A situação gerada pelo esvaziamento do Sistema Cantareira, que abastece metade da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e muitos municípios da bacia do rio Piracicaba, “é muito grave” e deve ser dita “toda a verdade sobre essa gravidade”, para que a população se prepare para o que pode vir. A afirmação, em tom de desabafo, ou de séria advertência, é do diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu.
Peça chave no tabuleiro de xadrez em que se transformou a discussão sobre a gestão do Cantareira, Vicente fez uma espécie de volta às origens na noite de sexta-feira, 10 de outubro. Exatamente no dia em que finalmente a Sabesp enviou, para avaliação da ANA, o plano para uso da segunda parte do Volume Morto, na prática o que resta no fundo dos reservatórios do Sistema que garante água a mais de 12 milhões de pessoas, no coração econômico do Brasil. E exatamente no dia em que esses reservatórios chegaram a 5% de sua capacidade.
Depois de uma série de compromissos em São Paulo, Vicente participou naquela noite de uma audiência pública na Câmara Municipal de Campinas sobre o futuro do Cantareira e do abastecimento na região. Volta às origens porque Vicente saiu da presidência da Sanasa, a empresa municipal campineira de água e esgotos, para cargos na área ambiental em Brasília, até chegar ao posto mais alto da ANA, a agência responsável pela proteção das águas no país, nos termos da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, de 1997.
E a mensagem central do presidente da ANA, reiterada várias vezes na audiência, convocada pelo vereador Pedro Tourinho (PT), foi a da gravidade da situação, provocada por uma estiagem inédita, entre outros fatores. Em outubro, exemplificou, a média histórica de vazão no Cantareira é de cerca de 30 metros cúbicos por segundo, mas em outubro de 2014 tem sido de pouco mais de 4 metros cúbicos por segundo. Em setembro, foi de 7,25 m3/s, um terço da média histórica, de 22,36 m3/s. Em julho, a vazão média foi de 4,17 m3/s, menos de um quinto da média histórica, de 25,43 m3/s.
Vicente esclareceu que a proposta encaminhada pela Sabesp seria devidamente avaliada pela equipe técnica da ANA, responsável pela autorização do uso do Volume Morto, como órgão federal, ao lado do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), como órgão estadual. Entretanto, afirmou que seria razoável um uso moderado da segunda e última parte do Volume Morto. A permissão para um uso total, destacou, seria deixar, na falta de chuvas, o Cantareira sem estoque, em uma situação que poderia ser muito mais impactante para a população das regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas, na bacia do rio Piracicaba.
Em outras palavras, seria necessária alguma medida para garantir o uso racional, escalonado, do que ainda sobre de água no volume Cantareira, sob pena da região mais rica e populosa do Brasil passar por momentos muito críticos em futuro próximo. “Não podemos repetir a situação do pai de família que continua negando a situação financeira difícil e que, depois de usar todo o seu cheque especial, vai quebrar o cofrinho da filha”, advertiu.
O presidente da Agência Nacional de Águas fez uma comparação com a população do Semi-Árido, que já convive regularmente com longos períodos de estiagem e, por isso, está melhor preparada para enfrentar situações semelhantes. O mesmo não ocorre no Sudeste industrializado. Para Vicente Andreu, o Sistema Cantareira, com seu cerca de 1 trilhão de litros de água, “está totalmente superado” como maior manancial de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Novamente fez uma comparação, desta vez com o açude Castanhão, que tem capacidade para 6,7 trilhões de litros de água e é responsável pelo abastecimento de grande parte da Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará.
Andreu entende que o Brasil, país que tem o maior volume de água doce (12,5%) do planeta, precisa passar a conviver com a ideia de adotar o conceito de “redundância”. Seria garantir uma reserva de água nas áreas onde ocorre escassez, justamente para os momentos mais críticos. Seria a reserva estratégica, como acontece por exemplo nos Estados Unidos. Sem esse tipo de iniciativa, o presidente da ANA acredita que a região mais rica e populosa do país poderá continuar sofrendo com a dolorosa sombra da falta de água nos próximos anos. (Por José Pedro Martins)