a doença, e de estimular novos procedimentos sociais em relação aos portadores do vírus HIV.
Em setembro de 1982 Corsini participava de um curso de Imunologia em Lausanne, Suíça, quando contraiu uma grave doença. Retornou ao Brasil em janeiro de 1982 e, mesmo doente, continuou se dedicando aos trabalhos com a AIDS. O médico morreu em 29 de janeiro de 1984. Três anos depois, a 20 de janeiro de 1987, um grupo de estudiosos que haviam sido orientados pelo professor da Unicamp fundou o Centro de Controle e Investigação Imunológica “Dr.Antônio Carlos Corsini”, em homenagem ao pioneiro da compreensão da AIDS em Campinas.
Como aconteceu com outras instituições pioneiras, como o Centro Boldrini e a Sobrapar, o Centro Corsini alcançaria o status de referência internacional na área de AIDS. Sob a direção da médica Sílvia Bellucci, o Corsini passaria a prestar completo atendimento a portadores do HIV, no âmbito da infectologia, imunologia, psiquiatria e tratamento dentário. A instituição se dedicaria, do mesmo modo, a promover várias campanhas de esclarecimento sobre a doença, em termos da prevenção e do combate aos preconceitos, inclusive com a estruturação de um DISK-AIDS.
Projeto Colmeia – Em julho de 1996, o Centro Corsini apresentou cinco de seus trabalhos na 11a Conferência Internacional de AIDS, realizada no Canadá. Era a confirmação do reconhecimento internacional ao esforço da organização de Campinas. Entre os projetos apresentados estava o de treinamento de dentistas para o tratamento de aidéticos e o Colmeia, de prevenção da AIDS junto a mulheres pobres da periferia de Campinas.
Inicialmente financiado pelo Ministério da Saúde, o Projeto Colmeia passou a ser patrocinado pela Fundação FEAC em 1995. O Projeto seria desenvolvido sobretudo entre os Grupos de Mulheres ligados às creches pertencentes à rede FEAC, que também financiou a confecção de uma cartilha com orientações sobre a AIDS, dedicada às mulheres de baixa renda.
O Colmeia alcançou projeção nacional e internacional, entre outros motivos porque demonstrou sua eficácia em um momento de radicais transformações no perfil da contaminação com o vírus HIV. Quando o Colmeia foi iniciado, em 1992, a contaminação de mulheres com o vírus ainda não era alarmante. Em 1991, para cada 15 homens infectados havia um caso de mulher identificada com o vírus. Nos anos seguintes a proporção foi caindo e, em 2000, já havia um caso de mulher contaminada para cada dois casos no sexo masculino, dado que acentuava a vulnerabilidade cada vez maior entre o sexo feminino e a importância de iniciativas como o Projeto Colmeia.
As projeções do Corsini são de que mais de 100 mil pessoas foram beneficiadas com as ações multiplicadoras de esclarecimento sobre DST-AIDS proporcionadas pelo Colmeia apenas nos primeiros 10 anos de atuação. Foram sobretudo moradores de bairros de baixíssima renda de Campinas, sem outros recursos de informação do que as reuniões e palestras propiciadas pelo projeto.
O trabalho do Corsini na prevenção à AIDS foi tema de várias produções científicas, como a tese de doutorado “Educação em saúde: um estudo de caso na prevenção da AIDS”, apresentada por Sonia de Almeida Pimenta na Faculdade de Educação da Unicamp.
Apoio infantil – Além das mulheres, integrantes em número crescente dos chamados grupos de risco, o Centro Corsini passou a se dedicar às crianças vítimas da AIDS. Em 1994 foi inaugurada a Unidade de Apoio Infantil da instituição, que também deflagraria, no final de 1997, um amplo trabalho dedicado a atender os órfãos da AIDS em Campinas. Estimativas do Projeto Mundial para Órfãos, financiado pela Fundação John Snow, vinculada à Universidade de Harvard, indicavam a existência em Campinas de pelo menos três mil crianças órfãs da AIDS.
A proliferação da AIDS continuaria, então, deixando um rastro de dor em Campinas nos anos 80 e 90, mas organizações como o Centro Corsini representaram sem dúvida uma sólida esperança para os portadores do HIV. A entidade também passou a promover o Corsini Itinerante, mobilizando diversos recursos sociais, em várias regiões de Campinas, em eventos constando de testes gratuitos de AIDS, distribuição de preservativos e palestras. Eventos do Corsini Itinerante foram realizados, no início do século 21, em locais como o Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia (março de 2001) e Creche Adélia Zornig, no Parque Valença II (setembro de 2001).
Em janeiro de 2002, mais precisamente no dia 19, a presidente do Corsini, Silvia Bellucci, anunciou o início das obras das instalações próprias da Unidade de Apoio Infantil (UAI), destinada a receber crianças e adolescentes, dos dois sexos, portadoras do vírus HIV. O novo espaço seria construído em uma área no Parque Taquaral de 3,2 mil metros quadrados, viabilizada pelo Rotary Club de Campinas Leste e Prefeitura Municipal.
Com a estrutura própria o número de vagas na UAI, que funcionava em prédio alunado no parque São Quirino, ampliaria de 14 para 48. Os estudos iniciais do projeto tiveram a participação do arquiteto Antônio da Costa Santos, o prefeito de Campinas assassinado a 10 de setembro de 2001. Em homenagem a Santos a rua de acesso às casas da nova UAI receberia o nome de Rua da Pipa, o símbolo da campanha eleitoral do ex-prefeito.
A Dra.Silvia Bellucci faleceu a 30 de dezembro de 2012. As dificuldades financeiras do Corsini foram agravadas nos últimos tempos. Vários segmentos sociais têm se empenhado em apoiar a entidade. Caso da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), que promoveu vários eventos de respaldo à organização.
Em 2000, a Cúpula do Milênio lançou, em Nova York, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, um conjunto de metas para a comunidade internacional atingir até 2015. Entre as metas, a redução importante da proliferação do HIV/AIDS, que ainda é um flagelo sobretudo na África. Pois o trabalho da Dra.Silvia Bellucci também chegou à África, com uma importante atuação em Moçambique. Exemplo de solidariedade, o Corsini tem uma bela história, agora atingida se confirmado o encerramento do atendimento adulto. (Por José Pedro Martins)