Por Daniela Prandi*, especial para ASN
O jornalista Mike Rezendes mal poderia imaginar que anos depois de se dedicar obsessivamente em desvendar os mandos e desmandos da Igreja Católica nos casos de pedofilia em Boston (EUA), para o jornal The Boston Globe, estaria no palco do Oscar, celebrando a consagração de Spotlight.
Eleito o melhor filme da safra 2016, a produção, modesta para os padrões de Hollywood, é de uma coragem tão intensa quanto a reportagem que deu início a um dos maiores casos de mea culpa do Vaticano. Um escândalo que, das páginas dos jornais, repercutiu nas igrejas mundo afora e provocou uma inesperada dança das cadeiras na casa de Pedro.
Após os créditos finais, uma imensa lista de cidades nas quais o mesmo padrão de padres pedófilos foi identificado, enche a tela para reforçar a repulsa. Para os mais atentos, aliás, é possível identificar alguns municípios brasileiros ali, inclusive do interior paulista, como Franca.
Spotlight é o nome de uma equipe do respeitado jornal de Boston que toca reportagens investigativas independentes da pauta do dia. Algumas chegam a levar meses até a publicação, algo impensável agora, quando a velocidade da informação ganhou importância sobre a sua própria veracidade e as redes sociais substituem os jornalistas pelos boateiros. Mas até hoje a equipe resiste, acumula prêmios, credibilidade e, com o Oscar na estante, deve ganhar alguma sobrevida em tempos de xeque-mate para o jornalismo impresso.
Na telona, Rezendes ganhou o rosto de Mark Ruffalo, não por acaso um dos atores mais descolados de sua geração. No filme, seu personagem segue o clichê do jornalista mal-ajambrado, obsessivo, que come mal, não dorme, troca a vida real pela busca da notícia. É ele quem dá o “texto final” na reportagem, que acabou ganhanho o prêmio Pulitzer em 2003, mais importante que o Oscar, vale lembrar, pelo menos no mundo do jornalismo.
Outros da equipe de Spotlight também são retratados, Sacha Pfeiffer, interpretada por Rachel McAdams. É ela, aliás, que passa por um dos momentos mais chocantes da investigação quando bate à porta de um dos padres pedófilos sob investigação. O próprio atende e ela resolve ir direto ao assunto, sem rodeios. Coragem para perguntar. É disso que estamos falando.
Coragem de sobra também para o restante da equipe, como o editor Walter “Robby” Robinson, vivido no filme por Michael Keaton. O ator, que vem de duas boas temporadas no Oscar (sua interpretação em Birdman, no ano passado, é inesquecível), deixou para trás a canastrice da época em que envergou o uniforme do Batman e trouxe veracidade ao personagem, um editor obrigado a tomar posição em favor da notícia, mesmo que isso atinja seu poderoso círculo de amigos.
O Oscar de Spotlight foi recebido com surpresa. O azarão venceu, emocionou, muitos viram como uma vitória do jornalismo, mesmo que seja um jornalismo passadista, quando a internet não estava assim tão dominante. Mas, passada a euforia inicial, as redes sociais logo nos lembraram da má fase dos jornais, do ocaso do meio impresso, da utopia que hoje representa uma equipe como a do Boston Globe. Entre a frustração e os memes de Gloria Pires, que preferiu “não opinar”, fica a lição de que reportagem investigativa, que custa caro e demora, pode render uma estatueta. Dourada.
*Daniela Prandi é jornalista, cinéfila, apaixonada por livros e gibis, turista profissional e fanática pelas cerimônias do Oscar; ainda lê jornal impresso, mas não resiste ao (bom) jornalismo on-line. Formada em Comunicação Social na Universidade Estadual de Londrina (UEL), foi repórter e editora nos jornais Diário do Povo, Correio Popular, Gazeta Mercantil, produtora na EPTV Campinas e colaboradora em revistas como Set e Terra da Gente, entre outras.
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